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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Namoro, Namorados & Promessas de Morte






Por: gu1le



Para Lumyah M. M. e Raphael M. M.





 

Apresentação
Tendo algo para amar o homem ama. Acima de tudo.
O homem alimenta-se daquilo que ama e é capaz de enamorar-se de qualquer coisa.


gu1le

 

****

Introdução
 
Não sei quem é Harker. Nem mesmo sei se ele está vivo. Não faço idéia do que aconteceu a ele ou a seu grupo de amigos. Foi por mero acaso, que acabei ficando a par desta história. Faço parte de um grupo de pesquisadores de cavernas. Sou um Espeleologista. Meu lance é geografia, geologia, biologia e química, não pessoas. Então eu não sei ok? Só estou escrevendo sobre isto, por ter encontrado as coisas que encontrei; em mochilas no fundo desta caverna. A mais profunda de todas as cavernas. As coisas, parecem ter sido deixadas aqui faz pouco tempo. Livros, diários, antigas fotos desbotadas de Polaroid, caixinhas elétricas para se falar com outras pessoas, caixinhas para se gravar o movimento das coisas do mundo. Quadradinhos elétricos luminosos que guardam imagens, vídeos, livros, vozes e musicas.

Acho que este sujeito Harker, tinha bons motivos para agradecer a vida, se você quiser saber. Mas como sucede quase sempre, não me pergunte por que, acabamos sendo mal agradecidos quando coisas boas, mas simples acontecem conosco. Daqui a algumas horas nossa investigação termina e levarei se puder; toda esta informação incrustada nestes aparelhinhos e manuscritos para as autoridades. Mas enquanto o resto do meu grupo, que agora virou grupo de busca; não retorna aquí para a base, continuarei escrevendo, pois acho que o que descobri não é bom e pouco a pouco, estou ficando com um bocado de medo, pois; este inóspito ponto cavernoso transmite sentimentos negativos profundos. Aqui é frio, desolado e muito silencioso. Nós profissionais treinados, meio alpinistas, meio mergulhadores e loucos destemidos; demoramos oito horas para chegar até aqui usando equipamentos de primeira linha. Imaginem eles. O que aconteceu a estas pessoas? Como vieram parar aqui? Vieram?


 
1

O legado do avião no céu foi uma trilha de condensação gerado no vértice de suas asas e turbinas, que rasgaram a atmosfera. Ele testemunhou a isto enquanto o sol se punha e uma chuva aproximava-se. Estava exercendo seu direito liquido e certo de viver. O observador era Harker. Do alto de seus vinte e dois anos, ele refletia e via de modo crítico tudo que lhe passava pela frente.

 

“Ninguém vai construir os caminhos por onde terei de seguir se não eu mesmo.”
 

Os carros rugiam; enquanto caminhava por uma longa calçada cinza margeada por grama seca.
“Não deveria ter lido Nietzsche.”

E via trovejantes nuvens furiosas movendo-se ao sabor do vento forte. As primeiras luzes elétricas dos postes começavam a pulsar devagar.

“Qual é minha trajetória? Para onde vou nesta cidade sem graça?”

E ouvia música a alta que brotava de seus fones de ouvido, mas não silenciava a inquietação de sua mente.

“Quando é que o mundo vai fazer sentido para mim? Já acabei o ensino médio faz tanto tempo... Não faço sexo faz mais de quinze dias. Estou desempregado. Não acredito em nada.”

E passava as mãos pelos cabelos molhados.

“Não deveria ter lido Descartes.”

Vagará a pé pela noite mais uma vez até ficar exausto. Talvez a tarde antes de sair ás ruas; foi despertado por um sonho enigmático. Estava num parque aquático, onde a água retinha a memória das coisas. O chão embaixo desta água pulsava como se fosse um coração de barro vermelho. Acordou sufocando engasgado, em seu pequeno quarto na casa dos pais. Culpa da refeição pesada que fizera antes de deitar-se. Tentou puxar ar para dentro de si, mas as vias aéreas estavam entupidas. Um arroto desesperado, vindo do fundo dos pulmões, não do estômago; acabou desentupindo-o salvando-lhe a vida.

Como eu estava dizendo, Harker não sabia como tudo ao redor era bom. Era luz. Nascera em uma terra abençoada. As estações obedeciam à regra dos quatro ciclos. Outono, inverno, primavera, verão. Havia animais de todos os tipos pela região. Domesticados e selvagens. Tinha também florestas. Rios com muitos peixes. Pequenas cidades e cidadelas onde homens e mulheres viviam embalados pelo riso de suas crianças. Havia uma montanha alta e um grande deserto. Tinha também profundas cavernas, onde as pessoas iam celebrar. Jovens andavam de bicicletas, carros, desfrutavam de tecnologias. Mas, não é por isto que esta terra era bem dita. Estas qualidades por si só não constituem base excelente. A maior bênção, estava nas coisas que aquele lugar não possuía. Na região, não havia jazidas de ferro nem carvão. Não havia ouro nem nos rios, nem nos paredões da montanha. Nunca se achou um diamante sequer naquele chão. Lá nunca se encontrou evidência de sangue negro, nem gás natural. Só havia longas faixas de terra fértil e quem quisesse ser bem sucedido por ali; só o seria colhendo. Para colher, tem que se plantar e todos sabem que isto não acontece sem trabalho. Muito trabalho. Então o dom da terra daquela região, era despertar em suas criaturas, as melhores qualidades humanas; já que não havia motivo para que sentimentos nocivos fossem de muita valia por lá. Uma terra sem riquezas naturais em demasia é assim. Divina. Mas homens são homens e às vezes gente não é gente; e até nesta terra aconteciam coisas ruins claro, mas havia mais luz do que negridão. 


Harker nada disto percebia.

Via a chuva fina que caia. Andava no começo da noite vestindo uma jaqueta jeans molhada. Observava luzes amareladas das janelas de altos e compridos prédios de apartamento. Pensou que se assemelhavam a olhos. Sim. As aberturas das janelas dos prédios pareciam olhos. Alguns cegos e apagados. Alguns iluminados. Todos sem pupilas. Olhando mais além enquanto descia a rua vazia; enxergou também os intestinos dos edifícios. Ficavam nas costas dos prédios ou em suas laterais. Destes encanamentos robustos, descia imundícies e água gordurosa.

Harker murmurou de si, para si mesmo (gravação de celular):

–Preciso aprender a ser feliz com coisas simples para não viver frustrado até o fim da vida. O importante é estar vivo. O importante é sobreviver. Depois vem a trajetória. Sobreviver é a trajetória. Este é o mandato de segurança que a vida expediu. Não cumpri-lo é loucura. Mas muitas pessoas assim o fazem. Está decidido. Vou avisar lá em casa que vou para o retiro. Não dá mais para fugir. Cumpriremos nossas promessas. Bem no dia dos namorados como imaginamos que poderia ser.

Resoluto seguiu andando. Um pé na frente do outro, contemplando o turvo reflexo urbano do céu noturno nas poças d'água; daquela cidade.


2
Em todo lugar no mundo, existe espaços propícios a desastres, catástrofes e até monstros. Para certos animais, o abandono de seu ambiente é morte certa. Como macaquinhos inocentes que ousam descer da árvore e tocar o chão, apenas para serem imediatamente devorados por predadores. Assim são as pessoas às vezes. Não tem necessidade de fazer certas coisas arriscadas, mas fazem. O porquê? Quem é que vai saber?
Desta forma aconteceu com o menino Arlington. Ele viveu na nossa cidade há muito tempo atrás. Era como eu e você que, está aqui escutando esta história ao redor da fogueira na beira das cavernas; nesta noite enluarada – Dizia Amber para a garotada de olhos arregalados que estava no retiro – Como nós, o menino Arlington também adorava aventuras. Mas por mais que sua família o advertisse; este menino sempre repetia um erro. Qual seria este erro?
- Arlington saia em suas aventuras sozinho? - Murmura um dos jovens.
- Sim Dennis! - Diz Amber de vinte e dois anos, dando um gritinho de alegria abraçando o jovenzinho de doze anos contra seus seios fartos. Agora, infelizmente tenho que lhes contar à tragédia que aconteceu a Arlington bem aqui nestas cavernas; quando ele resolveu ir além das áreas permitidas...

Observando a cena, escondido atrás de um arbusto, Harker sorria por trás de uma máscara de lobisomem. Foi uma ótima idéia ter se voluntariado para ser monitor das crianças e pré-adolescentes. Retornar à amigas e amigos antigos de longa data, que como ele; anos atrás levaram um baita susto quando um lobisomem de meia-tigela pulou de trás dos arbustos também. Mas o melhor, era poder estar novamente perto de Amber sua ex e, ao mesmo tempo; desfrutar a natureza. Prados enfeitados de Girassóis, Amarílis, Açafrão e plantas felpudas; recortado por riachos a beira das cavernas ancestrais. Morada de homens desde o início da humanidade.
Quem diria? Pensava Harker. Hoje é dia dos namorados. Quem sabe mais tarde após os novinhos dormirem, nós possamos conversar. Viver é uma coisa surpreendente. Não sabia que estava com tantas saudades de todas estas pessoas e lugares; depois de tudo que passamos.

Os monitores encerraram suas atividades, acalentando e botando pra dormir em sleepingbags vinte e cinco adolescentes meninas em uma caverna; guardados pela monitora mais azarada. E trinta jovens meninos inquietos em outra caverna com o monitor mais sem sorte. O resto da equipe, foi caminhando cansada para os alojamentos construídos no prado próximo a elas.

Após lavarem-se e comerem, ligaram uma velha vitrola e botaram para tocar um disco de vinil da banda de rock que lhes marcou a adolescência. Ficaram a conversar um pouco nas varandas olhando estrelas, banhados pelo luar enquanto uma brisa suave encapelava as nuvens no céu. Beberam vinho e olharam intrigados uns nos olhos dos outros, num silêncio constrangido. Harker filmou um pouco usando a câmera de Lisa. Todos os seus amigos de infância estavam ali. Amber com sua beleza germânica. Jeff alto, magro, veloz e bem apessoado com seus cabelos cacheados castanho-claro. Lisa gordinha elétrica de cabelos azuis; com sua alegria contagiante. Ester uma beldade latina, tranqüila e faceira de sorriso austero, algumas vezes cruel. William de ombros largos, corpo de nadador olímpico e Harker. Muito forte. Um halterofilista nato. O motivo de estarem constrangidos? Bem não sei como explicar direito. O que podemos dizer a respeito de sentimentos de outras pessoas? Já é um bocado difícil, saber o que sentimos. Mas se fosse arriscar dizer algo sobre; diria que era por que todos eles eram ex. Todos eram ex-namorados. Se conheciam desde a infância, devem ter aprontado muito e feito muita coisa. Todo mundo, de um jeito ou de outro faz assim, não é mesmo?

Iniciaram uma conversa leve que, pouco a pouco acabou virando um papo recheado por sorrisos e histórias de acontecimentos corriqueiros e engraçados que aconteceram em suas vidas desde o momento em que se separaram permeada sempre por acontecimentos passados.
Situações hilárias e algumas levemente constrangedoras que viveram juntos, quando eram uma turma de namorados vieram à tona. Esta foi a deixa.

- Espero que alguém se lembre do que combinamos tempos atrás - menciona Jeff dando um dissimulado olhar casual para o grupo de corações solitários, enquanto saboreava um copo de vinho tinto.

Amber, Lisa e Ester trocam olhares e dão sorrisinhos pequenos, enquanto William e Harker abrem largos sorrisos.

- Você está falando do quê Jeff? - Tenta desconversar Ester.
- Você sabe o que ele quer dizer Ester. Vamos lá. Facilita só desta vez. - Pede Lisa.

Harker levanta-se segurando uma das garrafas de vinho que estão sobre a mesa de centro das varandas pelo gargalo e comenta:

- Eu sinto o cheiro de flor. É cheiro de dama da noite. Vejo o céu estrelado e estou aqui com vocês. Muita coisa mudou e parece que eu não venci. Não me sinto um vencedor. Tenho andado caminhando sozinho pelas madrugadas sabiam? Vocês sabiam que a noite, nas praças e perto de feiras-livres existem pessoas que sobem em árvores e amarram-se nelas para dormir? Se dormirem no chão é bem provável que não vejam o outro dia. Podem ser estuprados, espancados ou roubados ou então; talvez apenas sejam presos pela policia por vadiagem. Spray de pimenta, bordoada, tortura, abuso cristalino e ilícito do poder. Existem pessoas que na madrugada, fazem bueiros e bocas de lobo entupidas de lar. Eles limpam bem limpinho estendem trapos por cima de lonas, colocam papelão por baixo das grades rente a calçada, isolando o máximo a entrada de baratas e dormem. Dormem pouco. Três, quatro horas, depois; antes de a cidade levantar removem tudo e deixam como estava antes; para a prefeitura não incomodar. Tem gente no mundo que age maliciosamente contra os ditames do ordenamento jurídico pátrio. O resultado? Nossas vidas por causa destas interferências; acabam sendo determinadas de acordo com interesses pessoais alheios a nossa vontade. Somos escravos. Nossas vidas pertencem a gente possuída pelo demônio, creio eu. - Dá um belo gole no vinho e continua - Eu não sei o que aconteceu com a gente. Sei que estamos nos transformando. Mudando. Nossos pensamentos, nossas atitudes são diferentes. Mas ao mesmo tempo, existe algo que nunca muda!

- A nossa amizade! - Dizem todos.

- Bebamos a ela! Bebamos a ela agora! Ainda estamos vivos! - Diz William e toma um pequeno golinho de seu copo de vinho.

- Bebamos por que não sabemos de onde viemos nem para onde vamos! - Acrescenta Amber, também molhando o bico.

- Bebamos porque a vida é breve e a única certeza é que noite eterna cai sobre todos os seres, fechando seus olhos! - Completa Lisa largando sua serrinha de unha sobre a mesa; bebendo também.

- Ok! Ok! Ta bom! Seus chatos! Bebamos por ainda estamos esperneando! Vocês são uns falsos. Não bebem e fingem ser grandes humanistas boêmios pilares do Iluminismo. Renascentistas de meia pataca. - Comenta Ester rindo e bebendo também no seu copo de vinho com os olhos marejados de lágrimas. - Onde estão os cartões do dia dos namorados que fizemos seus sacanas? Vamos a eles e depois, comecemos logo a procurar os presentes escondidos, que vocês já estão me dando nos nervos. Piegas.

- Nem tudo mudou - comenta Jeff irreverente - ainda calço sapatos tamanho quarenta e quatro, então eu ainda sou o maior garanhão deste retiro.

As meninas fazem caretas e arremessam bolinhas de papel em Jeff, que rindo se defende sem esforço.

Para mim parece que eles tinham um acordo. Tipo um pacto. Pode ser. Não sei dizer se foi bem um pacto. Não sei mesmo. Talvez, eles muito tempo atrás, tenham apenas vislumbrado a possibilidade de tempos difíceis acontecerem no futuro; e criado um plano B. Algo que os colocasse de volta nos trilhos caso se perdessem pelo caminho.


3
Eu não precisava estar escrevendo isto, mas estou. Poderia dizer que o faço por capricho, mas não seria verdade. Num piscar de olhos, certas prioridades podem mudar. Meus companheiros de expedição demoram-se a retornar a base. Sinto a falta de luz da caverna adensar-se cada vez mais ao meu redor; o que acho muito estranho. Fui o mais jovem espeleologista a investigar estas caves. Foi já faz tempo. Nunca havia sequer cogitado a possibilidade, de existirem coisas além da vida em um ambiente tão inóspito para seres humanos como aqui. Meu lado racional, afirma que estou rodeado de sedimentos espalhados ao acaso, pedras sem cheiro algum, que não seja cheiro de pedra e, água pura e fria a escorrer por elas. O nível dos morcegos, está quilômetros acima.
Sem muito pensar, montei minha barraca no centro de um círculo de estalagmites. Coloquei duas luzes em lados opostos da circunferência, no alto das duas estalagmites mais altas; iluminando completamente minha tenda. Eu estudo o caminho das águas nas pedras só isto. Mas pouco a pouco, outro mundo começa a descortinar-se diante de meus olhos; lançando-me neste ponto da minha vida onde agora estou e, que jamais seria capaz de imaginar que chegaria. Não vou dizer qual.


4
O velho pastor Johonnes chefe do retiro, aproximou-se sorridente do grupo de monitores acompanhado de Kassandra sua mulher e o antigo pastor Wilber; também com a esposa.

- Estávamos do outro lado das varandas e ouvimos os risos e toda esta alegria. Resolvemos vir avisar que seus presentes estão escondidos na caverna Catedral como vocês queriam e aqui estão os cartões lacrados que pediram que eu guardasse. - entrega os cartões a Jeff - Nossa como o tempo passa... Estou guardando eles há quase quatro anos. Fico feliz em testemunhar a possibilidade de vocês chegarem a um acordo, e resolverem voltar para os lugares a que pertencem fisicamente, racionalmente e emocionalmente. Não esqueçam, esta tudo no grande livro e vocês sabem. Ah, antes de voltarmos lá pro nosso grupo, peço que não acabem com meu estoque de vinho todo. Deixem ao menos, uma garrafa para mim.

Os jovens monitores agradecem, ligeiramente envergonhados e honrados por Johonnes lhes tratar como adultos, permitindo que fizessem o que bem entendessem. Mas como não eram mais crianças mesmo, isto não deveria ser de muito se admirar. Vou te dizer, eu não sou grande conhecedor de pessoas; creio que qualquer um pode deduzir isto, se levar em conta a profissão que escolhi, mas algo me diz; que esta história está muito mal contada. O que aconteceu depois da conversa com Johonnes, posso ver aqui em imagens. Estes brinquedinhos tem umas baterias poderosas.

Jeff entregou um a um os cartões para os respectivos destinatários. Eles ficaram ao redor da mesa, olhando uns para os outros sem dizer palavra; até que William rompeu com o silêncio.

- Vamos acabar logo com isto.
- Vocês acham que Johonnes percebeu alguma coisa? - questiona Lisa de celular na mão.
- Perceber o quê? - corta Ester irritada - Não há nada para ser percebido. Estamos diante da câmera. Vamos tentar nos portar bem, ok?
- O que eu não entendo, é como a idéia louca de Jeff deu certo.
- O que eu não entendo, é por que meu celular não está funcionando. Que chato! - Reclama Amber - Está todo grudento. Parece que a bateria está vazando droga!
- Amber se está vazando tome cuidado. - Explica Harker - Estes líquidos que saem de baterias velhas são nocivos para a saúde. Tem mercúrio, chumbo, cádmio que é o pior; além de manganês e níquel. Veneno puro.
- Blergh! - Amber atira o celular sobre a mesa.

Mais silêncio. Abriram seus cartões de dia dos namorados e leram separados uns dos outros. Não deu para ver o que estava escrito, mas pude notar que em cada um deles, havia uma foto antiga do jovenzinho ou da jovenzinha que eles foram outrora. Em cada cartão havia uma mensagem de amor, um pedido e uma promessa velada vinculada ao dito desejo. Levantaram-se e todos um por um, queimaram seus cartões usando a chama das velas sebosas do castiçal de prata que estava sobre a mesa, mas deixaram as fotos. Amber pegou todas e as guardou em sua mochila junto com discos de vinil e, cá estou eu nas profundezas com a mochila desta moça Amber; entre outras claro. Seis mochilas, seis caixas de presentes, seis desaparecidos. O que uma pessoa pode dizer de tudo isto? Eu não sei, não sei mesmo. Dizem que há séculos pelo menos a cada dois, três anos; uma pessoa some nestas cavernas. Mas não há registros de perdidos nos arquivos das cidades da região. Nunca ouvi falar em grupos de busca; envolvimento da guarda florestal em prol disto ou, algum familiar em desespero clamando por parentes. Não sou investigador, nem quero ser mas, se você quiser saber o que estou começando a pensar agora; lhe digo. Estou com uma pulga atrás da orelha. Se estes jovens, estavam servindo como monitores no retiro que acabou faz dois dias que eu sei; porque não voltaram com seu pessoal? Como é que não sentiram a falta deles? Haviam outras pessoas responsáveis. Pastores, esposas, motoristas, cozinheiros. Estes meninos certamente não tem o perfil de órfãos. Todos devem ter família. Bem, talvez eu esteja exagerando ao fazer estes questionamentos. Quase tudo neste mundo tem uma explicação lógica. Mas eu preciso questionar. Preciso entender o que aconteceu aqui. Ora, ninguém deixa de lado e abandona este tipo de coisas que encontrei nas mochilas; muito menos se deixa este tipo de gente para trás.


5
Na ânsia de decifrar o mistério, abri mão de tentar seguir o rastro dos monitores de modo linear. Talvez não seja correto o que estou fazendo. Metendo a mão em tudo. Deixando minhas digitais em objetos que, podem ou não vir a tornarem-se provas de algum crime perpetrado neste ermo. Pode ser que você não entenda meus motivos, mas eu acho que entende sim. No fundo qualquer um com olhos e cérebro percebe. Agora que me envolvi com esta história, me sinto diferente. Não passa por mim nenhum sentimento de júbilo. Não me sinto especial nem predestinado. Não me sinto mais vivo, nem mais esperto. Não sinto desejo de justiça, nem quero dar sentido às vidas destas pessoas reconstituindo o caminho que as trouxe até aqui. Nada disto. Acho que tenho de entender o que aconteceu, por que começo a me sentir atolado na merda. Atolado nela até o pescoço, se você quer mesmo saber. Isto aqui é um pepino do tamanho de um elefante africano e pode ser enfiado bem lá no meu rabo. Acho que já está entrando. Estou tenso, tão tenso. Parece que ouço o barulho de pisadas no breu, ao redor da base do acampamento no perímetro criado pelas luzes cravadas nas estalagmites. Se fossem os meus companheiros; já estariam aqui comigo. Jamais fariam este tipo de brincadeira. Nunca fizeram. Somos profissionais. Parece-me, que vejo o cintilar da iluminação nos olhos de alguma coisa impalpável, mas, de aspecto violento e selvagem imagino; pois esta representação vaga está sempre a cinco centímetros além no limiar da claridade. Este mistério não quer se revelar. Ou talvez, esteja apenas a brincar comigo. Talvez não seja nenhuma das hipóteses acima. Estarei enlouquecendo?

Meus piores medos se concretizaram. Abri uma mochila e nela encontrei instrumentos sujos de sangue. Achei um castiçal, brutalmente retorcido e ensangüentado. Peguei as maquininhas elétricas para ver o que os vídeos podiam dizer a respeito. Aí entendi que danou de vez.

Eles saíram tontos pelos campos, em direção a caverna alta chamada Catedral. Pareciam hipnotizados pelas vozes da pradaria. Levavam suas caixinhas com câmeras, algumas garrafas de vinho, lanternas e mochilas nas costas. William bebeu um copo de vinho oferecido por Lisa e disse que o vinho não lhe descia bem. Procuravam os tais presentes. Jeff ia fazendo seu caminho com o castiçal. Dividiram-se ao adentrarem a caverna. Todos filmando uns aos outros. Cada um seguiu sozinho por um túnel diferente. A extrema falta de luz, não permitia nada mais que uma pequena área de no máximo dois metros fosse captada pelas câmeras. O primeiro a cair eu acho que foi William.

William estava andando a passos largos pela caverna. Apesar da pouca claridade, parecia que conhecia bem aquele percurso. De repente, sua respiração começou a ficar entrecortada e ele parou um momento para respirar. Apoiou-se com a mão nas paredes da caverna. O celular lhe iluminava o rosto extremamente pálido, coberto por uma camada fina de suor, apesar de estas cavernas serem frias. Depois o celular vai de encontro à barriga e William geme. Acho que sente dores abdominais. Parecendo estar desnorteado, o rapaz começa a iluminar o trecho de caverna ao seu redor; como se temesse que algo o atingisse pelas costas. Segura a barriga outra vez eu acho. A imagem do celular escurece e naquela escuridão; ouço o primeiro grito de dor e sofrimento. William ajoelha-se e vomita copiosamente. O celular se torna rubro de vinho ou sangue não sei dizer. E entre engulhos e gemidos de dar dó ele grita:

–Lisaaaaaaa! Lisaaaaaaa! Nãooooooo! Eu te amooooooo! Por quê? Por quêeeeee?

William agora está espumando pela boca, espuma branca-rosa. Deita-se no chão gelado da caverna e filma o próprio rosto começando a ficar azulado.

–Foi Lisa eu sei! Se alguém achar este vídeo saiba que estou morto. Foi Lisa que me matou! Foi sim! Agora me lembro do que Harker falou lá na varanda. Arrgh! Lembro. Mercúrio, chumbo, cádmio que é o pior; além de manganês e níquel. Veneno puro. Por*a! Lisaaaa! Éramos apenas crianças Lisa! Você não podia ficar com aquele bebê!

Consigo ouvir um sussurro feminino na escuridão.

–Era meu e do meu amor. Você nada tinha a ver com isto.
–Mas te amo também! Te amo Lisa, onde você está?

De novo a escuridão responde:

–Maldito miserável, invejoso e fofoqueiro! O filho não era seu! Tenho nojo de você! Nojo! Eu nunca te amei! Agora morra. Morra! Sozinho nesta escuridão seu desgraçado! Você acabou com a minha vida!
–Você pode ter outros bebês! Me leve lá para fora, ainda dá tempo de chegarmos a um hospital. Johonnes saberá o que fazer!
–Não. Não posso. Fiz uma promessa. Após o aborto tive os ovários extraídos por causa de um tumor ano passado. Aquela era minha única chance.
–O teu dito amor não presta Lisa! Ele é um psicopata! Psi! Totalmente! Além disto, ele deseja outra pessoa e você sabe!
–Cale esta sua boca imunda seu imprestável falastrão! Se eu tivesse tido um filho dele, tudo teria sido diferente. Ele teria ficado comigo e seríamos felizes! Felizes!
–Lisa... Tola. Argh! Idiota! Kkkkkk... Você teria é ficado numa cova rasa perdida nas pradarias ou teria sido empurrada no abismo como...
–Cala esta merda desta bocaaaaaaaaa! Williaaaaam!

Lisa salta como uma fera sobre o moribundo, seus cabelos parecendo raios néon. Segura uma jarra transparente de plástico, com um líquido semitransparente meio verde e cobalto. No fundo desta jarra, a bateria do celular de Amber. Beba este sucozinho aqui meu amor. Segura o moço intoxicado já enfraquecido pelo veneno que estava no copo de vinho pelos cabelos e, o força a beber mais do mesmo agora na garrafa de plástico. Ele cospe, xinga se retorce, tenta arranhar a garota, arregala os olhos, implora, geme e grita como um possuído e entra em estado de choque. Estremece, para de respirar e morre do jeito que Lisa mandou.

Talvez, você como eu deva estar se perguntando:

“E os outros, por que não foram socorrer o menino William?”

Me pergunte. Me pergunte e eu lhe respondo, pois agora eu sei. Não fizeram nada em benefício do rapaz, por estarem muito, mas muito ocupados mesmo.

A última coisa que percebi de Lisa graças à câmera dela, foi que enquanto ela cavava o chão ao lado do cadáver de William e retirava uma caixa de presentes surrada cheia de ossos; é um estranho dialogo. Ela estava conversando com algo fundido a escuridão. Não escutei com quem ela falou, mas, ouvi o que ela respondeu.

–Ta bom. Vou levar ele pra você. Em pedaços? Sim ou não? Para mim tanto faz. Eu arrasto ele até a beira do abismo sim. Faço qualquer coisa. Vou mesmo conseguir ter outro filho? Você vai me deixar em paz? Eu não queria que nada disto tivesse acontecido. Éramos apenas criancinhas, você sabe. Tivemos medo.

O que estava nas sombras, pareceu estalar a língua algumas vezes e ciciar.

Harker estava sobre um patamar que permitiria, se houvesse luz suficiente; a vista de toda a abobada natural da caverna Catedral. Mas como isto não era possível, ele dirigiu o facho de luz concentrado de uma lanterna que, conseguia iluminar pequenas áreas até cem metros para o alto. Quando a luz branca acertou a abobada da caverna, cristais hexagonais aflorando das rochas decompuseram-na. Cores do arco-íris que projetaram-se em todas as direções. Talvez por causa desta beleza sem igual; o moço não percebeu que um velado inimigo seu aproximava-se pela retaguarda.
Imagino que Harker pensava se teria coragem de dar o presente do dia dos namorados exigido no seu cartão; quando foi golpeado na cabeça covardemente por algo pesado.
Como disse antes, este indivíduo tinha o físico de um gorila, um armário de cabeça dura. Crânio grosso como o de um Homem de Neanderthal. Por isto, em vez de desmaiar e despencar lá para baixo girou entontecido em torno de si mesmo ficando de frente para seu oponente e neste giro; mandou o braço varrendo o tudo que estava em seu raio de ação. Ele viu Jeff ser lançado para trás, batendo forte as costas contra a parede da caverna que, estava ao lado das escadas que levavam ao patamar.

- Jeff? Jeff?! Que foi isto? O que aconteceu? Você se machucou? - Harker perguntou aflito, enquanto sangue escorria do alto de sua cabeça pelas orelhas e pescoço, molhando a camiseta.

Jeff levanta-se do chão com velocidade felina e atinge mais uma vez Harker na cabeça com o castiçal. O fortão fica meio abobalhado, mas, não ajoelha-se nem desmaia. Aí então, Harker entende tudo de uma vez só; ao ver o castiçal já com seus suportes para vela começando a ficarem retorcidos. Um jato de adrenalina furiosa é lançado em sua corrente sanguínea. Agora chegou à hora de Jeff arregalar os olhos. Parece que desta vez, ele mexeu com a pessoa errada. Está fodido eu acho. Harker se atraca com ele que é alto; porém não tem a massa muscular do andarilho. Jeff é brutalmente golpeado no rosto pelas costas da mão direita do Harker, enquanto a esquerda arranca o castiçal da mão direita de Jeff. Com o sangue escorrendo pelas laterais do rosto, assim como pelo meio da cara lavando o nariz e entrando na boca, Harker segura amigo-da-onça pelo pescoço e grita; cuspindo uma chuva pesada de perdigotos, saliva e sangue em sua cara apavorada.

- Meu irmão; você não sabe o quanto você está me facilitando à vida! Sempre me disseram que você não era meu amigo, mas, eu não queria acreditar. Eu pensava; se um dia você ia me dar motivo. Eu pensava: “ Deus faça o Jeff me dar um motivo para crer que ele não é meu amigo, brother e camarada para eu poder surrá-lo até ele se borrar todo! “ - Mas Deus é maravilhoso! Neste dia dos namorados, depois da abertura dos cartões e com você fazendo o que fez; fui abençoado pelo direito de matá-lo! Kkkkkkkkk... Ahu!-Ahu-ahu-ahu-ahuahua!

O primeiro golpe de Harker em Jeff enquanto o segurava pelo pescoço, foi de cima para baixo na lateral da cabeça e, deixou a orelha direita dele pendurada apenas por um fiapo de carne. O segundo golpe, também de cima para baixo foi no meio da cara. Quebrou o nariz, que espirrou jatos de sangue, arrastando-o para baixo em direção a boca. Jeff ainda de pé apenas por encontrar-se encostado na parede, Ergueu os braços inutilmente tentando defender o rosto.

Foi quando Harker segurando-o com ambas as mãos o castiçal deu com toda sua força um porradaço nos braços do ex-amigo, quebrando tudo e expondo a ponta dos ossos do antebraço esquerdo; é que o fulano soube que ia morrer. Aconteceu um segundo de silêncio profundo. Choque. Aí, ele gritou horrorizado a plenos pulmões, mergulhando na derradeira escuridão que o engoliu.
Os encaixes para vela do castiçal possuíam em suas pontas espetos para fixação de velas. Harker segurou novamente sua vitima, mas desta vez pelos cabelos e enfiou com força, uma destas pontas no olho direito do rapaz. Quando arrancou, o globo ocular veio junto com pedaços de cérebro. Mas Harker não parou por aí. Continuou a bater e bater; até Jeff virar uma massa disforme. A parte interna de seu crânio rachado como casca de ovo, era extremamente alva e úmida. Perfeita. O lóbulo direito criativo prendeu-se ao castiçal e voou longe. Pela imagem da câmera que estava fixada a uma parede; quase pude ver uma sombra voando pelos ares como um goleiro sobrenatural, apanhando aquela gosma e enfiando-a na boca com voracidade. Ou vi de fato? Não sei dizer. O que uma pessoa pode dizer a respeito de coisas impossíveis, que não seja insensatez? Eu não sei. Não sei mesmo.

Antes de descer as escadas lavradas na pedra de bordas arredondadas pelo tempo; Harker enfiou casualmente a mão dentro de um nicho situado a altura de seus olhos. Uma abertura com diâmetro de uns cinqüenta centímetros. De lá de dentro, retirou uma velha e suja caixa de presentes; aproximando-a perto do ouvido a sacudiu. Parecia que os ossos dentro da caixa estavam a cantar.

 
6
Ester encolheu-se ao som do primeiro grito que ecoou pelas paredes da caverna. Sua pele arrepiou, a bexiga contraiu e ela quase se molhou, enquanto o coração acelerado; parecia querer sair pela boca. Seguiram-se outros lamentos.
-Começou - disse Ester, entrando em modo hamster num sussurro, enquanto procurava um nicho ou reentrância na rocha para sumir de vista.

Foi quando uma luz no fim do túnel caiu sobre ela.

-Não adianta nem tentar entrar em modo hamster Ester. Não tenha medo. - declarou Amber rindo e segurando uma lanterna de luz intensa. - Não se mova! Pode se machucar. Vou até aí.

Ester segurou firme a serrinha de unha metálica escondida nas costas que, tinha roubado de Lisa, quando estavam nas varandas. Com a outra mão, filmou o clarão que era Amber caminhando em sua direção; colocando a câmera em modo diurno reduziu a captação de luz.

-Amiga, venha logo. Estou tão assustada com estes gritos. O que será que está acontecendo? Será que estão querendo nos pregar uma peça? - Pelo monitor da câmera, Ester pode notar a silhueta da amiga que vinha em sua direção. Sentiu um nó se formar na garganta. Lutou para segurar as lágrimas sem conseguir. Amber vinha segurando uma garrafa de vinho quebrada pelo gargalo.


7
Como falei para vocês, não sou detetive tampouco escritor, mas, estou escrevendo mesmo assim. Para combater minha perplexidade e medo, além de naturalmente; tentar entender o motivo desta barbárie. Estudo cavernas. Sou espeleologista. E entrei de gaiato no navio. Em nome de tudo que é mais elevado; quem pediria a morte de alguém para presente de dia dos namorados? Imagino que você deva me achar tolo. A literatura grega, a literatura romana, a literatura egípcia e até mesmo a bíblia, possui histórias de amantes homens e mulheres que, pedem pedaços de corpos de outras pessoas que não tem nada a ver; como símbolo de amor, amizade ou apreço. Mas isto aqui não é um livro. Isto aqui é a minha vida! Como é que pode? Eu não acredito que estou vendo estas coisas. Onde estão meus amigos? A escuridão adensa-se ao meu redor; dura de pedra. Parece que fui socado dentro de carvão e jogaram petróleo em cima.


8
Não teve conversa. Amber, quando chegou mais perto de Ester, correu para cima dela. Deu um golpe tipo jab, mirando a carótica da moça. Não posso dizer se, foi sorte ou azar; Ester ter tropeçado enquanto recuava pelo corredor. Pode ser que sim. Acho que isto evitou que ela tivesse a garganta rasgada naquele momento. Ao tropeçar, caindo de traseiro no chão a garota deu seu primeiro grito no escuro; quando a serrinha de unha entrou fundo em seu glúteo. Mesmo ferida; todavia achou presença de espírito para mexer as pernas, conseguindo não sei como; passar uma rasteira na Amber. Ela caiu de lado; soltando a garrafa quebrada de vinho que segurava pelo gargalo porém, a arma de vidro não saiu de cena. Foi parar uns poucos metros a frente de Ester que virando de costas; rastejou tentando alcançá-la. Amber agarrou-se em suas pernas segurando-a pela barra das calças; exibindo o alto da calcinha fio dental de Ester, que esperneava. Quando a latina enroscou os dedos no gargalo da garrafa, a loira estava com as mãos na serrinha de unha fincada na bunda dela e a torceu e arrancou. Ester urrou de dor. Olhos bem abertos naquela escuridade.

-Eia Ester! Nossa! Agora você tem um furinho nesta bunda musculosa amiga! Vamos fazer mais? - E apunhalou o traseiro de Ester mais uma vez. A serrinha possuía apenas cinco ou seis centímetros; então a garota não estava ferida de morte. - Ester, sabe quem me pediu de presente sua vida? Será que você consegue adivinhar? - Disse Amber sorrindo com malevolência. - Jeff! O Jeffinho!
-Vai se ferrar coisa ruim! Vagabunda! - geme Ester.
-Você, com suas frescuras e falsidade. Usando o dinheiro de seu pai, para submeter e envergonhar meu Jeff diariamente na empresa onde ele trabalha para você; só porque ele não te quis mais. Você nunca assume nada não é Ester? Você nunca erra. É sempre a perfeita, né? Sua pu*a desgraçada, que joga os erros que comete nas costas dos outros! Distorcendo todas as situações a seu favor; para sempre sair bonita na foto. Disse que se ele não ficasse com você; então mais ninguém?! Não é mesmo? Não é sua fodida imprestável?

-Mentiiiiira! Mentira sua Amber! Ele me mandou um e-mail dizendo que a gente ia reatar! - Berra Ester, dando um golpe para trás e por cima da cabeça, cortando o couro cabeludo de Amber que enquanto falava; ia subindo em direção a jugular da amiga.

-Mentira? Vocês romperam o namoro, mas, quando estavam namorando fizeram seguros de vida um no nome do outro; não? Era para ser segredo de vocês dois não é mesmo? Foi tudo idéia minha! Amigaaaaaa! Hellooooou? O seguro ainda ta valendoooo! Ainda não venceu! Vou administrar seus bens!

-What a fuck! Amber!!!! - Ester cospe indignada.

Ficando que quatro, com Amber lhe cingindo a cintura por ter escorregado; Ester dá um pulo para cima e para trás, caindo de costas sobre Amber que bate a cabeça no chão. Aproveitando-se do vacilo da loira, Ester vira-se sobre ela e num ato contínuo; enfia a garrafa quebrada que segurava pelo gargalo nos seios de Amber que começaram a escorrer um líquido cristalino parecido com gelatina.

-Aaaaaaah! Meu silicone sua puta! Você furou meus 400 ml de silicone! - Grita Amber indignada.

-E isto ainda é pouco, vadia! - É quando Amber, finalmente acha um ponto vulnerável em Ester. A loira enfia a serrinha de unha até o cabo bem na boca do estômago da Latina rica e torce de lado. Apunhala mais! Uma, duas, três vezes sem dó.

Ester sente todo o ar ser retirado de seus pulmões, por causa da contração estomacal. Uma vertigem violenta toma conta de sua cabeça. Antes de desmaiar ela enfia o gargalo até o fim no peito da Amber, afastando as costelas flexíveis da loirinha; cortando o coração.

Traída, sozinha, ferrada e de estômago rasgado; com a bunda e as costas furadas sangrando bastante, inclusive pela boca; Ester grita para o cadáver da amiga: - Acorda megera! Bruxa! Falsa amiga traidora! Sua cobra! Cobra! Levanta Amber! Levante-se e me mate porque ta doendo! Ta doendo muito! Uhuhuh-uh-uh urubu!

Chora e chora.

- Socorro! Paiêêêê! Papaieeeeee!

Amber, que estava mortinha da silva; nada podia fazer pela ex-colega - suspeito que é sempre assim que os mortos fazem. Finalmente cai a ficha e Ester entende. Vendo que não obteria ajuda de ninguém; pois tudo que considerava real era pura ilusão, retira a serrinha de unha do estômago arrombado e, com ela termina de abrir as próprias veias para assim; poder libertar-se escapando desta forma da traição, da vergonha e da dor; advinda de toda esta desgraça que abateu-se sobre ela.

Segundos antes de Ester fazer a passagem, creio eu - por que o destino não há de ser tão mau assim - algo sombrio passa em frente a uma câmera caída no chão, próxima às garotas caídas, provavelmente a câmera da loira; entretanto já não sei muito mais de nada. Pode-se ver os pés de Ester estremecerem pela última vez, ao mesmo tempo; escuta-se um barulho nojento de sucção.

Lisa seguiu arrastando o cadáver de William, que um dia foi seu amante; trevas adentro. Sua câmera balançava para lá e para cá em seu pescoço; pendurada por uma correia. Ela ouviu gritos, choro e lamentações. Imagino que estes sons ecoavam em sua mente tão forte; que ela devia achar que estava no inferno. Eu mesmo, já estou começando a me sentir nele. Se é que alguém sabe realmente como; o tão falado inferno é. Nunca conheci ninguém que tivesse ido para lá e voltado para contar. E posso lhes dizer; sem sombra nenhuma de dúvida que jamais, nunca! De forma alguma; gostaria de conhecer. Mas acho, contudo; que estes garotos conheceram. Engraçado um homem de ciências dizer isto, não é mesmo? Mas compreenda, quem lhes escreve agora, não é mais o mesmo que era quando começou este relato. Isto é, sou eu ainda, mas não me reconheço mais. A pessoa que fui, jamais escreveria as coisas que estou escrevendo e só escrevo; por que estou assistindo estas gravações feitas por meninos e meninas mortos. Ou então...
Então o quê?


9
Na beirada do abismo, que é parte do caminho que me trouxe até aqui onde estou agora; Lisa observa o cadáver a seus pés e a caixa cheia de ossos. O celular no bolso de seu vestido reproduz uma canção. Escuto um dueto de violinos e, o som grave profundo de tambor.
Lisa olha por cima do ombro e sorri.

-Oi Lisa! - cumprimenta Harker dando um sorriso sangrento. Em um dos braços, segura caixas de presentes; assim mostrou o celular da castrada.
A garota gordinha de cabelos azulados, o observa por alguns instantes ligeiramente desconcertada. Seus olhos brilham o brilho de uma obsessão.
-Oi amor! - fala ela.
-Como foi para você fofa? - Fala Harker coberto de sangue seco; aproximando-se suavemente dela.
-Para mim, tudo aconteceu dentro dos conformes. Estou cansada, mas, não sofri nenhum arranhão; entretanto você parece que não foi tão bem sucedido quanto eu. - Venha cá e receba o teu presente. - Chama Lisa com um sorriso beato no rosto; apontando um dedo pálido para o cadáver do rapaz William.

Harker aproxima-se mais. E observa friamente aquela casca sem vida. Usa uma voz grave; sem entonação.

-Esta coisa que está a meus pés já foi um homem? Esta carne azulada e com rigor; algum dia mamou os seios de uma mulher? Alimentou-se? Locomoveu-se? Sonhou? Leu um livro? Duvido. Duvido muito. Isto aí caído no chão não é nada. Nunca foi nada. Não será nada nunca. Para sempre nunca mais. Obrigado. Agora repassemos os acontecimentos Lisa, minha fofinha.
-Você acabou com Jeff. Só pode ter sido isto. Nenhuma das garotas seria capaz de lhe infligir estes ferimentos. Ou seria?
-Nossa Lisa, não sabia que suas capacidades de dedução eram tão sofisticadas. Ou então você deve ter percebido que o matei pelo par de sapatos quarenta e quatro que carrego na mão. - Provoca Harker.
-Calma, deixe-me continuar. Eu não tinha interesse nele. Até já simpatizei com Jeff alguns segundos; anos atrás. Estou quase certa que, quem lhe pediu este presente foi Amber; não é Harker? Ela, a Amber pediu que você mata-se o Jeff correto? Amber só pensava em procurações, seguros de vida, silicone e dinheiro. Nunca amou ninguém. Sabia que você a amava e sabia que você é um assassino. No início de suas caminhadas; creio que todos nós uma vez ou outra lhe seguiu. Todos sabíamos o que você fazia com os moradores de rua da cidade; que tivessem o azar de lhe cruzar o caminho na hora e lugar certo. Nunca contamos a ninguém, por causa do que aconteceu conosco aqui nesta caverna quando éramos pequenos. Para falar a verdade; lhe acobertamos muitas vezes. Era para você estar ou morto ou na prisão. Mas isto não aconteceu. A proposta de William para este encontro; era que lhe empurrássemos deste abismo aqui. William, que dizia que me amava; queria você morto. Ele dizia que o que você faz é imoral. Dizia que você é uma aberração. Uma doença. Claro que também devia achar que com você fora do caminho; ele teria alguma chance comigo. Mas para mim; é só você.

-Ao passar pelo túnel sudeste da caverna; enquanto vinha até aqui, encontrei as meninas. Mortas. As duas. - Revela Harker exibindo um sorriso impenetrável que não lhe chegava aos olhos.
-Se não foi você e creio que é isto que está me dizendo; então uma matou a outra. Isto é óbvio né Harker.
-Você erra em alguns trechos do seu raciocínio Lisa. - Diz Harker bem baixinho.
-O quê você disse Harker?

Harker chega bem pertinho. Vários centímetros mais alto que Lisa, observa a garota. Ela está com os olhos molhados. Excitada. Um animal predador excitado ao sentir cheiro de sangue. Ela sente tesão jogando este jogo mortal. Lisa é como ele, e isto não pode ser.

-Você erra em algumas de suas conclusões. Seu pensamento está acelerado. Está sendo precipitada. Não vê todo o quadro. Ester matou Amber. Este foi um acontecimento inesperado. Imprevisível. Se ela não tivesse cometido suicídio, agora neste momento; tudo teria ido por água abaixo ou seria apenas diferente.
-Mas o que levou a vaidosa da Ester a fazer algo assim? - Questiona Amber curiosa.
-Dor. Mas não apenas dor. - Explica Harker - Pesar, mas não apenas pesar. Foi algo maior. Imorredouro. Eterno. Ela vivenciou algo extremamente intenso. Visceral. Tão insuportável; que a única alternativa que lhe restou foi à morte.
-E o que, seria isto? O que ela viu? - pergunta Lisa; arrependendo-se imediatamente de ter formulado a frase.
-A verdade. - Disse Harker rapidamente, enquanto o sapato 44 de Jeff em suas mãos; atinge brutalmente o rosto dela quebrando dentes arremessando-a para dentro do abismo que; como uma boca desdentada e faminta a engoliu sem deixar rastro.


10
Harker ajoelha-se. Abraça-se. Abaixa a cabeça e chora lágrimas amargas. Tudo dera errado. Para ele não havia mais saída também. Estava de coração partido. E assim; tendo apenas a escuridão como companheira gritou para ela.

–Amber! Ambeeeeeeeer! Querida Amber. Como isto aconteceu? Volte. Volte e me diz. Me diz o que aconteceu. Diz que tudo foi um sonho. Ainda somos jovens! Diga que eu posso te amar. - E bate com a testa no chão de pedra várias vezes. - Eu fiz tudo o que você me pediu. Eles estão mortos. Mas você não cumpriu sua parte. Como sempre; mais uma vez você me enganou. Não acredito que te perdi de novo! E desta vez para sempre. Que dia dos namorados mais maldito! Maldito!

Aí o assassino ouve, mas não acredita. Das profundezas do abismo até a abóbada da caverna; como se respondendo aos lamentos, a escuridão clamou seu nome. Harker se apavora. E ele grita. Grita! Uma massa escura desaba sobre seu corpo e ele grita mais alto assim:

- Arlington! Arlington não! Não faça isto! Não me leva! Não! Não me leve. Me mata então. Me mata agora! Depois de todos os sacrifícios que lhe ofertei você avança sobre mim?- Seus apelos não surtem efeito nenhum. Harker começa atirar as caixas de presentes cheias de ossos naquela massa trevosa que estava aos poucos; aproximando-se para contaminar seu corpo. Como se batessem contra uma parede de cimento as caixas explodem contra a escuridão e, os ossos que estavam dentro dela ficam a flutuar emitindo brilho espectral nas trevas. Depois começam a dançar e rodar e rodar; transformando-se num redemoinho de vento encaixando-se uns aos outros formando a estrutura de um fantasmagórico esqueleto deformado que apos estar completo; vem caminhando invertido pelas paredes de braços abertos na direção do Harker. O esqueleto ajoelha-se junto as mochilas e de uma retira o disco de vinil. Coloca a falange do dedo mindinho no centro do dele e roda. Usando os ossos da outra mão faz o disco tocar; encostando a cabeça da falange distal do indicador sobre a superfície negra e brilhante. O som lhe sai pelos maxilares esqueléticos e parece preencher toda a caverna modulando; comprimindo, esticando a estrutura do espaço ao redor de Harker. Até que uma brecha se abre em pleno ar exibindo um mundo que não era para ser. Aí, por esta janela que se expande mais e mais em sua direção; o psicopata pode contemplar o inferno. A coisa mais bela, horrorosa e triste que jamais homem algum deveria contemplar. Vastos desertos, torres construídas com fetos e abortos, mares de pus e toxinas, os caídos andando por aquela orbe ardendo em chamas em certas partes, e em outras; congelando até próximo do ponto zero absoluto. Hordas de imensos insetos bestiais famintos percorrem planícies repletas de lixo. Monstros castrados, sem coração e de garras afiadas lhe estendem os braços. Harker, é sugado para dentro desta dimensão indescritível que, se fecha e se recolhe; para ser engolido pela caveira que transforma-se em redemoinho novamente. Então o mundo começa a girar ao sabor de um vendaval ancestral que leva tudo para baixo e para o fundo. Que fundo? Ora, agora eu sei. É este lugar bem aqui onde estou. Meus amigos nunca vão voltar. Nem eu. Nem eu. Conhece a piada do não nem eu? Não? Nem eu. Nem eu. Nem. Nenenenenem mmmm eu eueueueueueueue nemmmmmxsdojksisjdiosjdijsdiopjsiopdjiwe

A treva sairá das bocas da caverna em forma de chuva e cairá sobre a cidade. Amanhã, quando as pessoas acordarem estaremos esquecidos. Nossa existência terá sido lavada da memória de todos. A única coisa que se lembrará de nós, será Arlington. O menino que eles deixaram perdido para morrer sozinho em algum lugar destas caves, e que agora é parte de toda esta eterna ausência de luz.

Fim







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