Translate

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Highway do Horror

 Iniciado dia 25 de Março de 2013
1

A Manhã


   O início de uma história, geralmente começa com um parto ou seja, crise. Todo parto é ligado, de modo intrínseco a pelo menos quatro itens. Dor [1], fluidos corporais [2] dos mais variados, um ser inconsciente [3] e outro ser [4]. Este dotado de lucidez e justamente por isto; é sempre o alguém condenado a atravessar sozinho cada um dos círculos infernais, em nome de algo indefinível. Agora vamos amanhecer.

Como todo dia atual, comum ele nasceu. Este dia, cheirando a vida, com simplicidade ordinária, revelava em suas cores pouca ou nenhuma novidade, mas, não evito dizer, pois eu estava acordado que, momentos antes do sol nascer houve um grande siléncio e, quando a luz iluminou novamente esta parte do mundo em que vivemos; senti-me aliviado por poder servir mais uma vez.

Eu sou o padre Urdo. Urdo Chevals; as pessoas chamam-me apenas Chevals ou, padre Chevals. Vivo como todos vocês, de favor em algum lugar deste pequenino mundo que Ele nos deu e que creio um dia, tomará. Por que é Dele e, os desígnios dado por Ele às suas coisas; a nós é vedado.

Na pequena cidade de trinta mil habitantes em que existo, todos conhecem-se. Se não muito bem, então reconhecem-se pelas faces, expressões, modos de falar e agir revelados em um subtil mosaico padrão que, indica o modo de vida dos muitos grupos sociais pertinentes a determinados sítios, veredas, povoados ou glebas da região.

Sou um homem de palavras, talvez um homem de fé – duvido um pouco – dediquei-me a minha religião. Acredito no raciocínio e na lógica implacável que existe por trás dos ensinamentos. Tentei manter sempre minha comunidade em harmonia. Não sou o único representante religioso daqui, tampouco aqui há apenas uma religião. Existem outras. Algumas anteriores a Ele até. Não me julgo sábio, nem covarde. Talvez, possua a lucidez dos covardes ou a loucura dos assombrados. Fato é, que minha vida de asceta, guiada pela doutrina que me foi imposta desde tenra idade, configurou minhas carnes. Longas noites de leitura e oração, deram-me redondos óculos cristalinos com aro de ouro. O jejum afinou meu rosto, clareou e riscou minha pele, tornando meus cabelos ralos. Jejuar fez a minha vida longa e, por incrível que pareça; saudável. Sou um velhinho saudável. Não disse que jejuei a vida inteira, nem que tive algum dia na vida, aversão ao trabalho braçal. Rezei, aconselhei e aconselho a quem me solicita, como posso. Batizei e casei muitas pessoas ao longo da vida. Também trabalhei em inúmeros mutirões levantando obras para o senhor, que é o mesmo que dizer, para os mais necessitados. Meus músculos são de aço. Conheço o uso da enxada, da foice e do facão, assim como dos maquinários agrícolas movidos a motores de explosão. E, se me encontras em uma beira de rio, com meninos e amigos e me desafias; verás quantas cabriolas ainda consigo fazer raspando meus pés na tua cara, se estivermos brincando na areia. Isto é o agora. Atualmente. Mas o início desta história, foi há muito tempo atrás.

Era um jovem padre quando tudo começou. Os acontecimentos presentes serão esclarecidos à seu tempo. Infelizmente, lembremo-nos primeiro do passado.
Escutem meu menino, o grande Aeon-Igu. Vade.

2

Ontem
 

Viver por aqui, é ter a certeza de que se você não conheceu fulana ou sicrano; haverá ao menos uma pessoa de sua família ou, do seu conhecimento que conhece ou, que conhece alguém que conhece este outro alguém e, sendo desta forma, acredito que perceberás que por aqui segredos possuem vida curta. Já maldições, pelo contrário, como você irá testemunhar se seguir lendo; duram muito. Na minha opinião, uma eternidade.

Aeon Penasoft de Iguborn. Este é meu nome. Não se ria dele, muitas pessoas por aqui possuem nomes piores que este. O nome dado a mim não é estranho. É apenas um nome antigo que caiu em desuso mas, meu pai lembrou-se dele, talvez por usar um nome muito antigo também e, após – segundo dizem – muito tempo refletir; deu este nome a mim.

Eu nasci no hospital desta cidade de que Chevals lhes contou acima. Minha juventude nela, foi adorável. Andei por suas ruas de terra, meus chinelos cantaram pelas ruelas de pedra também. Fiz todo tipo de estripulias. Comi frutas nas árvores. Tomei banhos de chuva. Escondi embaixo da ponte caçando arco-íris. Fui sonolento astronauta sonhador nas longas tardes mornas. Na parte central da cidade, nos dias bem quentes, estrelava ovo cru no asfalto negro de petróleo e, o via fritar enquanto brincava com outras crianças da cidade. Explorei também com minha trupe, matas e rios. Um dia, ao que parece em retrospecto, fomos longe demais. Lembro-me de todos. O filho da dona da farmácia, parceiro inseparável de minha prima. Tinha também a filha do padeiro. O filho do pedreiro china, que construiu a minha casa. E o menino que tinha os pais na roça e que para estudar na cidade; vivia com a avó em uma bela e grande casa cor de Terracota; entre tantos outros. Não éramos santos. Eu nunca fui santo. Nem eu nem ninguém.

Durante a infância, assistimos várias vezes à violência acontecer. Exemplos? Um menino que esfaqueia outro por causa de uma briga por papagaios. Atropelamentos, acidentes de carro e moto, bebedeira e desordem nos dias festivos. Mas isto tudo é normal e, todas as crianças deveriam aprender desde cedo a se desviar destes males. Assim, para mim o tempo passou e cresci com apenas umas poucas cicatrizes de brincadeiras, todas guardadas com carinho e respeito. Mas existe algo enterrado fundo, tênue lembrança ou, vago esquecimento.
Não me chamam pelo nome completo, assim como nunca chamaram meu pai já há muito falecido pelo nome completo; apesar da maioria das pessoas saberem meu nome inteiro; eu sou para você e para esta cidade o Aeon-Igu. Mas eu de tudo nada sei. Talvez, você possa compreender melhor esta história, sob a ótica da minha esposa; Palola Malakia. Vamos em frente.

3

O Ocaso

 Fim de tarde desenvolve-se ao redor da casa que eu; e Aeon vivemos. No perímetro de minha visão, enxergo um azul celeste pintalgado de nuvens cinza, logo mais abaixo, vejo salpicos de púrpura. Depois vejo finas nuvens transversais amarelo ovo, e na seqüência na última coroa externa do sol poente, destaca-se primeiro o laranja. Logo a seguir, um amarelo canário e aí sim, o dourado glorioso da luz que parte para o outro lado deste nosso mundo meu e teu, amigo meu.
Postes de luz começam a acender-se. Estou sentada em um cadeirão de couro gasto no jardim da varanda, enrolada em meu manto colorido. Paola Malakia. É sim. Paola Malakia. Assim chamam meu nome e, para quem diz estas palavras eu retorno meu olhar. A menina Malakia, não a Menina Maluquinha como brincam as pessoas; quanto tiram sarro do meu amor pelo conhecimento.
Dizem que sou bela, mas não gosto. Bela sei que sou. Tenho alguns grisalhos nos cabelos que parecem luzes, devido à cor natural que eles possuem. Estatura mediana, sou tipo mignon. Não sou esbelta, sou gostosa. Branca. Também sei que, o que é belo nas mulheres pouco dura se, elas não tem o tino de irem adquirindo conteúdo e segurança com o tempo. Estudando, vivendo, tolerando os homens e de vez em quando, usando suas garras para ferir monstros que fazem por merece-las.

Aeon e eu somos amigos e amantes. Estamos casados há tanto tempo que, chegamos ao ponto de um completar a frase do outro, antes de um dos dois sequer falar. Nossos filhos estão no mundo. Conheci meu marido quando retornei para cá, após me formar médica pós graduada em genética. Estudei com afinco numa universidade boa nos grandes centros, depois voltei. Odeio cidade grande.
Ah, Penasoft... Ele é um belo exemplar de homem. Alto, com mais de um metro e oitenta, noventa e cinco quilos de músculos, mulato chocolate delicioso, mas calvo. Tem a sabedoria de um batalhador, que sobreviveu até os quarenta anos e não quer parar. Um grande homem bom. Repleto de cicatrizes, nunca feriu ninguém. Não conheci Aeon na infância lamento, mas ouvia falar sempre dele, seus amigos e suas aventuras.

Ele foi um infante terrível e nesta infância de Aeon-Igu, algo aconteceu em um maldito lugar abandonado perto da fronteira. Este é o motivo de agora estarmos todos envolvidos nesta história. Não tenho bem certeza, mas, quando reflito sobre atitudes, ação e reação, passado e futuro; estas coisas que teimamos de pensar de dois em dois, mas, que na verdade deveriam ser pensadas em seis por quatro, sendo que tudo tem trinta e dois lados; intuo que talvez, realmente exista algo mais. Pode ser mesmo como os antigos diziam. Que tínhamos todos um encontro marcado com o destino.     
Destino maldito.

Da nossa casa de muro alto e pálido, no jardim pequeno com árvores esguias podadas para serem assim; eu e nosso cão Fila Otruk, aguardamos o desenrolar dos acontecimentos. E falando sobre o desenrolar dos acontecimentos, imaginem o que na infância passaram os dois melhores amigos de Aeon; que são a prima Milhafru e Gorgamur. Amam-se, mas não conseguem ficar juntos por mais que tentem.
Todos vão hoje para um Jihad Underground. E eu Paola? Bem, não sei se conseguirei ficar aqui a esperar de mãos a abanar, mas alguém tem que sobrevoar as histórias usando o helicóptero do pensamento. Segue.

4

A Noite

 Escuridão abateu-se sobre a região como uma ave de rapina cobre a presa desavisada. Aconteceu de supetão, enquanto a tarde distraia o mundo embriagando-nos com suas cores. Agora temos estrelas e estrelas, aviões riscando a noite, satélites, coaxar de sapos, pios de corujas e, o sereno canto do sábio grilo conversando com o vento enquanto, Kera Milhafru e Jeffrey Gorgamur discutem.

– Kera! Kera Milhafru, eu já disse. Não ouse me seguir! Não quero que me siga. De ti eu não preciso e ainda por cima, tudo está estranho – Disse Gorgamur muito chateado – não sei o que nos aguarda logo à frente.

Milhafru é uma mulher de um metro e setenta e cinco, cabelos curtos castanho-ouro, corpo de guerreira seios pequenos de cor parda.
– Gorgamur! Jeffrey Gorgamur, não me diga o que fazer. Eu sou tua amiga, sou do exército e sei me defender. Alem disso, estou armada – disse Kera um tanto insolente.

Apos ouvir isto, ele estaca de costas para a melhor amiga, ombros tensos. Milhafru sabia já de antemão, que o amigo estava estupefato então, suavemente ela o envolve na cintura por trás. Em seus braços ele estremece. Apesar de ele estar de costas, sabe que o amigo chora.

– Vá pra casa, pirilampo. Vá! Milhafru, por favor.
– Shhhh. Calma meu amor – sussurra Milhafru.
– Vá pra casa, cuida do seu filho e marido, meu pirilampo.
– Calma Gorgamur.
– Não! – explode ele abrindo os braços enquanto ela vai ao chão – Vou resolver tudo! Eu e Aeon e Chevals, quer dizer.

Gorgamur é enorme; cento e cinqüenta quilos de massa forte. Dois metros e pouco. Cabelos ruivos médios e revoltos, sardento, rosto sempre barbeado. Troncudo, tem rosto bonito que esconde a verdadeira idade que tem.

Milhafru sorri deitada na relva e, olha Gorgamur que lhe estende a mão. Ela aceita e diz:

– Gorgamur tu é um bobão mesmo. Eu falei para você me engravidar primeiro.
– Eu bem que tentei – diz surpreendido.
– Eu não me arrependo de estar casada com outro.
– Nem eu lamento você ter se casado também – completa ele meio confuso.
– Não fosse assim, meu filho não teria nascido e isto para mim seria insuportável – acrescenta Milhafru.
– Agora chegamos a um ponto em comum. Se aquele menino não tivesse nascido, eu também não sei o que seria de mim – sorri Gorgamur.
– Gorg... Eu amo meu marido.
– E sei... – diz ele encabulado.
– Eu amo meu filho mais que a vida.
– Estou sabendo disto faz tempo.
– Mas acontece que eu te amo muito também. Você é parte de mim. Sem você, eu não teria encontrado a coragem para viver nem, ter tomado as decisões positivas que tomei em meu caminho.
– Olha...
– Não! Olha você! – diz Milhafru indignada – eu tô dentro! Eu também tava lá. Eu sou um soldado. Se morrer hoje, meu filho tem pai para cuidar dele. Se voltarmos vivos, seguirei em frente com eles. Mas, se agora chegou a hora mano, eu vou morrer contigo. A minha parte da cruz eu carrego. E o mais importante, vamos terminar o que começou não sei quando, pra isto nunca, nunca ousar nem sonhar em chegar perto das nossas crias.

Gorgamur abre um sorriso iluminado e diz:

– Você é louca pirilampo – enquanto ela pula em seus braços e dá um cheiro em seu pescoço taurino.
Ela agora muito mais tranqüila e aliviada conta um segredo:
– Trouxe uma pistola pra ti também, na verdade muitas pistolas. E tem todo um arsenal apocalíptico lá no Humvee esperando a gente – completa a fuzileira Milhafru com um sorriso levado.

         Vocês podem achar triste a decisão tomada por mim e por Gorgamur, mas, mesmo assim caminhamos na direção daquele Humvee camuflado e, mergulhamos nos braços da perdição que é quando alguém luta contra demónios semideuses. Mas depois do que aquele que não ouso dizer o nome fez com meus amigos e comigo e com Gorg... Acho que tinha de ser assim. Um sem o outro, não durava um dia. O resto de nossas vidas seria apenas uma sucessão de erros, negação, violência e dor. Agora, queremos que imaginem como era o mundo nesta região antes de tudo o que aconteceu e ainda acontece com a gente.

5

Séculos atrás


Vindo de um buraco aberto nas profundezas do chão cavada pelo tempo, uma praga ancestral foi libertada. Uma doença contagiosa sim, mas não apenas isto. Um espírito de flagelo sim, nas não apenas isto também. Um demônio negro de flagelo contagioso. Um devorador de arco-íris, sugador de esperanças; que só se sacia quando bebe lágrimas sangrentas. Rootburst filho de AmezaraK.

E mais uma vez, naquela época distante, a história repetiu-se tal qual havia acontecido antes. Homens. Seus gritos ridículos, horrorosos, indignados e dissonantes soaram longe reverberando as dimensões. Houve guerra. Guerra motivada pelo desejo de poder, riquezas, terra e água. Queriam tudo. Queriam na hora e, para a nossa grande vergonha; tudo isto tinha de ser conquistado sem trabalhar. Ignorantes imbecis. Eles reviraram a terra, explodiram pedras, mataram rios, entortaram árvores. Atacavam-se como animais selvagens por toda a região que hoje é conhecida como a fronteira. Alimentaram o mal. Cultivaram-no.
Setas e dardos envenenados cortavam os ares. Longas adagas Sax perfuraram olhos e tímpanos. Espadas longas romperam escudos, couro, músculo, tendões e ossos. Cães disputavam a carne do estômago de homens ainda vivos. Exércitos de formigas cobriam de negro os moribundos. As fogueiras exoneravam possuídos despossuídos, da vida. Mulheres, crianças e idosos ardiam incessantemente. Porcos começaram a beber sangue de pessoas, vacas passaram a pastar carne morrendo intoxicadas. E os homens esqueceram-se da guerra passando a alimentarem-se uns dos outros; como vampiros na calada da noite. Sombras de homens com olhos ambarinos a brilhar na escuridão. Estraçalhando, picando com garras a carne de toda e qualquer vida limpa que se manifestasse na região. Fogueiras imensas rasgavam a noite alimentada pela gordura de cadáveres de todas as espécies. Extermínio associado à cremação era o único modo de evitar a propagação do mal.

Aí, veio o inverno e com ele, o frio gelado; e com ele a neve que cobriu tudo matando os sobreviventes e adormecendo monstros. Aquele pedaço de mundo estava devastado. Não havia nada para ser consumido em um raio de milhas.

Neste mesmo inverno, um ser superior que por acaso passava por ali, escutou os clamores do siléncio. Compreendeu profundamente a situação, e apiedou-se. Elevou-se no ar, sobre o centro branco soterrado do conflito, fez uma oração lançando minúsculos esporos e sementes no ar, derramou água de seu cantil sobre a neve e partiu para não mais voltar.

O mal é eterno. O mal tem seu tempo. Não nos cabe saber a hora que lhe apetece despertar. Digo isto, por que após o degelo, o terreno mostrou-se repleto apenas de corpos em decomposição isto é, esterco. Esta podridão misturou-se ao solo. Este solo rico fez brotar as mais lindas flores. Este solo adubado de sangue, horror e dor; fez crescer as mais lindas árvores. Os animais mais sábios encontraram santuário naquela improvável região. Mas do fundo daquele chão, um dia emergiu um negro roedor murcho de coração. Execrado, foi estuprando pequenos animais, gerando crias cinza, verdes, cor de fezes e vermelhas sem pele. Urinavam nas árvores fazendo-as adoecer. Mas os outros animais os combatiam, assim foi estabelecido um equilíbrio. Desta forma uma parte da floresta iluminada ficou doente, mas a maior parte permaneceu sadia. E muitas gerações de homens passaram por lá. De acordo com a têmpera de cada um, objetivos e ilusões; sabedorias foram aprendidas com a natureza da parte clara e da parte escura. Alguns foram para a parte clara e após anos internados nas matas, transcenderam ou retornaram iluminados partindo para missões desconhecidas. Outros se encaminharam à parte escura, foram preenchidos de treva ou comidos pelas bestas cegas sem olhos. Os que conseguiram escapar com seu quinhão de conhecimento escuro, tornaram-se loucos rezadores negros poderosos. Muitos deles partiram também para missões desconhecidas.

Dos homens de luz e trevas em missão, nada conhecemos, seu paradeiro é desconhecido e isto não importa. Sim, não importa, pois, mudanças radicais continuaram a suceder-se. Onda após onda de mudança. O mundo mudando junto. Nós dentro do mundo. O combate seguiu acontecendo e, muitas entidades tanto malignas quanto benignas deixaram este plano ao mesmo tempo em que, diferentes modalidades do mal se estabeleceram.
O próprio mal, diariamente assume novas formas orientando-se para melhor poder brincar alimentando-se do mundo que, nunca pára de girar movendo-se continuamente.

A única certeza que nos cerca é a de que nada fica sem conversão. Tudo exige metamorfose. E nunca para melhor quando a coisa em si, é do trato de força maligna. Aprendemos através de pesquisas históricas e lendas o que aconteceu no passado, agora vejamos como este lugar é atualmente. Mude de trato extraordinário.

6

A Fronteira Transmutada


Esta região foi entrecortada ao longo dos anos, por caminhos criados para que homens e produtos pudessem ir e vir. Curiosamente, algo que nada me espanta; a região nunca foi habitada pelo homem. A maior parte desta terra é, um emaranhado complexo de elevados, entroncamentos e gigantescos rodoaneis que podem levar bens de consumo para todos os portos do mundo. O homem não a ocupou, mas mesmo assim, ocupada foi. Por fábricas e outras coisas – se é que você me entende –, desde mil e seiscentos e cinqüenta. Passando a ser chamada por todos de Fronteira Fabril. Mesmo assim, a despeito da ganância vergonhosa e devoradora pertinente a todos os empresários fabris de todas as gerações até hoje; longas faixas de mata selvagem secular permaneceram preservadas, assim como alguns poucos riachos por conta de duas ou três nascentes. Então agora, vocês estão preparados – mais ou menos – para saber o que aconteceu com a gente quando éramos crianças.

7

Encontro com Rootburst
Aeon-Igu, treze anos, de férias. Acordou cedo cheio de energia, em sua caminha macia e quentinha na casa dos pais, ouvindo pássaros cantarem anunciando o dia que nascia lá fora. A luz matinal, suave e ligeiramente azulada, banhava o quarto vindo de uma janela alta. Sentindo a cerâmica fria sob os pés, correu para lavar-se e fazer suas necessidades. Vestiu-se com camiseta, calça e coturno um pouco grande para seus pés calejados. Não usava chapéu ou boné, estando de cabeça raspada, cortesia dos piolhos que todo mundo teve na escola. Catou um pedaço de pão e despediu-se apressadíssimo, dos pais e do irmão menor; dizendo que passaria na casa dos primos. Ora bolas, poderia ser quase a cidade inteira. Depois iria ao rio para ter aulas de natação com a turma do padre Urdo Chevals. Aprenderiam natação, depois de jogar bola e cabriolas. Do pesado armário da sala, retirou um velho alforje cheio de coisas, dado por seu avô Ananás e foi-se embora.

– Come mais alguma coisa Penasoft – diz a mãe atarantada.

Aeon Penasoft de Iguborn deu de ombros sorrindo torto dizendo que não, já fechando a porta da frente atrás de si. Haveria muitas frutas a serem saboreadas pelo caminho. Mal sabia ele.

Tenho uma teoria que é assim: meninos e meninas quando é para divertirem-se, aprontar tocando o terror, tornam-se dotados de uma capacidade extra-sensorial que, os sincroniza de modo duas vezes proporcional a encrenca na qual irão se meter, sendo aberta apenas uma exceção para padres como eu, pois, apesar de não serem crianças estão sempre com o nariz afundado no humano. Ó senhor, por que certos dias parecem intencionar propositadamente nos cobrir de excremento?

Jeffrey Gorgamur e Kera Milhafru parceiros inseparáveis, Broz o filho forte do pedreiro asiático, Estila, loirinha terrível filha do padeiro e Lazul, estudante, menino-filósofo sorridente, alto – para idade de treze anos – e magro da casa de terracota onde morava com a avó; o esperavam impacientes na esquina. Inesquecível este dia. Éramos sete, entre outros animais. Fomos sete. Ou melhor, seis pequenos e um tolo. Deus nos acuda a todos e, derrama sobre nós viventes, a suprema benção do esquecimento.

Caminhando sob a luz da manhã, os seis infantes iam calados. Atravessaram os fundos de um grande lote cheio de árvores frutíferas e, enquanto caminhavam colhiam comendo na hora, bananas, goiabas, acerolas e tangerinas enxertadas, exóticas frutas. O cão que cuidava do terreno aproximou-se deles amistoso.

– Ah, Brulee... Ah, cachorro Brulee... O que será das frutas do teu dono se toda vez que invadimos você nos faz festas? – Repreende Estila. Faminta mesmo, por aventuras.
– Arrrrurf! Snif! – responde cão Brulee.
– Estila, não percebe? – diz Lazul – Brulee está cansado de ficar de guarda.
– Então o que ele precisa, é sair um pouco. Vir com a gente. – completa Kera, sinalizando para Gorg com os olhos.
Gorgamur pega nos braços Brulee que, lhe dá um beijinho lambido e juntos, todos seguem em frente.

Na beira do rio, iniciando o futebol de areia, Chevals sente um calafrio e pergunta a si mesmo onde estará a quadrilha de Aeon que não compareceu ao jogo que tanto adoram. Obedecendo a uma preocupação latente, entrega o apito para o bedel dizendo que vai resolver algo inacabado na igreja e lhes sai atrás do rastro.

Já saindo da cidade, no alto de um morrinho, Aeon olha para a cidadezinha usando pequena luneta dourada.
– Acho que estou vendo nosso padre Chevals – diz ele.
– Então guarde a luneta Aeon, que é bem capaz dele te perceber pelo brilho dela ao sol – recomenda Lazul.
– É verdade – responde Aeon guardando um de seus tesouros – Vamos em frente que a caminhada é longa e os rodoaneis e entroncamentos nos esperam. Ah, e vamos correndo. Vamos ver quem me vence em dez minutos.
– Quem vencer leva o quê? – pergunta Broz.

Aeon pensa um pouco e diz:

– Leva a luneta de Ananás – dirigindo um olhar desafiador a todos os amigos. A competição ia ser séria. A intrépida trupe adentra as matas. Chevals vestido de mateiro, facão na mão logo-logo entrará também. Já sabe aonde ir. O morro antes da floresta proibida, nunca foi de emitir brilhos dourados.

Kera está sorrindo em pleno ar saltando um tronco podre, Gorgamur segue logo atrás tentando bloquear a passagem de Aeon que se impulsiona usando uma pedra na altura do joelho, para dela pisar em um dos ombros de Gorgamur alcançando um galho mais baixo das altas árvores que, o catapulta para uma trilha de cavalos ao lado de Kera. O objetivos de todos é chegar a uma enorme árvore vermelha que viram logo antes de entrar na mata. Lazul, mais à frente de Kera, passa rindo e gritando por um riacho de seixos coloridos espirrando água pra todo lado, subindo de gatas leve ribanceira nos calcanhares de Estila que, faz de tudo para desviá-lo do caminho; enquanto Broz segue na dianteira, abrindo caminho pela erva numa corrida furiosa. Acha que viu por entre as árvores, o rubro vivo da copa da árvore vermelha. Chevals chegando ao alto do morro e, ouvindo o alarido das aves alertas, gritos, gargalhadas e o som de galhos partindo; com o rosto crispado de preocupação, inicia também sua corrida.

Coração a mil por hora, Broz sorri suado. A mata passa veloz ao seu redor, desvencilha-se facilmente de cipós e espinheiros. Enquanto percorre sua trajetória o ar torna-se mais denso, úmido e sombras brotando do chão infiltram-se na cor das folhas e flores dando impressão de que o mundo começa a tornar-se sombrio, cinza. Está a apenas cinqüenta metros da árvore vermelha quando por sorte, enrosca o pé em uma planta estatelando-se no chão da floresta e desta forma, nota aquilo que descansa ao lado dela rodeado de folhas cor de sangue, junto a um pequeno e plácido lago negro repleto de vitórias-régias.

Cachorro Brulee, observa intensa e perigosamente perto; algo diferente. Uma tristonha figura que, não cheira à pedra, planta nem bicho. Uma cabeça alongada oblonga, uma saliência lateral parecendo verruga ou nó de madeira, lembra um olho. Pescoço rugoso reptiliano marrom, tórax comprido de ossos salientes; numa pele de casca de árvore cheia de pequeninos pontos negros, como buracos negros. A certa distância parece ser uma raiz de forma humanóide, montada sobre minério cinza. Rootburst.
Ao redor imediato, o solo cobre-se de folhas mortas, flores brotam do chão nascendo e crescendo em questão de minuto; secando em segundos ao mesmo tempo que reflorescem. Maligno feitiço do tempo.

De perto, percebe-se que aquilo respira. Existe. Enquanto pouco a pouco em contrapartida, ele absorve o meio compreendendo; que você também está por perto. Que você está vivo e consciente, caminhando pelo mundo dele. Que ele é seu senhor e, vocês são infames traidores traiçoeiros repasto de vermes e, por isto e muito mais, pois, seu motivo oriunda do começo dos tempos; ministrar-lhes-á ensinamentos. Daquele momento em diante, você e tudo ao seu redor está perdido.

Brulee idiota, cachorrinho idiota. Começa a latir para a coisa...

8

Horror

Rootburst estende uma de suas pernas, mero apêndice fibroso que termina em caracol, lançando-o no lago que começa a borbulhar e feder. Peixes e sapos surgem mortos de barriga para cima na superfície por entre as vitórias régias. Salamandras e batráquios contorcem-se em agonia inchando, explodindo cheios de vermes em cores necrosadas, espalhando bile amarelada na água antes cristalina. Pestilência. Outro apêndice, que é um de seus braços voa em direção ao tronco da árvore vermelha, cravando-se nela insuflando ira no vegetal.


Correndo pela mata minhas botinas não fazem barulho, evito galho, pedra, venço barreiras facilmente. A mata, instantes atrás, pareceu modificar-se. Um raio ligeiro de luz, parece cair do céu varando meus olhos, despertando meu coração. Minha mão direita segura ao mesmo tempo, meu Rosário de madeira da Terra Santa e um facão pra mato-grosso. Em meu caminho, aparece um arbusto dotado de movimento vivo. Não, agora vejo melhor. Está coberto de serpentes. São Jorge ajudai-me vou cruzar, dá velocidade a meu facão. Onde estão àqueles meninos Senhor? Onde estão eles?
Uma revoada de aves e, um pipoco de trovão indicam miraculosamente, a direção para Chevals. Uma árvore vermelha, lá longe.


Brulee estava tramado. A criatura o pegou em seus braços com indiferença. Rosnando Brulee o morde, suas presas ficam presas a casca. O cão gane de dor e tenta empreender fuga. Broz de moita em moita observa, enquanto Aeon chegando perto dali, esbaforido sem perceber o que acontece, tem a sorte de ser derrubado pelo amigo. Brulee arranha o semideus, suas garras ficam presas na casca. Sangrando pelas patas esburacadas e gengivas em carne viva, o cachorro sofre.

Aeon meio petrificado empurra Broz dizendo:

– Os outros... Shhh... Os outros... Shhh... Chame-os. Vai! – começa a vomitar frutas.

Rootburst está implantando-se em Brulee usando segredo de raízes que; enfiam-se desavergonhada mente pelos buracos da arcada dentária e patas do pobre cãozinho que urra e uiva num inferno de dores. As raízes ávidas penetram crânio adentro e por baixo da pele, despontando nas laterais dos olhos arregalados do cão; como cílios sangrentos a contorcerem-se. Cravam-se nas pupilas de Brulee arrastando os globos oculares para dentro do crânio, absorvendo tudo escondidinhas. Matéria cinzenta borbulhante começa a escorrer pelas orelhas e pelo ânus do animal. Enquanto isto, uma massa convulsiva de algas, caranguejos, vermes, pus, sapos e peixes mortos emerge do laguinho num lamento tremente, unido e úmido saudando a contragosto a dor de existir. Rootburst abre uma bocarra e começa a engolir avidamente aquela massa pulsante.

Reunidos por Broz, todos os seis, com o rosto rente ao solo observam o desenrolar dos acontecimentos. Uma luz difusa começa a brilhar atrás da árvore que se sacode alucinada. Névoa fria desce sobre a floresta, projetando fachos luminosos fantasmagóricos sobre todas as coisas. Não há mais Brulee e sim, um bulbo peludo quadrúpede coberto de chagas com, malignos olhos de um âmbar purulento que fareja o ar e aprende algo com ele. Garotos! Mas, espertos garotos que, saíram de fininho de rastos para trás e agora; correm por suas vidas rumo ao caminho mais curto para civilização. A auto-estrada, isto é, o entroncamento de rodoaneis da Fronteira Fabril.

Perto da árvore vermelha o padre pára. A cabeça lateja. Ele ouve uma voz em sua mente. Vibrações terríveis distorcem o ar. Vento sopra folhas.
 “Woommm Cheeeválss...”
Reage no último segundo com o grande facão, partindo um monstro peludo e bulboso ao meio. É atingido no peito, por um ramo da árvore da grossura de seu braço. Cospe sangue.
 “Chevals!”
Rola no chão, evitando raízes que explodem do solo. Põe-se de joelhos orando, ouve algo sibilando no ar. Atira-se para trás e girando, corta um galho que vem de cima para baixo em sua direção da largura de sua coxa com um único golpe poderoso.
“Woommm... Chevalier!”
Salta no ar com as pernas afastadas, rodopiando, fazendo cabriolas. Canta, ora, gira roda, colhe. É para isto, que foi feito o homem. Usando de parada de mão, rebate gingando outro galho com os pés, enquanto o outro braço ceifa ramos serpentinos com o grande facão e assim, consegue sair do raio imediato de ação de Rootburst. Ele não nota, mas há um pequeno pedaço de raiz enroscado em sua bota. Ouve gritos lá para as bandas dos rodoaneis. Fala consigo mesmo:

– Os meninos são eles! Ó Pai, ajudai-me a controlar meu medo.
Inicia mais uma vez a corrida enquanto, ao redor, vindo pelo chão de todas as partes; a terra revolve-se ligeiramente, indicando que, algo também está a correr para lá logo abaixo no subsolo.

9

Rodoaneis


O horizonte pra lá da Fronteira Fabril, é pontudo cheio de torres que jorram fogo e fumaça. A Fronteira Fabril é cinza, escura e vermelha. Asfalto negro como pixe é um breu.

– Vamos! – implora Estila, seu rosto banhado em lágrimas – falta pouco gente!
Kera arrasta Gorgamur que de tanto medo, está tendo dificuldades pra respirar. Abraçado a Kera, Lazul a ampara. Do outro lado de Gorgamur, está Broz mantendo-o o mais firme possível. Já podem ver os carros, passando céleres pelas pontes e voltas intrincadas do rodoanel de vários níveis.

Aeon ao lado de Estila vira-se sorrindo para os companheiros, o sorriso congelando de imediato quando logo atrás de Broz, o solo se rompe jorrando vermes brancos, amarelos, bile e lama sobre eles. Lançados para todos os cantos pela pútrida torrente, mal os jovens tocam o chão começam a buscar uns aos outros. Suas mãos procuram-se, pernas são encontradas e agarradas, braços se abraçam. Aeon olha para os amigos chamando-os, incitando-os na direção do asfalto. Kera dá um grito chorando alto e diz:
– Onde está o Broz? Broz sumiu? Não! Não pode ser. Broooooooz?!

Estila ajoelha-se tremendo imunda, no vasto acostamento sem fim da auto-estrada. Coloca uma mão na cabeça e, com a outra aponta dedo acusador para a mata.

– Há uma névoa levando ele? – diz ela – Broz? Olhem, a coisa está levando ele! Tá levando ele! Façam alguma coisa! Pai! Paaaaaai! Não! N-n-na-não! Argh!

Os amigos aproximam-se de Estila e a cercam. Gorg, com os olhos arregalados diz:
– Estila, por favor, fique quieta.
– A coisa estava entrando na mata, mas, agora parou. Parece que tenciona voltar – geme Aeon agoniado.

Lazul, antecipa mais um grito de Estila lhe tapando a boca. Mas agora, Estila não grita por Broz e sim por si própria, pois, nas falanges do dedo que usou para acusar Rootburst começam a brotar cistos verruginosos e purulentos, enquanto em seu braço, bexigas de água cheia de girinos começam a inflar-se. Ela remove a mão de Lazul, que pede desculpas e abre a boca para gritar, mas sem sucesso pois, do fundo de sua garganta, salta uma rã rajada de vermelho e verde limo. O tímpano esquerdo de Estila rompe-se – Plop! –, espirrando um jato de sangue rosado na camiseta de Kera. Com o pulmão cheio de cepas; Estila Valiente explode em sapos. Virada pelo avesso.

Buscando salvar inocentes, eu vi o filho de AmezaraK na forma de uma grande árvore pernalta vestida de névoa, carregando entre os dedos nodosos um infante. Fui à sua direção determinado a lutar pelo inocente. Mas sendo Rootburst tão alto, frondoso e imerso em brumas venenosas; no último instante acovardei-me. Corri para a auto-estrada aos prantos, procurando sobreviventes e os encontrei. Um homem e uma mulher, nunca devem abrir mão da própria vida em nome de apenas um filho, pois, Deus levando um; com certeza poderá abençoar o casal com mais cinco ou dez. Por que eu, que sou um pastor de almas, deveria abandonar cinco crianças, cinco filhos de Deus em nome de uma outra que, já estava inevitavelmente perdida para o mundo?
Soluço, rangendo os dentes. Ó meu anjo da guarda, por que não me alertastes logo quando acordei hoje pela manhã para, só sair de casa usando fraldas geriátricas?
O que é de Deus; É de deus. O que é do Diabo; É do diabo e, o que é do Homem é do homem. Acontece desta forma, tanto lá em cima, quanto cá em baixo.

Escorpiões amarelos vinham da relva rente ao acostamento em direção de Aeon, Lazul, Kera e Gorgamur que corriam de um lado para outro, os esmagando sob os coturnos.
– Matem! Matem todos! – gritava Aeon levando a mão ao alforje de Ananás retirando dele uma lata de tinta spray sem saber bem o porquê, pois é filósofo como Lazul e como todo mundo sabe; filósofos não acreditam em sortilégios. Mas mesmo assim, desenhou um círculo no chão inserindo os amigos e a si próprio dentro dele.
Gigantescos caminhões, implacáveis, passavam a cento e sessenta quilômetros por hora, rasgando a auto-estrada próxima para escalar pontes e elevados soprando um forte vento seco e sujo que, atirava muitos dos insetos peçonhentos de volta para a erva, mas nem todos. Carros de passeio apáticos e velozes, cortavam o asfalto a cento e oitenta subindo rotatórias helicoidais do entroncamento de rodoaneis, rumo a seus destinos felizes.

– A partir deste ponto molecada, acredito em tudo – desabafa Lazul.
A maior parte dos escorpiões, amontoavam-se ao redor do círculo sem romper a barreira desenhada. Os poucos que cruzavam, eram facilmente esmagados.
Gorgamur ao olhar de relance para a floresta encontra motivo para sorrir.
– Olha lá pessoal! Olha lá quem vem vindo das brumas da floresta! – E todos começam a gritar acenando para ele.
– Chevals! Êh Chevals! Aquí! Aquiiií!

O Padre chega até os meninos, com uma serpente decapitada ainda enrolada em sua perna e outra, também sem cabeça constringindo um dos braços. As crianças sem demora as removem e, abraçam seu salvador em busca de segurança, proteção e afeto. Mas o guardião não tem muito tempo para amenidades. Dois filamentos grossos e cabeludos lembrando vermes brotam do chão e, elevando-se vários metros no ar partindo para cima do grupo. Chevals os faz em pedaços girando, cortando e rezando.

– Em ti deposito minha fé senhor! – Nacos de carne de verme voam pelo ar – Ó minha fortaleza! Ó meu castelo alto! – Sangue terroso jorra sobre garotos e asfalto – Guia minhas mãos para a guerra! – os vermes despedaçados, emitem furiosos chiados de dor – Quebra os dentes do inimigo! – Monstros jazem trucidados pelo acostamento.

Siléncio plano, reto. Somente o zumbido dos automóveis na auto-estrada. Os meninos olham maravilhados para Chevals. Choram de alegria. A luz atravessa a atmosfera, rasgando camadas e camadas de poluição procurando um caminho.

– Êh! Parem com isto! Não terminou! Não termina nunca! Vamos garotos! Este círculo logo será quebrado, algo me diz. O sol, derrama suas últimas luzes da tarde horizontalmente sobre os peregrinos. Eu estou indo embora, apura!

Iniciam uma última corrida desesperada rumo à cidade, para longe do mal que impera nas matas da fronteira. Enquanto correm, ouvem barulho de terremoto. O chão implode e, parte da pista plana rés-do-chão onde estavam instantes atrás, é engolida levando consigo alguns carros de passeio e um caminhão. Hoje à noite na televisão; este tremor de terra explicará o sumiço de Broz e Estila. A empresa responsável pela auto-estrada e seus pedágios corrigiu o buraco e reforçou – ainda mais – todas as estruturas dos rodoanéis – círculos não tocados – num prazo recorde de cinco dias.

10


Sin Eater

Longa foi à marcha de volta ao real mundo civilizado. Derramamos lágrimas por todo o caminho. Chegamos à cidade por vias secundárias, e tão logo atingimos seus arrabaldes, iniciei conversação com os meninos.
– Meninos? Escutem o padre meninos, é muito importante.

Apoiando-se num muro esturricado descascado pelo sol, agora morno no frio início da noite, Chevals ajoelhou-se no meio deles.

– Crianças minhas, antes de qualquer coisa. Antes de irmos ao hospital para recebermos curativos. Antes de contatarmos as autoridades. Antes mesmo de irmos prantear novamente todo este horror que nos aconteceu nos braços dos nossos pais, devemos ir à igreja, pois, lá Ele lhes espera e se for de sua vontade, investirá a mim do poder necessário para amenizar as imensas chagas que de agora em diante; estão marcadas a ferro em nossas almas. Se falarem a verdade, ninguém irá acreditar. Não posso permitir, que paguem por um crime que não cometeram.

Chegaram escondidos de todos pelo véu noturno á ela. Chevals acendeu longas velas onduladas por cera derretida e os mandou deitarem-se lado a lado com a face voltada para o chão com os pés juntos e os braços abertos cada um com uma hóstia na mão.
Agora meninos escutem. Estão a escutar-me?
– Sim. – Aeon.
– Estou. – Kera.
– Ok. – Lazul.
– Yo! – Gorgamur.
– Agora quero que respirem fundo pelo nariz e soltem o ar pela boca. De novo. Relaxem. Tudo posso naquele que me fortalece. Imaginem que vocês estão em um lugar tranqüilo pacífico e confortável. Calmos relaxados tranqüilos. Agora, vou contar de trás para frente até dez e a cada número vocês irão rumo à serenidade aprendendo na minha contagem um ensinamento que somente despertará no futuro tempo em suas mentes. Dez...

Durante a contagem, Chevals não notou, mas, a raiz que estava presa a sua bota desenrolou-se lentamente e, com igual lentidão prendeu-se a barra da calça de Lazul.

Agora saberemos por que Lazul não pode ter o privilégio de crescer e tornar-se um adulto.

11

O Fim de Lazul


Apos as crianças serem medicadas,  nos braços de vereadores, prefeito, junto com o resto da população em ritmo de oba-oba, foram encaminhadas cada uma a sua respectiva residência. Lazul, foi para junto da avó na casa de terracota.
Tão logo foi lavado, molhado com lavanda benzida e empanturrado de leite com biscoitos achocolatados; estava dormindo. Descansava profundamente, na sua caminha deliciosamente macia e quentinha, abraçado a travesseiros afofados com aroma de alfazema. Debaixo do lençol bem passado e engomado, algo pequenino começa a mover-se neste mundo, mas, enroscado em sonhos Lazulianos.

A madrugada invadiu a noite. Madrugada surda, cega, fria de ruas desérticas onde não se via vivalma. Apenas sacos plásticos brancos rodopiando livremente ao vento. Sem lua nem estrelas, era uma madrugada onde, poste de luz amarelada vertia duro cone de luz crua sobre rua. Por toda parte era assim. Não haviam ratazanas esgueirando-se no meio fio, saindo-entrando de bueiros e bocas-de-lobo. Não havia gatos nas mansardas do prédio da prefeitura. Não havia cães vadios, perambulando em matilha na avenida principal. Não existiu aquela sombra a mover-se lugubremente pelas ruas da cidade, sem ser avistada por nenhum guarda ou vigia, pois, tudo dormia. Não aconteceu que, esta sombra pertencia a um monstro de olhos grandes e brancos sem pupilas nem pálpebras. E este monstro, uma forma esguia e descoordenada, não dirigiu-se a uma casa de terracota e estacou em frente ao alto muro da casa de Lazul, bem no ponto onde se podia ver no andar superior a janela do quarto do menino entreaberta, com cortinas rendadas brancas a despontarem pela abertura. Não, nada disto aconteceu. Pois o monstro, já estava lá dentro. Uma pequenina raiz enroscada, grudada, escondida numa das dobras do corpo do magro menino-estudante-filósofo. Ela arrastou-se para fora dos lençóis. Foi ao chão e, continuou a arrastar-se rumo à escrivaninha em frente à cama. Passou por baixo dela chegando à parede. Meteu-se na tinta acrílica e, enfiando-se reboco adentro; foi subindo parede acima por entre os tijolos. Na altura do olho de um observador humano sentado na cadeira da escrivaninha bem no centro, ela a raiz, começou a brotar da parede enrodilhando-se como uma cobra, exalando um perfume assombrado tornando o ambiente vago. Ela chama Lazul que acorda imediatamente. Curioso, contempla o espaço estranho, suarento, vaporoso iluminado por fantasmagórica luminescência que, emana da parede rente a querida escrivaninha de estudos. Lentamente como num sonho, o menino aproxima-se dela e senta na cadeira observando as raízes a mover-se formando padrões intrincados desenhando mundos; contando histórias antigas mudando de cor e por fim, surge um rosto terrível que o observa varando-lhe a alma remetendo-o a insanidade no instante em que arregala os olhos de abismo. O monstro na parede abre uma bocarra grotesca e pútrida com dentes afiados. Lazul estende a mão para tocá-la, sem entender que tipo de sonho é este que está sonhando. Uma língua repleta de espinhos salta da bocarra monstruosa enrolando-se na mão do menino; puxando-a mordendo-a amassando-a. Lazul se joga para trás, caindo da cadeira rola para trás e ajoelha-se. Ajoelhado, contempla o toco do braço devorado que verte sangue. Não sente dor. Está anestesiado pelos miasmas que convulsionam-se pelo quarto. Novamente a língua salta do boca da besta enrolando-se em sua cintura. Lazul babando murmura, agora consciente, cheio de pavor nos olhos:
– Adiós Amigos!
A língua, o puxa para a grande boca que lhe morde do peito ao umbigo, rompendo a carne do menino como se fosse manteiga. A coluna de Lazul parte-se, dobrada ao meio. As costas tocam a parte de trás dos seus joelhos e, o monstro inicia uma lenta mastigação esmigalhando osso, engolindo sangue, arroxando o corpo, triturando, chupando com gosto as tripas cheias de biscoito achocolatado do inocente e doce menino Lazul. A cabeça com olhos esbugalhados do menino é a última parte a ser consumida por Rootburst que, depois ainda com fome, lambe escrivaninha, chão e a própria parede. desaparecendo com todo vestígio. Depois ao partir, solidifica-se tornando-se um quadro redondo feito de raízes mortas, lembrando vagamente um triste rosto de menino morto.

12

Reunião antes do Embate


Trancou a porta da igreja e acariciou com intimidade a sólida madeira acastanhada com veios dourados; repleta de encantamentos. Virou-se para descer as escadarias dando de cara com uma imensa lua cheia. Por um instante, ficou a analisar o dragão tatuado em sua superfície.

Um Humvee camuflado, chega de faróis baixos ronronando como um leãozinho, parando em frente a escadaria. Três figuras sombrias apeiam do veículo e lado a lado, ficam observando o idoso padre mover-se lentamente; girando nas mãos um robusto cajado longo, enquanto desce os degraus da  Santa Fé.

Chevals velhinho, encara as três figuras com um sorriso honesto. Gorgamur, alto e forte como um cavalo de tração outrora uma alma sensível, agora exibe olhar duro de pedra. Os malditos anos de perseguição e resistência diária as forças trevosas o deixaram assim. Milhafru com seu corpo esguio e veloz de amazona também espelhava a dureza rude; que ela construiu para si. Os malditos anos de perseguição e resistência diária as forças negras a obrigaram a isto. E por fim, encara Aeon-Igu, não encontrando palavras passíveis de descrever a força que emana dele. Não há adjetivo que possa definir corretamente a inteligente estrutura diamantina, fria e furiosa exibida no espelho de sua alma ­– isto é, os olhos dele. Os malditos anos de perseguição e resistência ao domínio de Rootburst despertaram nele; o que ele nasceu para ser.

– Pois bem – diz Chevals – Tudo começou quando vocês tinham apenas treze anos. Nós vivíamos em um mundo lindo, mas, não sabíamos de nada. Aquele mundo não existe mais faz muito tempo. Acabou-se. Fomos atirados de cabeça no chão agreste da verdade. A verdade não pode ser ensinada, apenas vivida. E Deus atire um raio sobre nossas cabeças, se não a temos experimentado desde então; pagando o terrível preço advindo de viver nela. Lamento dizer, mas, preferia que todos vocês tivessem nascido escravos. Não foi assim infelizmente e, o que eu quero não importa mais. Agora, vocês são profetas missionários. Vocês cresceram atingindo sua plenitude. Todos os três tem quarenta anos.
Hoje, celebramos vinte e sete anos de luta contínua e ininterrupta contra o mal. Um mal imortal. Hoje, celebramos nossas vitórias fugazes e as centenas de cicatrizes que cobrem nossos corpos. Hoje celebramos mais uma vez, a perda dos dois profetas meninos. Eram os mais poderosos entre nós. Não os defendemos em nada; falhamos com eles. Hoje celebramos sua memória. Nos regozijemos, pois, sabemos que não há força alguma neste ou em qualquer outro mundo, que possa retê-los nas trevas por que o lugar de direito de todos os mártires é o céu. Hoje também, celebramos a vergonha e cobardia de preferirmos escolher salvar nossas vidas; à custa da vida de nossos irmãos virando as costas a eles tapando-lhes a boca; para não poderem reclamar alto e assim nos denunciar. Hoje celebramos a certeza de que não possuímos controle sobre nada.
Não nos esqueçamos, da realização de todas as missões cumpridas e bem sucedidas ao redor do mundo. Aonde fomos chamados, a missão foi cumprida. Em nome do altíssimo que nos fortalece, defendemos os homens – Chevals olha profundamente para seus meninos.


Todos eles, começam a emanar tênue brilho azul vindo de Hexagramas tatuados em várias partes do corpo riscado por cicatrizes.

Chevals prossegue:
– O inimigo também é portador de alguns poderes de AmezaraK. Mas ele é como viemos a descobrir ao longo dos anos; dividido, falho, perdido, mentiroso e desertor. Um caído que, retira sua força da fraqueza dos viventes fazendo-os mentir levando-os a queda, depois a possessão e por fim, o inferno – o velho observa todos profundamente e continua – Como sabem vivendo ou morrendo nossa sociedade terminará hoje; segundo data acordada e registrada em ata de quatro vias a ser revelada após o termino de nosso glorioso combate ou por nossos parentes via testamento ou, caso alguém sobreviva, pelo sobrevivente. A conclusão do último capítulo cabe a Paola Malakia, mulher de Aeon, a condenada à vida. O meu livro não se preocupem, enviei para o Vaticano hoje pela manhã. Não se preocupem comigo. Eu não preocupo-me com vocês. Nós somos uma pessoa só. Lutaremos com nossos corações transbordando de alegria. Pois da vida só tivemos tormento e nunca encontramos paz alguma; que não fosse a batalha graças a Deus! Oremos.

Todos:
– Somos dedicados aos altos propósitos de segurança da liberdade do indivíduo e de seu crescimento em Luz, Conhecimento e Poder mediante Coragem e Sapiência. Somos portadores dos poderes do anjo Gabriel; graças a Malakia (geneticista).

Chevals:
– Eu nada sou. Tu nada é. Somos apenas Thelema (vontade). Estamos acordados e somos possuidores da verdadeira vontade.

Todos:
– Nós nada somos. Estamos acordados. Somos possuidores da verdadeira vontade!
Chevals:
– Ámen!

Entraram no Humvee, internaram-se nas matas.

13

A Batalha Final


Chevals, Aeon, Milhafru e Gorgamur mudaram muito. Foram ao longo dos anos, infectados para melhor desempenho de suas funções, com os poderes do anjo Gabriel por Malakia, a Menina Maluquinha, médica geneticista mulher de Aeon. As células alvo foram as do fígado, dos pulmões, mitocôndrias e partes do cérebro. Paola Malakia usou um vírus alterado como vetor. Este vetor descarregou material em suas células, contendo gene modificado quer dizer, sobre-humano o que significa que é angelical e, o detentor deste poder na antiguidade foi (e ainda é) o anjo Gabriel. Anjos não são apenas agentes de Deus. Anjos são os detentores de todas as sabedorias. Mais que isto, Anjos são a sabedoria. Um livro de cálculo é um Anjo. O conhecimento na mente de uma geneticista também é um anjo. Anjos são a essência da essência. Manifestando-se nas coisas, sob todas as formas imagináveis. Sabendo disto, os levo agora a mata fechada para junto de Aeon, Chevals, Milhafru e Gorgamur.


– Agora! – Comanda Aeon no volante. Milhafru com precisão atira com lançador de granada rebentando uma barreira formada por Carvalhos; abrindo espaço para que o Humvee cheio de armas e cordas, mergulhe dentro de espesso bambuzal que, verga-se esmagado pelas furiosas rodas do veículo incrementadas com correntes. Gorgamur, abate mutantes aos montes com tiros de fuzil. Chevals, usando a força de ensinamentos angelicais, tricota uma malha energética ao redor do carro de combate. Aeon, presciente desvia-se de gêiseres imundos, que surgem aleatoriamente no caminho. Das árvores, chovem frutos vivos com dentes afiados. Raízes terrosas com milhões de finos cabelos de dez, vinte metros sacudindo-se selváticamente ao vento. Chicoteiam em forma de longos leques a lataria do veículo, como um monstro de mil dedos.

– Faltam uns cem metros para chegarmos ao ponto pacífico! – avisa Chevals.

Uma enorme placa de terra começa a erguer-se a cinqüenta metros. Aeon, coloca a tração nas rodas traseiras e acelera; concentrando-se junto com os outros e a frente do Humvee ergue-se no ar um metro. Eles voam projetados no ar usando a barreira como rampa e caem, espalhando torrões de terra para todo lado na orla do ponto pacífico; parada de missionários atuais e ancestrais.

Lá fora do protetorado ponto pacífico, voz gutural alta como um trovão; esbraveja de frustração dizendo:
- Wooommm Gaeabriel Neflins! Wooommm Gaagbriel's banned. Wooommm out of solar system! Neflins my meat. I’ll crush you between meee teeth!

Mas o protetorado da floresta da luz como mãe, rodeia os missionários em seus braços verdejantes. Uma fogueira de espinheiro bravo ardia ali perto, numa clareira da floresta. Ouviram som de vozes e dirigiram-se até ele. Dois missionários seculares os esperavam. Os Sem Nome.

Chevals aproximou-se deles, procurando algum conforto no calor do fogo. Aeon e Gorgamur estreitam as mãos com os Sem Nome.
Sem Nome 1:
– Estávamos esperando-os já há algum tempo.
Sem Nome 2:
– Quase acreditei que não conseguiriam varar os obstáculos de Rootburst.
– Foi até fácil desta vez. Estamos em harmonia completa uns com os outros e com a gente mesmo. – afirma Aeon.

Milhafru aproxima-se dos Seculares timidamente. Eles quase não parecem homens mais. Seus corpos transmutados são mais leves. São translúcidos. Parecem estar aqui e ao mesmo tempo, em outro plano. Outro mundo.
– O que os levou a nos convidarem para esta conferência na véspera de nossa última guerra? – Pergunta Gorgamur.
Os missionários sem nome riem. Um deles diz:
– The End has no End.
O outro aparta revellando:
– Vamos despertar um missionário adormecido.
– E onde ele está este Zaratrusta? – pergunta curioso Gorgamur.
O outro completa e explica:
– Guerrearemos também. Vamos juntar forças, e extrair aquele preguiçoso de lá de dentro. Atrás de você menino. Não o vês?
Gorgamur olha para trás vendo apenas uma larga árvore escura de folhas estreladas.
– Ahah! Que brincadeira é esta? Atrás de mim só tem uma árvore antiga.

Todos olham para Gorgamur consternados.
– Gorg... Olhe bem, tem uma fenda no meio da árvore ta vendo? - Diz Kera.
– Sim – responde Gorgamur agora vermelho de vergonha – e parece que tem algo lá dentro olhando para mim.

14

O Velho da Árvore


O grupo reuniu-se ao redor daquela árvore antiga, centenária. Do seu tronco duro rugoso, em alguns pontos brotava perfumada resina cor de caramelo que; solidificava-se a ponto de goma. Orientados pelos antigos, mergulharam suas armas nela. Notaram que depois de feito isto, ao manuseá-las com velocidade as armas brilhavam deixando rastros de luz indicadores de movimento. Era a resina queimando o ar, fendendo energias negativas imersas nele. Todos colocaram a palma da mão ao redor do tronco e em silêncio começaram a transferir um pouco de energia para a plantona exceto Chevals; que foi para a parte de trás da árvore, ponto simetricamente oposto a abertura da fenda. Conforme lhe foi pedido, o padre segurava seu cajado de ponta rombuda cheio de resina, como se fosse um rebatedor de baseball.

Sem Nome 1:
– As bênçãos de Enoque derramam-se sobre ti ó vivente da árvore, pois ele visou todos os eleitos. É chegada mais uma vez, à hora de executar julgamento sobre o pecador iníquo punindo-o e reprovando-o por toda coisa carnal; pecaminosa e mundana que ele fez e faz. Cada um nasce e se põe regularmente, cada um a seu próprio tempo, exceto o mal que aqui germina desde o início de tudo. Por isto estamos aqui. Para calar e fazer dormir, aquela boca poluída que maldiz do altíssimo ofendendo toda a criação.

A um sinal, Chevals ergue o cajado preparando-se para uma rebatida gigantesca.

Sem Nome 2:
– Exigimos conforme juraste e prometeste; que abras mão de tua paz e deixe de ser o observador guardião da floresta. Neste momento, te extraímos velho e querido irmão. É hora de castigar e execrar o pecador inominável.

– Agora! Agora!!! – Diz Sem Nome 1.

E Chevals desfere um luminoso e potente golpe na traseira da árvore. A fenda se arregaça cuspindo luz, serragem, insetos e algo orelhudo muito velho, baixinho coberto de lama seca, resina e raízes que, estabaca-se de cara na relva orvalhada, levantando-se a xingar mais que um marinheiro embriagado num bordel de quinta categoria.

– Carraspanaaaa! Filhos de uma miserável égua morfética no cio fedorento do equinócio! Quem foi? Quem foi o maldito lazarento filho de uma rapariga sifilítica que bateu na minha bunda pó#ra?! Vou matáloooooo! – Chevals afasta-se assobiando discretamente. – Eu já tava saindo, ô mérda! Acham que é fácil levantar da cama depois de séculos e séculos meditando na floresta? Seus imprestáveis, tacanhos, fedorentos, macacos pulguentos, roedores de restos, comedores de excremento da gota! Que horas são? Alguém tem água aí? Alguém tem roupas aí pra eu vestir? Alguém tem um espelho aí? Preciso fazer a barba! Alguém tem um pente aí? Tenho que pentear os cabelos! Minha bota? Alguém me dê uma bota aí! Cadê a mérda da minha espada? Vai dizer que vocês a esqueceram? Preciso de mel e elixires para comer agora! Alguém tem um cubinho de luz colorida aê para eu forrar o estômago? Preciso de um machado para aparar minhas unhas! Eu sou um santo, se é que vocês retardados não sabem pô##a! Cadê o respeito caralh#? Toda vez que me acordam é isto!

O grupo está completo. O líder. O velho da árvore parece ter acordado com a corda toda. Concordam sorrindo felizes Sem Nome 1 e Sem Nome 2.

Na guerra que aconteceu apos a reunião, a batalha da floresta, o Velho da Árvore infligiu ferimentos indescritíveis a Rootburst diminuindo exponencialmente as forças dele tanto em número, quanto em sua essência – força vital – antes e ser vaporizado pelo monstro – não se preocupem ele sempre nasce de novo. Agora adentremos no capítulo final da nossa história.

15

A Highway do Horror


Para o mundo geral nada aconteceu. O mundo cotidiano que trata do corriqueiro e rotineiro; não ouve e não vê coisas alheias a seus interesses. Apesar de todos os dias ser convocado a encarar fatos e forças; ele se nega a testemunhar acontecimentos fabulosos dizendo que a culpa é do véu que encobre a realidade. Por piedade, então os magos e missionários criam este tal véu, estes campos de força estabelecidos por pura vontade que, concentra nuvens espessas nos céus cegando satélites e aeronaves assim como as barreiras magnéticas terrestres que não permitem que nada engajado na guerra se alastre alem de limites pré estabelecidos, até que fique claro quem venceu aquele momentum. Fatos isolados e Timing. Isto é tudo.

Nove horas da manhã, mas parece ser fim de tarde, fim-do-mundo. Céu sombrio, enevoado e indiferente. Aeon, Chevals, Milhafru, Gorgamur e os dois missionários ancestrais estão correndo sobre um ponte em forma de parábola que; encontra-se entre dois outros elevados procurando proteção sob uma chuva de farpas. Caminhões passam apressados rente a eles achando que aquilo é chuva comum. Estão separados dos automóveis, por um fino gradeado de aço coberto de tinta óleo cinza. Sob a cobertura da ponte superior, eles se reagrupam e recarregam as armas. Suados, cheiram a combate sanguinolento e pólvora. Inúmeros ferimentos cobrem seus corpos já tão cheios de cicatrizes.

– Aeon? Onde está ele? Nós o perdemos. Não é possível!
– Calma Milhafru, ele não pode estar longe. Neste mundo aqui, reino do asfalto, ele não pode se transferir – diz Sem Nome 2.
– Respirem fundo, concentrem-se, escutem, observem, farejem e irão senti-lo – revela Sem Nome 2 apertando um torniquete no braço amputado que, perdeu no combate da floresta onde, o velho da árvore consagrou a quase iminente vitória do grupo.

Rootburst está sob a ponte preso a ela mediante raízes e sortilégios. É uma grande sombra negra, marrom e verde-musgo que se contorce ferido vertendo sangue negro como petróleo sobre a pista da ponte inferior abaixo dele fervendo o asfalto, danificando a via expressa.

Um barulho de colisão, freadas e carros chocando-se; lhes dá a resposta que procuram.

– Sob a ponte, ele está sob ponte! – diz Aeon entusiasmado amarrando uma corda de rapel na amurada concreta da mesma.

Na ponte abaixo deles estabelece-se o caos. Carros desgovernados rompem barreiras, atirando-se junto com seus donos aterrorizados no vazio. Batendo uns nos outros, liberam em forma de fogo a força da gasolina. Os outros afastam-se de Aeon e numa distancia adequada, amarram suas próprias cordas de rapel. Esperarão o resultado dos esforços do líder deles na ponte de baixo rezando fervorosamente para que; possam enviar a coisa de pés e mãos amarradas para escuras arenas de combate, debaixo do chão onde ela poderá digladiar-se eternamente; morrendo mil mortes na mão de seus irmãos enquanto seu pai apodrece num buraco profundo e escuro; coberto de pedras pontudas no deserto de Dudael.

Percebendo os dois Sem Nome extremamente quietos e ansiosos aguardando a ofensiva de Aeon, Chevals os interpela.

– Que está a acontecer? Por que estão parados com estes olhares cheios de expectativa? Não vão desembainhar suas espada mais uma vez, para finalmente abatermos Rootburst quando Aeon o derrubar cá para baixo?

Os dois respondem em uníssono.
– Nunca seríamos capazes de tal feito. Apenas um Flagelo da Lei seria disto capaz. Observe atentamente; parece que nosso trabalho está chegando ao fim companheiros de sofrimento.

Vinte e cinco metros acima, Aeon sobe sobre a amurada preso ao equipamento de rapel, com um fuzil de assalto ligeiro na mão. Carregador extra-longo. Lança-se no espaço, em num salto calculado para que com seu peso, movimento pendular seja criado.
O horizonte expande-se numa linha superior de concreto que prolonga-se lateralmente até o perder de vista. Adrenalina. O vento sopra as orelhas de Aeon e lá em baixo, ele vê os carros explodindo, amontoando-se uns sobre os outros. Um caminhão cheio de propano irrompe em chamas ao colidir com outro de gasolina ali bem perto. Vê pessoas ardendo, pessoas atropeladas, pessoas atropelando e carros desgovernados mergulhando no abismo e de lá, indo parar na profundeza dos círculos infernais. Vê seus companheiros em uma área mais restrita da pista, com armas em punho aguardando a chance de entrar na luta e, atira rajadas e rajadas de bala contra a maçaroca informe; trombuda e sinistra que é Rootburst. Guinchando de dor, ódio e medo; o filho de AmezaraK em um gesto irrefletido, corta a corda usando um longo tentáculo endurecido e afiado na ponta em forma de foice. Aeon está no ar. No ar sob o jugo da lei da gravidade. Tudo acontece num centésimo de segundo. Toda uma eternidade em um instante fugaz. Seu corpo alterado pela sabedoria angelical transmitida a humanidade, há muito estava preparado para isto. Era necessário apenas hora e momento certo que, agindo como catalisadores, expandiriam a mente de Aeon até os limites humanos; revelando o que ele sempre foi de verdade. Assim sendo, a carne que outrora prendeu-se aos ossos de Aeon-Igu, espirra para fora de sua estrutura. Saem tecidos moles, músculos, nervos. Tudo que agora é inútil é expurgado exceto o cérebro, sendo imediatamente preenchido pela estrutura poderosa e fascinante de um anjo coberto de cortes. Não um anjo comum e sim um dos mais terríveis. Fogo da Lei, anjo da fúria. Obra prima do Demiurgo. Sua agressividade somente é comparável a dos Demónios.

Aeon flutua no ar sustentado por asas incandescentes, seu rosto parece o mesmo, mas, pode-se notar que todos os seus traços estão purificados. Mais que perfeitos. Rootburst guincha ensandecido de terror quando vê Aeon-Igu configurar em uma de suas mãos de pedra, um mangual ameaçador e brutal. Símbolo da violência pura. Atado por um cinturão às suas costas, há também uma pesada lança de guerra. Sua outra mão está produzindo uma espada longa e robusta. Espada de duas mãos. Forte ventania Angélica emanando de Aeon; envolve os dois inimigos.

Aeon revela rugindo como um furacão:
– Rootburst, meu caçador. Tua cabeça me servirá de troféu. Ornarei minha armadura com ela. Tuas mãos pendurarei na haste da minha lança e teu minúsculo coração inútil, decorará meu Mangual.

Rootburst infla enchendo-se de líquido e, arremessa volumosa cusparada na direção do grupo de guerreiros do Fogo da Lei. Chevals antecipando o impacto daquele líquido fumegante; entra na frente dos companheiros girando furiosamente o cajado de luz, contendo a maior parte daquele ataque, mas perecendo por isto. Aeon o Flagelador, testemunha o martírio de seu mentor. O padre tem os braços, rosto e cajado derretidos pela saliva venenosamente ácida de Rootburst. O velhinho religioso com os dedos esfolados, pontas mostrando ossos carcomidos arranha os olhos arrancando-os numa tentativa de remover o veneno corrosivo. Seu maxilar desprende-se das articulações ficando preso por fiapos de carne sobre os ossos do peito descarnado e fumegante. Sua língua, desabrigada fica a sacudir-se loucamente pelo ar. Até que por misericórdia, Gorgamur separa a cabeça de seu corpo com um facão de mato grosso, permitindo que seu querido Padre encontre paz nos braços insensíveis da morte.

O Flagelador Aeon, agora criatura quase sem sentimentos humanos, aumenta em fúria e ataca Rootburst com seu mangual. Arranca nacos de carne assim como esfarela pedaços de concreto armado. Agarra o monstro pelas barbas fibrosas tentando remove-lo de onde está entranhado. Rootburst divide-se em duas partes, uma pequena do tamanho de um homem que salta de seu corpo, dirigindo-se como uma aranha sob a ponte rumo aos remanescentes do grupo de missionários da luz. O resto despenca debaixo da ponte, sendo brutalmente arremessado pelo Flagelador no fogo irracional gerado pela queima de combustíveis, fruto da colisão entre caminhões. Aeon mergulha nas chamas, dando continuidade ao titânico combate. Rootburst, lutando pela própria vida torna-se mais poderoso, mas ferve perdendo água e líquidos vitais enquanto o Fogo da Lei não é tocado por elas, pois, está imerso em suas próprias chamas. A Ira e a Fúria. Após cansar-se do uso do mangual enfia-o pela garganta de Rootburst abaixo rasgando tudo. Saca a espada, segurado-a com ambas as mãos; parte o imundo ao meio que tem as feridas cauterizadas pela gasolina em chamas. A dor é imensa. Arranca os órgãos sexuais do monstro que o amaldiçoa ultrajado. Trespassa os grandes globos oculares da coisa desesperada e, assiste com prazer o cristalino deles ferver. Arranca o coração murcho do filho do demônio Amezarak guardando-o no alforje de Ananás. Amputa as mãos imundas do inominável e elas também vão para o alforje. Rootburst ainda vivo desesperado enrola-se como uma serpente de raízes ao redor do corpo do anjo que as rasga usando de violenta explosão muscular. Usa a espada pela última vez, decepando a cabeça da criatura, enchendo completamente o alforje, conquistando seu prêmio mais precioso e enviando a alma daquela coisa ruim para o abismo. Abandona o local do combate, dirigindo-se ao seu antigo grupo. Todos estão mortos. Tão mortos quanto o pedaço aracnídeo que desprendeu-se de Rootburst. Missão cumprida em nome de Senhor.

Aeon o Flagelador derrama as últimas lágrimas de sua existência. Desligado de tudo que é terreno, realmente livre; esquece-se agradecido o mundo dos homens. Elevando-se a alturas inimagináveis, ascende insensível rumo à Cidade Prata sem olhar para trás.
Anjos não choram. Todo anjo é terrível. Missionários da luz não morrem, reagrupam-se no céu.

Últimas Palavras
Um avião à jato deixa suas marcas pelos ares fundindo-se a imensidão. Eu reflito contemplando o oceano. As sombras, sempre irão de encontro a escuridão. No mundo natural, sombras vão de encontro a treva, isto é fato.
Dias depois, entendi que eles haviam partido e agora estava sozinha, eu e Otruk meu cão de guarda. Veio a noite, junto com ela, estrelas e satélites a moverem-se impávidos sobre nós. Uma carrancuda e melancólica manhã cinzenta, expandiu-se naquela profunda escuridão apagando o lume das estrelas. Sombrias nuvens a deriva, moviam-se pelo amplo firmamento a rolar como imensas embarcações abandonadas. O sol, recusava-se a mostrar sua face oferecendo apenas lampejos; indo inexoravelmente para oeste. Junto com o ocaso, uma chuva avassaladora caiu sobre tudo. Um vento de tormenta ensurdecedor urrou mundo afora, rachando nuvens exibindo constelações. Aconteceu um gélido azul noturno fundido com escuridão e, brotando desta indiferença, um terrível siléncio desolado que abala, enche de medo e perplexidade estabeleceu-se. Uma luz opaca tornou lúgubre tudo que podia ser visto. O entorno observado sob qualquer ponto de vista, mostrava-se pesado, mudo, tétrico e opressivo. Os demónios estavam indignados. Por causa disto, eu sabia que Novo Aeon havia nascido. Sabia também que, nunca mais veria meu marido e que meus filhos apesar de crescidos, agora eram órfãos de pai. Me conforta a certeza da importância do meu trabalho. E o que me move agora, é a obrigação de dar continuidade a ele. Não gosto de usar este termo mas, vou usar estas palavras mesmo assim. Vou criar novos anjos, pois o mal nunca dorme e não sabemos o que os malignos aprontarão na próxima estação. Segundo meus planos viverei mais que Noé. Deus guie meus passos. Condenada a vida, me despeço cordialmente.
Paola Malakia