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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ragnarok - Antes do Crepúsculo


Ah, agora sim. Quase crepúsculo. Vejo acontecer. O fim dos Deuses.
Tudo já foi dito. Tudo. Menos a verdade. Para os homens, a verdade é inútil; por estar além de suas capacidades, devido à fisiologia característica da espécie.

Se abrires o peito de um homem e, tentares ler seu interior vermelho de carne, nervos, ossos e líquidos; procurando qualquer vestígio da verdade, já lhe adianto que não encontrará. Terá uma vasta leitura satisfatória sim, claro, a história deste universo está escrita em suas criaturas, mas, não encontrará rastros de verdade alguma. Assim quis Odin.

São todos inocentes até o mais vil deles. Desígnios dos Deuses. Atirados num planeta sem o pedir, não sabendo o que eram antes de ser, nem o que serão após não serem mais; eles vão agindo e reagindo, agindo e reagindo inconscientes sem pensar. A maioria. Ponto de vista. Tudo que eles têm, são pontos de vista apenas. Artifícios. Relativos. É difícil.

Aquele que usa o ponto de vista errado, não vai para Valhala, vai para prisão. Pode ser doce, malicioso, terno, avarento, gentil, injusto, caridoso, invejoso, altruísta, mentiroso... Etc. Mas se der àss costas à luta, para você, os portões estarão trancados. Os indignos presos do lado de fora no vazio. O restante, os Einherjar; livres do lado de dentro. Alguns bem perto da luz de meu pai, outros, disfarçados nas sombras também criadas por ele. Cada um de acordo com sua característica.

Nestes mundos de ferro e pedra, ninguém chega ao paraíso sem luta. É à força das energias nucleares, que ardem pelo firmamento sobre a terra dia e noite, que clamam por isto. Existem muitos outros Deuses e demónios e muitos outros mundos. Temos que combater. Manter o nosso mundo. A escuridão quer o fim. Deseja ardentemente o siléncio total de todas as coisas. Creia em mim, eu sou Aesir.

E desta forma, a última guerra chegará até nós. Vai brotar das profundezas. Gigantescas serpentes. Você sabe só os mais valorosos guerreiros que, degradaram-se na insana violência imunda da guerra; foram dignos de ter sido levado pelas Valquírias e agora, cá estão junto a nós. Deuses, homens, mulheres e crianças. Todos imortais. Unidos enfim. Guerreiros que aguardavam o dia do Ragnarok. Não aguardamos mais.

Aniquilação total. Isto não vai ficar barato. Se a escuridão quer o siléncio, lhes daremos um eterno estrondo ensurdecedor de trovão sem fim. Se o escuro anseia pela cegueira do abismo o terá, mas na forma de um abismo de raios girando num redemoinho insano, veloz. Isto prometo, pois eu sou Thor.

Ávidos, aguardamos o início do fim. Enquanto não começa, observo surgindo das brumas cósmicas, para lá dos portões celestiais; os últimos guerreiros retardatários que chegam para juntar-se a nós na glória.

Vejo um homem de aparência robusta, idade de trinta invernos mais ou menos. Vejo também um jovem negro de cabelos coloridos. Os dois chegando a Valhala pela última vez. Muito feridos, almas cobertas de sangue. Ossos à mostra, furos de facas, lanças, espadas, tiros. Dentes trincados pelo impacto de explosões; caminham a lerdos, secos passos martirizados na minha direção. Parecem pesadelos saídos do inferno mais brutal. E sim, estão mortos. Mas não por muito tempo. O poder deste universo, já os está transfigurando, ajustando seus corpos. Poder ilimitado dos Deuses.

Como estou de guarda nos portões hoje, é a mim que contam suas histórias. Nada melhor que uma boa aventura guerreira antes do grand finale; ou se você quiser pensar ao contrário, antes do reinício de tudo. Lá, não estaremos. Nem eu nem você e, caso reste algo de nós por mais ínfimo que seja; desconheceremos. Serão outras formas; que transformar-se hão em outras coisas. Universos diferentes regidos por novas leis. Outras formas de morte e outras formas de vida. Distantes. Longe, bem longe. Mas celebremos este mavioso derradeiro dia. Todos os mares foram navegados.

A primeira das estórias é de longe a mais violenta. Preparem-se para as últimas histórias guerreiras do Universo, narradas pelo teu primeiro e único Deus do trovão.

1
Anêmona, um jovem com Dreadlocks coloridas segue trilhando um caminho no qual não enxerga o chão. Encostado em uma parede ao lado de uma porta comercial fechada no fundo de um beco, fuma enquanto uma ratazana indiferente segue seu caminho cruzando sobre seu tênis roto. Ao seu lado neste sujo corredor de serviços, amontoam-se caixas de papelão cheias de dejetos. Estando a nove meses nas ruas tornara-se um veterano. Tinha que sair dela. Sabia disto. Um mês nas ruas é tão arriscado que vale em termos de acidentes, deterioração e crises como se fossem anos de uma vida normal. Sua jaqueta plástica suja esconde várias armas encontradas pelos esgotos da cidade. Ergue a cabeça soltando uma baforada de charuto cubano. Ponta encontrada na lixeira de uma tabacaria. Fareja o ar como um animal roedor. Passa as mãos de unhas sujas pelo cabelo depois se espreguiça gemendo como um cachorro velho. Sente o cheiro rançoso da fumaça vinda de um restaurante Chinês. Parece que chegou a hora pensa Anêmona. Levanta-se e dirige-se para os carros parados em frente ao beco. Sinal vermelho. Há um motorista em um carro esculhambado modelo de dois anos atrás. Anêmona encosta na porta do passageiro e, com a coronha de uma escopeta encardida de cano serrado arrebenta o vidro. Os motoristas ao redor não o notam tão preocupados estão em buzinar e xingar uns aos outros. Sentando-se inesperadamente no banco do passageiro, ele soca a escopeta entre as costelas do apavorado condutor.
- Cruza este sinal vermelho agora se não, eu te arrebento ô cidadão.
O carro arranca saltando à frente já atropelando um pedestre obeso que trinca o pára-brisa do carro. Anêmona nem pisca.
- Segue em frente vagabundo! - Grita espirrando saliva no rosto pálido do motorista.
Cinco quadras adiante ele diz cutucando o seqüestrado:
- A virtude da vaca é o leite, a da faca é o corte e a minha, é a morte. Toma! - Atira explodindo as tripas da vítima no painel do carro. Rouba a carteira do morto, sai do carro atravessa a rua entrando onde havia planejado ir. Casa de Strip Brussel.
O mal, só existe na pluralidade irredutível das más ações. Anêmona está mau.
No hall escuro que precede a porta vai-e-vem do acesso principal, há um segurança brutamontes sonolento com orelhas de repolho em um banco alto.
Anêmona aproxima-se com olhar de pedinte e notas amarfanhadas de vinte em uma mão escondendo a outra no bolso do casaco. O segurança, vendo apenas um jovem mendigo drogado; lançou-lhe um frio olhar de desdém e disse para o assassino ir embora. Incentivando-o com uma cabeçada em cheio no nariz. Anêmona vai ao chão sangrando e rindo. Se põe de quatro a catar as notas espalhadas pelo escuro carpete industrial. Uma mão ainda no bolso. Quando o troglodita abaixa-se para pegá-lo pelos dreadlocks, ele tira a mão do bolso e encosta um trinta e oito Buldogue sob o queixo do opressor e diz:
- Bala Dundum!
Prime o gatilho; a cabeça do homem grande estoura cobrindo a cabeleira do Anêmona de miolos e massa cinzenta. Sacudindo o corpo como um epilético, num movimento colorido cheirando a pólvora, ódio e sangue este homem imundo adentra o espaço intimista mal iluminado da casa de strip-tease Brussel. Até agora, nenhuma autoridade foi notificada, pois ninguém compreende o que está acontecendo além dele. Produz como que do nada uma mini-uzi acertando o bar tender e o garçom de bandeja com drinks na mão. Garrafas e copos explodem para todo lado. Ele grita alto para as strippers:
- Onde está Reivers? Onde está à cubana Arian Reivers?
A casa quase vazia com seis clientes é siléncio. Ele dispara duas rajadas curtas matando os seis. Aí uma das bailarinas diz:
- Camarim, desgraçado. Vê lá! Atrás dos espelhos.
- Obrigado! - agradece Anêmona atingindo a moça nua nos peitos. Arremessada para trás, ela arrebenta uma gaiola de vidro néon gerando faíscas e fogo no teto de espuma. Dois garotos mal encarados de 16 anos saem disparando armas de fogo do camarim das garotas. Filhos de strippers sempre andam armados. Anêmona é sacudido por rajadas de submetralhadora que lhe rasgam em pedaços e é o fim. Nunca mais verá a irmã Reivers. Nunca mais voltará para Cuba com a droga que roubou de traficantes dias atrás. Valhala nele.

2
Sombras dançando pela parede faziam do quarto em espaço perturbador. Lôbrego de ansiedade retorceu-se arqueando as costas. Lúgubre desespero varreu seus pensamentos, quando inexplicavelmente; medonho corpo disforme começou a formar-se sob os lençóis avermelhando-os. Avolumava-se. Inevitável. Impossível.

Pavoroso é testemunhar o impossível. Tenebroso é nesta hora, não saber o que fazer. Triste é tentar o suicídio buscando em vão escapar do impalpável. Coisas que não deviam existir, mas existem. Não era para estarem ali, mas sempre estiveram lá. Nos precedem.

Imerso neste delírio fantástico dentro do carro com vidro fume; Zadig não viu o raiar do dia. Barulho. Vidro estilhaçando. Um grito. Seu grito. Som de algo pesado colidindo contra o teto do carro livrou-o de seu martírio. Acordou de supetão. Num salto assustado, bateu a cabeça no volante. Sangue começou a escorrer pelos vidros trincados. Tentou sair do carro. Não conseguiu. O teto amassado travava a porta. Deu uma pernada na do passageiro, que arregaçou-se num gemido. Jogou-se para fora do veículo de qualquer jeito. Raspou joelhos e cotovelos no asfalto. Pistola 45 na mão. Era realmente um cadáver sobre o carro. Na verdade dois. Vindo das alturas, um deles conseguiu empalar-se num duto de aquecimento engastado na parede do beco onde estacionara o carro. Tal cano rompido ventilava o morto. A tocaia que havia se proposto, não rendeu frutos. Sentiu seus cabelos ficando molhados. É o que faltava – pensou - chuva. Passou a mão nos cabelos e rosto. Assustou-se, temeu estar ainda preso ao pesadelo. Os dedos e a palma da mão estavam vermelhos. Olhou para o cadáver no teto do carro e para o outro empalado pelo duto que jorrava o conteúdo das tripas em jatos de vapor pelo ar. Estou acordado, suspirou aliviado. Era sangue. Sangue. Estava apenas chovendo sangue. Neste momento sente um arrepio quando uma sombra passa por si. Rola para o lado sacando semi-automática. Recebe um tiro no ombro 'a queima roupa. É o assassino. Passa rasteira em pernas compridas próximas das suas. Atira no ventre do corpo desequilibrado. O assassino cai sentado numa poça de lama e sorrindo atira no peito de Zadig. Zadig antes de morrer revida atingindo seu assassino no meio das pernas. O matador sobrevive. Valhala para Zadig.

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Como sempre txt dedicado a Lumyah e Raphael.