Quinta-feira, 11 de julho de 2013.
Sete Cabeças
Por: gu1le
Para Lumyah e Raphael
Para se chegar do outro lado do espelho e
acompanhar nobres cavaleiros, alvos arcanjos assassinos, fazer parte do
exército ou tropas de guerreiros selvagens que combatem monstros; é
preciso uma nave. É necessário um piloto para esta nave. Não pode ser
qualquer piloto, tem que ser um Mortonauta. Tem que ser um Mortonauta,
porque para se chegar ao mundo que você precisa, há de se atravessar a
barreira da morte. Depois, é necessário cruzar o nada que ela é.
Mortonauta piloto, guiará a nave onde você está em criogenia, por ermos
descaminhos e inexistências onde nunca houve luz, nem dor, nem alegria,
tristeza, movimento, paradeira até que arrancando-se dos braços do não
ser por violenta descarga energética, ativada por genes recessivos, o
piloto especial voltará à vida, apenas para pressionar pedais e apertar o
botão que para a nave. Aí, você poderá desembarcar no mundo certo, no
dia certo e na hora certa para dedicar-se a peleja junto com centenas de
outros guerreiros.
Talvez você desembarque numa alta colina. Talvez esta colina esteja
repleta de Madressilvas. Pode ser que do alto dela, você veja que apesar
deste mundo ser lindo, está contaminado por algo. Você verá lá na
frente, terra calcinada pelo fogo. Aves de rapina sobre campos repletos
de corpos. Sentirá o fedor da matéria em decomposição. Ficará indignado
ao constatar que este mundo puro limpo e justo, está sendo invadido por
entidades e forças imundas. Sentirá o mesmo desejo incontrolável que o
fez entrar na nave espacial do Mortonauta. Desejo de extirpar o mal.
Bani-lo para os confins do universo. Pois se é necessário que ele
exista, que vá existir bem longe da gente.
Nu e desarmado no alto da colina, você conhece este mundo, mas este
mundo, não conhece você. Você desce a colina e caminha alguns
quilômetros até chegar a áreas onde há apenas morte e destruição. Pode
ser que mais a frente você cruze com outros viajantes. Por enquanto não.
Vasculhando por entre cadáveres você monta sua roupa de combate. Botas,
calças, poncho, manto, peitoral de aço, grevas para os braços e pernas,
capacete, espada, escudo, lança, arco, aljava, pistolas, sinalizadores,
óculos de visão noturna, tubos de oxigênio e um cavalo robusto que
pasta serenamente ao lado do cadáver de seu proprietário. Lá no
horizonte pode-se ver a luz das explosões e o rosnar sussurrante de uma
guerra intensa que se propaga no vento.
Cavalgue. O cavalo não quer ir novamente para guerra. Açoite. O dia
ainda mal começou. Aproveite. Ainda é de manhã. Apresse-se. O que lhe
aguarda, está além do horizonte, e você sabe. É um monstro imenso,
forte, poderoso e praticamente invulnerável. Ele vem de brumas místicas.
Fendas do inferno. Um mago negro insano cavalga o monstro de imenso
costado.
A besta varrerá multidões de armas em punho. Abocanhará anjos
assassinos. Engolirá cavalos inteiros. Até a hora em que você chegar.
Você saltará dentro da bocarra da cabeça mais próxima e com um longo
punhal abrirá caminho sob a pele da garganta do monstro. Embaixo da pele
da besta, metro a metro você se arrastará garganta abaixo até cruzar
com uma artéria que leva ao coração. Entre nela. Respirando pelo tubo de
oxigênio sem ver nada que não seja vermelho tudo é turbilhão. Você sabe
que está chegando perto pela intensidade das batidas cardíacas que
estão mais fortes. Você vai chegar no âmago da besta-fera. Ah, vai!
Quando desaguar no coração, sacará a espada e o fará em mil pedaços. A
besta surpresa terá uma morte inesperada instantânea. O mago será
linchado pela turba. Depois que a cabeça dele estiver espetada na lança,
sua espada rasgará o couro grosso que existe por entre as imensas
costelas da besta e você verá novamente a luz solar. Os exércitos em
festa, não se aperceberão de você coberto de sangue da Hidra de Sete
Cabeças. Nem liga. Você se põe cansado a caminhar. Para longe. Bem
longe. Arrumar algum lugar para morar. Não voltará a colina. Esta viajem
foi só de ida. O Mortonauta nunca vai voltar para lhe buscar. Mas quem
liga para isto, quando se está num mundo perfeito imenso e sem fim?
The End
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