Valsando com Mortos
1
Existem coisas que não possuem prazo de validade.
Alucinações, fábulas, sonhos, quimeras, mitos e blasfêmias não caducam,
envelhecem; ou se desgastam.
Tenho um sonho eterno. Um daqueles recorrentes. Quando ele acontece, mergulho em seus salões, fecho a porta e deixo o mundo por sua conta e risco. Nada posso fazer pelo mundo, nem o mundo por mim. Não que seja visitado toda noite. Ele vem a mim semanalmente. Em tempos tranqüilos, fico sem recebê-lo por quinze dias até. Não acho isto positivo. É sinal que ando trabalhando pouco, penso eu. Sinal que em certas épocas meu espírito deseja permanecer em zonas de conforto ilusórias, pois, a paz para os homens é inútil. No sonho, não há nenhuma lua majestosa. Vago por largos e altos corredores úmidos no subsolo de um castelo. Montado em um atento veloceraptor herbívoro couro-branco (blindado) de três metros de altura. Percorro seções lacradas de um sistema labiríntico que ninguém mais tem acesso. Zonas mortas, detentoras de horrores inomináveis. Fria corrente de ar úmida e sussurrante cheirando a musgo, vem das profundezas e é constante companheira. Lanterna presa em um suporte às costas da couraça que visto, ilumina mais ou menos tudo num raio de dez metros. Subimos montes de pedras perfeitamente talhadas fruto de pequenos desabamentos. Contornamos fendas que levam a abismos insondáveis. Passamos por nichos selados e portais trancados. Pelo caminho; fantasmas me observam. Lá, vejo frente a uma das portas meu pai. Em outra meu tio. Numa outra mais a direita meu bisavô e assim por diante, numa cadeia genealógica sem fim, até que começo a desconhecer aquelas figuras etéreas que me observam silenciosamente. Alguns fantasmas são sérios, outros angustiados, os mais próximos do meu tempo e do meu sangue, esboçam leves sorrisos. A maioria, não parece estar muito contente comigo. Por trás de cada uma destas portas seladas, há a ossada de um parente meu, junto com membros da guarda e de um ou vários demónios. Todos mortos, assim espero. Aí eu acordo. Para mais um dia investigando, mais um dia de batalha, mais um dia na lida; com a morte sempre me espreitando de dentro para fora e de fora para dentro.
Tenho um sonho eterno. Um daqueles recorrentes. Quando ele acontece, mergulho em seus salões, fecho a porta e deixo o mundo por sua conta e risco. Nada posso fazer pelo mundo, nem o mundo por mim. Não que seja visitado toda noite. Ele vem a mim semanalmente. Em tempos tranqüilos, fico sem recebê-lo por quinze dias até. Não acho isto positivo. É sinal que ando trabalhando pouco, penso eu. Sinal que em certas épocas meu espírito deseja permanecer em zonas de conforto ilusórias, pois, a paz para os homens é inútil. No sonho, não há nenhuma lua majestosa. Vago por largos e altos corredores úmidos no subsolo de um castelo. Montado em um atento veloceraptor herbívoro couro-branco (blindado) de três metros de altura. Percorro seções lacradas de um sistema labiríntico que ninguém mais tem acesso. Zonas mortas, detentoras de horrores inomináveis. Fria corrente de ar úmida e sussurrante cheirando a musgo, vem das profundezas e é constante companheira. Lanterna presa em um suporte às costas da couraça que visto, ilumina mais ou menos tudo num raio de dez metros. Subimos montes de pedras perfeitamente talhadas fruto de pequenos desabamentos. Contornamos fendas que levam a abismos insondáveis. Passamos por nichos selados e portais trancados. Pelo caminho; fantasmas me observam. Lá, vejo frente a uma das portas meu pai. Em outra meu tio. Numa outra mais a direita meu bisavô e assim por diante, numa cadeia genealógica sem fim, até que começo a desconhecer aquelas figuras etéreas que me observam silenciosamente. Alguns fantasmas são sérios, outros angustiados, os mais próximos do meu tempo e do meu sangue, esboçam leves sorrisos. A maioria, não parece estar muito contente comigo. Por trás de cada uma destas portas seladas, há a ossada de um parente meu, junto com membros da guarda e de um ou vários demónios. Todos mortos, assim espero. Aí eu acordo. Para mais um dia investigando, mais um dia de batalha, mais um dia na lida; com a morte sempre me espreitando de dentro para fora e de fora para dentro.
2
Entender o mundo como é hoje não é tarefa fácil. Pois ele é assombrado. O que podemos dizer de sombras? Que complexidade existe nelas? Sombras eram consideradas coisas simples. Mas agora e, este agora já é há muito tempo, sabemos diferente. Existem hipóteses formuladas em conjunto por filósofos, sábios, feiticeiros e alquimistas que levaram nações à guerra, famílias e povos ao desespero. Tudo por causa do estupendo e admirável avanço das ciências e da magia.
Afirmam os mais sábios, ter sido nossa arrogância e a certeza absoluta
em nossos conhecimentos; a origem das sombras. Esquecemos que empunhávamos uma
faca de dois gumes, e ela nos apunhalou mortalmente.
Buscávamos a cura. Cura para uma moléstia. Uma grande enfermidade que
ceifava homens, mulheres e crianças por toda a terra. Nem magia nem ciência,
conseguiam deter seu avanço. Então, num esforço sem precedentes magia e ciência
uniram-se para erradicar a afecção que maltratava os homens; tornando-os
contagiosos, desanimados, sem resistência, indóceis e furiosos. E o mal foi
erradicado. Ficamos mais fortes, inteligentes e rápidos. Por sete anos, todos
no mundo foram felizes, mas um novo padecimento, uma nova mazela pior que a
anterior; mostrou sua cara. A doença das doenças. Para esta, até hoje não
encontramos remédio. O pior de tudo, é termos consciência da hipótese. Sim! A
hipótese formulada por feiticeiros, sábios e cientistas que diziam que a culpa,
foi do grupo que sanou a morbidade anterior.
Todos estes homens, nós eliminamos. Penduramos centenas deles em forcas,
torturamos milhares, mutilamos, prendemos, condenamos em tribunais. Pois é,
matamos cremamos e enterramos. Desaparecemos com eles. Mas de nada adiantou,
pois, a hipótese sobreviveu.
As idéias são imortais. Nem a morte nem o tempo, tem domínio sobre elas.
Afirmaram que a doença, a nova peste foi criada inconscientemente, em
imensos laboratórios alquímicos escondidos nos porões do mundo. Uma poção
mágica surgiu destes esconderijos, eliminando a enfermidade antiga que
devastava os homens. Mas um erro aconteceu e, em várias partes da primeira
poção sanatória criada; a praga (um animal) estava junto. Menor que um grão de
areia, ele penetrou no universo humano. O corpo do homem. Uma vez dentro,
expurgou pequenos demónios que viviam em simbiose conosco, nunca nos fazendo
muito mal. Esta alteração de saúde no equilíbrio dos seres vivos, gerou
sombras. Estas sombras sem mais ter onde morar, órfãs, rugiram furiosas pelo
planeta. Infestaram muito do que é animal, vegetal e mineral. E isto não foi o
pior. Pior, foi adquirirem predileção pela carne. A nossa carne morta. Sendo
elas inumeráveis, invadiram em pequenas legiões corrompendo o que é frágil e o
que havia morrido no homem. Tudo começou há duzentos mil anos atrás. Eu e os
meus até hoje, nos dedicamos desde que nascemos; à busca da nova cura. Não
sendo possível isto, nosso objetivo é reverter-nos a condição anterior ao
menos. Que vivamos em simbiose. Não sendo isto possível também; então um
lenitivo, algo que as faça dormir. Desejamos viver em paz, com nossas sombras
para podermos lutar contra milhares de outros problemas. Por isto, estamos em
guerra. As sombras não querem sossego. Possuem temporariamente os mais fracos.
Invertem e matam nossos bebês nos primeiros dias depois do nascimento.
Aproveitam-se da sua fragilidade. Sombras querem extermínio vingativo total.
Processo lento, pois somos fortes (a maioria), mas efetivo. Éramos bilhões,
agora somos uns poucos milhões.
3
Pensando profundamente, observo. Os amanheceres deste mundo, mais e mais
se tornam estranhos. Normalmente são belos. Mas diferentes. O sol ainda brilha
firme forte e de certa forma, os dias agora são mais claros depois que o sol
(sol menor) que existia escondido por trás do sol; resolveu aparecer também
para nos iluminar desde antes da alvorada, até o meio da tarde. Nossas noites,
são encantadas todo mês pela imensa lua amarela, que move as marés e,
diariamente pelo preguiçoso cometa rabudo que ocupa um quinto do nosso céu,
podendo ser observado todas as noites neste ponto do planeta, há mais de cento
e cinqüenta anos. Do alto de um monte, dos muitos montes que circundam a
região; pode-se ver ao longe, torres e contrafortes de um bárbaro castelo
gótico, de pedras pretas com treze torres de alturas variadas, sendo quatro
delas altíssimas. Castelo Pedra Preta. O imenso, grande e vasto Castelo Pedra
Preta.
Ele domina o oeste. Está a montante (perto da nascente) de um rio
caudaloso que passa submisso, na base do abismo à seus pés trezentos metros
abaixo. Assenta-se sobre uma vasta meseta, circundada por planícies. É rodeado de
ambiente primitivo selvagem e abandonado, onde em algumas faixas verdes,
pode-se ver dóceis manadas de veloceraptors herbívoros criados por meus
antepassados. Erigido há tantas eras atrás que é impossível determinar sua
idade, Castelo Pedra Preta se mantém supremo, ereto e firme como se fosse recém
construído. Alto que parece arranhar o céu, em suas laterais vislumbra-se como
se fossem dedos negros fincados no terreno pedregoso; imensos arcobotantes. Do
lado de dentro, feixes estruturais imensos nascendo de umas poucas colunas;
abrem-se para sustentar abóbadas nervuradas a perderem-se de vista nas alturas
e na penumbra sempre móvel, permitida pelos seus vitrais empoeirados que,
captam luz de modos diferentes de acordo com os movimentos solares, da lua
quando em plenilúnio e, do cometa (reformas recentes feitas no século passado).
Eu caminho por este castelo. Este castelo é meu por direito de nascença. No
topo da mais alta torre, analiso o mundo que revoluciona-se ao meu redor. O
tempo para mim, acontece diferente. Logo (daqui a alguns dias), terei que ir
para as profundezas do castelo iniciar meus trabalhos. Mas antes, lerei o livro
dos ventos, avaliarei a intenção das nuvens, analisarei o que a luz esconde ou
quer calar. Arrancarei informações das aves do céu e de todo o espaço ao redor
do meu domínio. Digo ao meu velho capitão da guarda e ao jovem pajem que me
acompanham para se retirarem, pois o clima aqui no alto se tornará
insuportável. Antes de partirem, o pajem aproxima-se subserviente e me estende
um odre de vinho. Não arredarão o pé enquanto eu não tomar longos goles do
poderoso vinho de Pedra Preta. Eles querem que meu corpo mantenha-se forte e
aquecido. Agora que venha tudo, que se abra o mundo.
4
Tempestades chicoteiam a torre e meu corpo nu, coberto de cicatrizes.
Raios cruzam os céus, atacam os pináculos de vez em quando, mas não causam
danos. Nunca conseguem causar danos. Trovões ensurdecedores põem meus ouvidos a
zunir. Pedras de gelo fazem meu corpo formigar, malhando minhas carnes mas,
como tudo no mundo é cíclico, passa. Vem mais um anoitecer. Junto com o
anoitecer, astros e estrelas movem-se impávidos sobre mim. Por sua vez, algum
tempo depois, melancólica manhã marrenta expande-se descolorida daquela
profunda escuridão, apagando o lume de todas as estrelas; sejam elas naturais
ou artificiais. Aí, sombrias nuvens são observadas. Movem-se languidamente pelo
amplo firmamento a rolar. Imensas embarcações abandonadas à deriva. Os sóis
como que enfermos, recusam-se a mostrar a face oferecendo apenas lampejos, um
deles segue inexoravelmente rumo ao poente. Quando de novo chega o ocaso, luz
opaca torna lúgubre tudo que podia ser visto. O entorno observado sob qualquer
ponto de vista mostrava-se pesado, mudo, tétrico e opressivo. Vendaval gemeu
sacudindo tudo. Forte chuva avassaladora caiu novamente. Vento de tormenta
ensurdecedor, urrou mundo afora, rachando nuvens expondo constelações depois
calou-se. Aconteceu gélido azul escuro fundido com escuridão. Desta
indiferença; terrível siléncio desolador que abala, enche de medo e
perplexidade estabeleceu-se entranhando-se em tudo que existia ali. Depois
propagou-se mais além sumindo no horizonte primário. Os demónios estavam
indignados.
5
Um dia de descanso. Pronto. Hora de ir trabalhar. Sou banhado, aquecido,
alimentado e medicado. Chamo cinco membros da minha guarda pessoal, os mais
valentes, todos solteiros. Não quero nenhum pai de família andando comigo.
Existe sempre o risco de nenhum de nós voltar de lá. Metemo-nos nós seis
corredores adentro, vencendo quilômetros de distância por amplos corredores de
pedra negra coberta de limo fosforescente que serpenteando, nos levam para
baixo, sempre para baixo. Segurem firme suas tochas homens. Estamos indo nos
encontrar com monstros.
6
O sudário se moveu. Detectei. Senti. Movimento único, mas genuíno. Quase
imperceptível. De nada adianta observar quando escutar é o necessário. Este
trabalho exige concentração, crueldade e indiferença. Um assobio sobrenatural.
Vento desconhecido que chega até nós; é a canção dos exilados caídos que
contorcem-se pelos indecifráveis espaços estelares. Fragmentos fossilizados de
murmúrios pertencentes a Deuses ancestrais, revelando mistérios que não somos
capazes de compreender pois, é impossível juntar as partes. Às vezes, isto é
tudo o que se tem a disposição para executar o trabalho. É fundamental estar
atento aos detalhes. O conhecimento profundo enterrado no abismo de olhos
mortos, é conhecimento apodrecido entranhado na carne. É a sabedoria dos
comedores de cadáveres. Vermes. Deixo o olhar percorrer o lugar. Apuro mais
ainda a audição. Investigo a sombra dos objetos ao redor. Partículas suspensas.
Raio de luz imóvel no ar. A coisa amorfa amarrada sobre a mesa, não quer
abandonar sua inércia, mas está sendo forçada a isto. Algo que manipula é o
responsável. Um manipulador. Uma força, uma vontade vinda de algum ponto
externo. Perto, mas abaixo do meu nível de percepção. A criatura existe, mas
será ela a habitar este vaso? Em agonia, medo espasmódico arranca fedorento
arroto gastrintestinal daquelas tripas frias. O corpo treme tentando voltar
atrás, mas é inútil. Sombras dançando pela parede, fazem do aposento um espaço
aterrador. Lôbrego de ansiedade esta marionete retorce-se arqueando a parte
traseira. Então finalmente, suas extremidades se movem. Detenho meu olhar
naqueles apêndices sem sangue. Erro meu. Já possuído plenamente, aquele objeto
crava seu olhar em mim, exercendo hipnótico domínio. Minhas mãos
descontroladas, atacam meu rosto mas, graças a máscara de ouro que uso, não
tenho as órbitas arrancadas. Assumo controle sobre meu corpo novamente. Apanho
haste comprida encostada a parede. Apoio afiada lança de aço polido da ponta da
haste no plexo solar deste reanimado, e faço a primeira tentativa de desorganizá-lo
devolvendo-o a morte. Entendo que minha mente está a ser golpeada. Meus olhos
detectam ilusórias formas luminosas ao meu redor, brilhando em uma caótica
explosão multicor. Eu resisto.
A obscuridade da sala parece rumar em direção a estas luzes. Mas sombras
sempre irão de encontro ao negrume. No mundo natural, sombras vão de encontro a
escuridade. A luz sempre empurra a sombra de tudo que existe para a grande
barriga vazia e insaciável do mistério. Então o que vejo é falso. Sombras não
fogem do negror, vão de encontro a ele. Algo de outros mundos sussurra em minha
mente:
“A luz é algo que ocorre na ausência da escuridão. A luz não é algo
tangível nem existente por si mesma, visto que para poder propagar-se necessita
da vasta ignorância abissal criada pela negrura.” Cravo torcendo profundamente
a lança no externo e depois, entre os olhos daquela caruara não-viva submissa,
mas persuasiva. A criatura, consegue assim novamente atingir o estado
entrópico. Que decomponha-se em paz de agora em diante. Digo aos homens para
remover os ferros, cortar as amarras e colocar aquela imundície na padiola
pois, iremos cremá-lo na borda da abertura logo abaixo, que se abre para o
precipício que pertence ao rio caudaloso.
Assim que as tiras de ferro e couro são retiradas, aguardamos todos de
armas em punho que a criatura salte e prendendo-se ao teto, comece a nos
amaldiçoar furiosamente. Mas isto não acontece. Nunca acontece.
7
A padiola é fixada sobre um vagonete atrelado a um veloceraptor
couro-pardo cauda longa de cabeça azul, alfa. Velho, violento e sábio não se
assusta com qualquer coisa. Um de meus homens fica para trás em uma junção de
corredores, pronto para acionar mecanismo que lacra aquela seção que estamos
percorrendo, caso algo saia controle. Caso aquilo seja um ardil do demónio.
Percorremos nós cinco, aqueles largos caminhos calados. Alguns dos
veloceraptors herbívoros adeptos do defastio; lúdicamente batem as caudas
curtas (mais curtas que de um veloceraptor carnívoro de combate) ativando a
fluorescência do musgo cinza que impregna as paredes do subsolo de Pedra Preta
liberando aroma agreste naquele ambiente cheio de gotículas. Ah, como eu amo os
raptores. Faltando quinhentos metros para chegarmos a abertura que dá para o
abismo, ouvimos canto do opulento rio cem metros abaixo. Eu escutava também som
de cachoeira, produzido pelos canos e dutos de drenagem pluviais que, sempre
mantiveram Pedra Negra enxuto em sua totalidade.
O raptor cauda longa de cabeça azul, emite um trinado de alerta. Estamos
em formação de escolta. Vagonete ao centro. Há algo errado. Olho ao redor. Esta
parte do corredor dará um bom lugar para combate se for o caso. Como disse
antes, tudo está diferente. O que sabíamos como certo, agora quase não tem mais
serventia. Formo em mim um pensamento e uma vontade. Verbalizo:
– Pedra Negra. Fendas!
Até onde minha voz verdadeira (sem eco) alcança, o corredor executa
suave movimento de serpente deslocando-se, obedecendo a meu comando. Os
raptores treinados, enfiam garras e presas nas fendas das pedras escalando-as.
Meus guerreiros de lanças em punho, máscaras de ouro e amarrados em seus
animais, assumem posição de ataque. Imóveis. Aguardando. Abro as presilhas que
me unem ao meu animal. Liberto-o do vagonete. Desmonto do raptor cabeça azul,
seus olhos cruéis investigam os meus procurando fraqueza. Um instante depois,
ele desvia o olhar. Sou seu igual. Caminho até o ser coberto pelo sudário. É aí
que a criatura, coisa que nunca existiu no mundo natural, dá o bote. Molusco
mutante morto-vivo de quatro metros de comprimento, olhos aracnídeos com vinte tentáculos
compridos ao redor do corpo dotado de duas bocas cheia de dentes afiados nas
duas extremidades.
Sombras são capazes de fazer isto, de fora para dentro; quando possuem a
carne morta do mundo.
8
Velozes apêndices móveis disparam na minha direção. Dou um passo para
frente e à esquerda, diminuindo a distancia do bote induzindo o adversário ao
erro. Golpeio com a lança amputando os pseudopódes do inimigo. O raptor cabeça
azul(1) passa sobre minha cabeça, grudado nas pedras enquanto um dos
guerreiros, montado em outro raptor na parede oposta; arremessa sua lança
acertando o monstro em seu âmago. Um bom arremesso, mas inútil. Deve-se
inutilizar o cérebro para que a criatura sossegue por uns instantes e possa ser
cremada. Agora eu sei. O velho raptor(1) salta da parede aterrisando sobre as
costas da criatura trespassada. Com patas fortes dotadas de garras afiadas de
quarenta centímetros, cabeça azul, rompe a musculatura do costado do monstro
estraçalhando. Imediatamente tentáculos saltam da carne exposta enrolando-se
nas pernas e pescoço do meu velho raptor de cauda longa(1). Um veloceraptor
amarelo(2) preso ao teto acima do possuído, é empalado vivo por outros
apêndices esquisitos e afiados. Meu guerreiro(2) montado nele desprende-se da
sela. Caindo do teto sobre o monstro agarrando-se ao veloceraptor cabeça
azul(1) tentando escapar das mandíbulas mortíferas. Mais um tentáculo
enrola-se no tórax encouraçado de outro de meus guerreiros(3). Possuindo um ferrão
na ponta, este tentáculo afunda-se na coxa do homem atingindo também seu
raptor(3); enquanto injeta doença nos dois. Este homem(3) num lampejo de
bravura imbecil, corta a cabeça de seu raptor antes que fique tomado; enquanto
enfia uma granada mística dentro da sua própria armadura. Atira-se sobre o
monstro cheio de extensões protoplasmáticas luminosas coloridas. A explosão e o
fogo intenso nos deixa desnorteados. Meu corpo é jogado contra as pedras
negras. Ar escapa de meus pulmões. Vejo apenas a parte inferior do raptor
empalado ainda agarrada ao teto, o resto sumiu. Carbonizado. Grito de tristeza, chamando meu
velho raptor cauda longa cabeça azul envolto em chamas, ainda atacando o
monstro a dentadas antes de arder totalmente e tombar sobre o inimigo vencido.
Rolo pelas pedras apagando o fogo de meus cabelos e vestes. Perdi três raptores
e dois homens. Agora somos apenas três homens e dois raptores. Onde estão?
Desmaio.
9
Ah maldição! É tudo sempre igual, até que chega o dia em que não é mais.
Não há padrão, não existe estabilidade. Sinto-me desamparado. Uma mão me pega
pelo ombro arrastando-me para longe das chamas. Olho para agradecer e imagino
que devo estar sonhando. Meu avô me sorri benevolente. Poderoso. Um dos
fantasmas que sonhei. Será que de tanto delirar em meus sonhos, os transformei
em realidade? Não, não sou tudo isto. Ele aponta um dedo robusto, grosso como
salsicha para as paredes abauladas de pedra negra. Sinto-o formando um
pensamento e uma vontade. Quando ele verbaliza, a parede obedecendo a comando;
começa a se desfazer exibindo um panorama alucinado; como se o ambiente
estivesse sendo varrido por rajadas de gás comprimido. Lá fora, vendaval de
furacão retorce a planície. Arrasta pedra, veloceraptor, árvore, areia, peixe e
demónio numa ciranda mágica. Macabra. O disco lunar é janela donde aparece
rosto contorcido de besta-fera maldoso, maldito a gargalhar – eu sempre soube
que ele estava lá. Os sóis estão distorcidos e também o cometa. Vovô me pega
pelas mãos e flutuamos no ar. Quando percebo, estamos dançando lá fora. Estamos
valsando ao som imenso do turbilhão. Somos parceiros dançarinos ébrios desvairados. Um
braço decepado passa lentamente por nós, uma criança podre com os olhos vazados
também. Meus dois últimos guerreiros, giram pelos ares cobertos de chagas jorrando
sangue que flutua ao redor deles. Piscam o olho para mim. Capturados por um túnel de vento; desaparecem na distância com
velocidade espantosa.
Prossigo minha valsa funesta. Fatal. Rodopiamos sem sair do lugar. Meu avô, entre um compasso e outro, mira-me nos olhos. Escuto em minha mente seu pensar:
Prossigo minha valsa funesta. Fatal. Rodopiamos sem sair do lugar. Meu avô, entre um compasso e outro, mira-me nos olhos. Escuto em minha mente seu pensar:
“Não tenha medo. Não tenha medo. Nada adianta. Tudo passa. Tudo. Um dia
vamos vencer. Um dia vamos perder. Um dia veremos tudo. Um dia seremos tudo. Um
dia esqueceremos tudo. Um dia tudo acabará e será o fim para sempre. Mas não
agora. Não agora. Não tenha medo.”
Foi então que senti uma grande paz, apesar da revolução extrema ao meu
redor. E aí, soube que estava morto. Aquela seção de corredor havia sido
hermeticamente fechada para sempre. Eu dentro. Lacrado. Minha parte do trabalho
havia chegado ao fim. Que a próxima geração prossiga com as pesquisas. O mundo,
talvez seja um sonho dentro de um sonho. Diariamente, somos obrigados
legitima-lo. Eu, vovô e todos os outros; estamos cansados deste trabalho sujo.
Por:
gu1le
Como sempre, dedico este conto a
Guilherme Raphael M. M. e Lumyah M. M.
Jah havia comentado no Forum gu1le, mas vou comentar aqui tb. Parabéns, ficou muito bom. Daria uma ótima HQ ou ateh um episódio dessas séries de horror da tv.
ResponderExcluirVlew meu amigo!
ExcluirPs.
Tô escrevendo um conto novo.