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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

INCENDIANDO JEDEDIAH



quarta-feira, outubro 16, 2013

Atenção:
Esta é uma obra de ficção fundamentada na violência sem qualquer compromisso com a realidade recomendada para maiores de 16 anos

Por: gu1le

Era uma vez, um lugar quase esquecido pela República que, só passava lá de ano em ano, sob a forma de coletor de impostos e do correio; que cruzava aquele trecho uma vez por mês. Um fim-do-mundo, como tantos outros. Oeste. E lá pela estrada poeirenta, castigada pelo tempo ao som agudo de um vento nervoso surge contra o poente cobalto, rosa, laranja anunciando inusitado frio; a pálida silhueta de um viajante cansado. Mais um, como se no mundo houvesse poucos. Um andarilho desalmado. Um canalha da pior qualidade. Ah mundo imbecil, que continua produzindo estes filhos de asnos! Antes já tivesse se explodido; assim nos poupava de mais este desgosto. Lá vem o Barth.

Bartholomew Ashtorn, mercenário mestiço, vinha de longe. Havia esfolado o corpo nos sertões daquela terra dura, buscando fortuna, divertimento e vingança. Era um sobrevivente desgarrado, coração de pedra, esperto, malvado e violento. Seguia por qualquer caminho passível de sobrevivência e redenção que aparecesse, ferrando com a vida de quem lhe soubesse menos no que concerne às qualidades aqui já supracitadas de sua persona. Agora adentrava  ele neste lugar que, assemelhava-se muito à centenas de outros povoamentos abertos nos incríveis campos naturais de esmeralda sem fim. Pasto para gado. Terra de vida selvagem, guerreiros loucos, embriagados e pitorescos. Em quase sua total maioria, vermes imbecis, ignorantes analfabetos e desvalidos. Vaqueiros. Índios. Governo. Pragmatismo. Febres. Misérias. Mazelas. Superstições baseadas em frases feitas e repetição; expostas ao sol de um fim-de-tarde qualquer.

Neste anoitecer de cidadezinha, gritos e gargalhadas oriundas de um saloon distante o receberam; cães vadios também, sendo que um – o mais feio – lhe mostrou os dentes. O cão sarnento, famélico, propriedade de vermes e pulgas, tinha aparência louca. Raivosa. Babento espumante. Gostava de cães, por isto, resolveu gastar uma bala com aquele sofredor. Sacou o pesado revólver opaco rapidamente. Grosso calibre. Atirou na cabeça, mas o velho cão; tinha alguma experiência em levar tiros. Reflexo de esquiva. Tentou correr. A bala endereçada à cabeça, atingiu os quartos traseiros, bem na coluna daquele filho de Deus vulgar que; explodiu em uma nuvem de pelos sarnentos pretos, brancos e castanhos, piolhos, carrapatos, ossos, tripa e sangue. O cão uivando, ainda tentou arrastar-se para longe de seu agressor, valendo-se das patas dianteiras magrinhas. Sobre o cavalo malhado, Barth não achou a cena nada cômica. O animal estava sofrendo. Havia um cinzento índio enforcado poucos metros à frente. Moscas varejeiras faziam festa em seus olhos vítreos esbugalhados. Vermelho negro. Barth sorriu. Quando o cão arrastava-se logo abaixo do morto, atirou uma segunda vez. A bala cortou a corda que enforcava o índio do pescoço comprido, e este, despencou atingindo e esmagando a cabeça do cão com o traseiro.

No estabelecimento ao lado do enforcado, uma porta se abriu e um velho polaco enrugado, banguela, cabelos grisalhos compridos e barba de três dias; vestindo empoeirado fraque preto amassado perguntou:

"Que acontece? Qual é o motivo da bagunça?"

Barth, apontou para o índio e o cão.

"Ah meu bom Deus, até que em fim alguém surge para auxiliar-me. Eu, um pobre velhote... Mas... Calma lá! Calma lá!!! Como em nome do todo poderoso, você conseguiu acertar este cachorro lazarento? Estou tentando matá-lo há anos. E este Xamã... Ah, meu bom senhor... Obrigado, por tirar este maldito peso morto da corda! Me poupou trabalho. Está vendo? O corpo já caiu bem ao lado da lona velha imunda, que será seu caixão. Agora, é só enrolar amarrar e jogar na fossa funda."

O ancião ficou um momento perplexo, parado observando os cadáveres. Esboçando um sorriso ladino, gentilmente grasniu, enquanto cuspia molemente um comprido fio de muco esverdeado vindo de seus pulmões tísicos:

"Parece que agora, ele vai chegar no inferno com um cachorro enfiado no rabo. Kkkkkk. Não espere uma moeda pelo serviço! Sei que estava a se divertir ouviu?" – Disse o velho agente funerário, dando um olhar avarento para Bart, que não respondeu nada. Apenas seguiu adiante sobre o cavalo num passo lento.

Mais à frente, sentiu intenso cheiro de fezes assim como urina animal que, empesteava o imóvel ar viciado naquele ocaso. Bartholomew soube que atrás da rua principal onde estava, havia provavelmente algum estábulo. Seu cavalo necessitava urgentemente de água, banho, ferraduras novas e alimento. Tomou caminho por entre edificações esquálidas. Acabou chegando a lateral de um barracão de madeira velho, escuro, pousada e hospital para animais que, era parte do estábulo de cavalos. Ouviu vindo lá de dentro desta estrutura; som de sexo violento. Estupro. Deixando o cavalo ao lado de um barril cheio de água, atado por longo cabresto a um palanque apodrecido de fungos, devassado pelas intempéries e já coberto pelas primeiras sombras da noite, procurou silencioso por janela aberta. Presumiu que as portas do barracão estavam cerradas, mas sabia que neste mundo, coisas corriqueiras deste tipo; quase sempre aconteciam escancaradamente.

Escalou rapidamente parede dos fundos, valendo-se de velhos barris empilhados e mãos fortes que secas, agarravam lambris, emendas e juntas alcançando estreita janela lá no alto; oito metros acima, indo parar em um mezanino rústico, onde escondia-se algum feno mofado veneno. De lá soube melhor o que acontecia, podendo ver bem, enxergando de posição privilegiada; a origem do som que açoitou sua curiosidade, invocando senso de oportunidade.

Uma moça jovem trêmula e atlética, com palha nos cabelos compridos castanho claro, de belas coxas brancas escuras de sangue que nascia por entre as pernas, estava em pé xingando dois cowboys grandes; avançados na idade que, de calças arriadas riam. Pareciam ter no meio das pernas cabeludas, mais um braço. Amarrado, a um esteio, outro homem, bem obeso, careca e calado observava tudo com o rosto congestionado, sendo o único a perceber o novo integrante daquela tragédia que também; o observava sombrio do andar de cima mezanino.

– Ah malditos! – disse a garota atlética – Filhos de prostitutas bexiguentas! Proxenetas! Vocês enfiaram estas raízes fedidas imundas em mim, desgraçados! Que o diabo os carregue ao mais insensível dos infernos! – neste momento a garota olha para o homem amarrado – E você aí nas cordas, Jedediah covarde maldito e sovina! Porque não lhes entregou as poucas moedas de prata que todos sabem que possui e estão escondidas aquí?! Podias ter me livrado! Afinal, eu era tua! Tua!

Amarrado Jedediah com o rosto afogueado, lavado de ranho e lágrimas cheio de remorso geme, enquanto os dois outros escroques erguem as calças e afivelam cintos. A garota, enfiando um trapo no meio das pernas e, vestindo calçola rendada; baixa o vestido aproximando-se de um pequeno forno de barro, usado para deixar ferro em brasa puxando de dentro dele, ferrão incandescente de marcar gado e grita para um Jedediah boquiaberto:

– De todos os homens no mundo, os que mais odeio acima de todos os outros; são os cobardes avarentos que colocam em risco a integridade física e moral não de si próprios, mas, de suas mulheres amantes, apenas para salvaguardar algum ouro idiota e vil!!! Se isto continuar acontecendo neste mundo estúpido; quem cuidará das lindas e fofas criancinhas? Quem? Ah Jedediah, vou baixar agora tuas calças e te farei cantar fantasticamente, até revelares onde escondes teu coração verdadeiro, amado meu.

Gordo Jedediah, não acreditou. Negou-se a acreditar que ela seria capaz. Jovem, bela e submissa sempre ela foi. Impossível de acontecer. Não cria. Nem quando ela desafivelou seu cinto ou, quando ela baixou suas calças, despindo-o de sua roupa de baixo levemente suada; revelando vasto arbusto grisalho coberto de banha com bolas pequeninas de medo onde só se via a cabeça do falo minúsculo encolhido. Suas dúvidas acentuaram-se quando, ela ao olhar para o ferro, suspirou de insatisfação ao ver que o mesmo, já não encontrava-se mais em brasa incandescente e, por isto, retornou-o ao forno de barro. Mas ela voltou. Voltou e encostou o ferro vermelho em sua cabecinha e passou-o por seu baixo ventre, incendiando completamente seus pentelhos compridos encaracolados – que fumaça esquisita – mas, ainda sim resistia. Só tornou-se um verdadeiro crente; quando ela cravou o ferrão em seus bagos e o empurrou chiando para cima em direção a próstata. Aí sim; ele acreditou de verdade mesmo. E cantou. Cantou fino e cantou grosso. E urinou-se e defecou em jorros nauseabundos por entre as pernas gorduchas. Desta forma, todos alí souberam minuciosamente, onde Jedediah escondeu o que lhe mais valia.

Havia um balde de latão. A mulher o encheu com carvões vivos, do fundo do forno com auxílio de uma pequena pá, enquanto os outros dois escroques observavam curiosamente. Um deles disse:

– Vivien, banho de fogo, não! Trouxe um saco cheio de cascavéis grandes para assustá-lo.
– Ah Sheldon querido, não ligue. Pense em Jedediah como se já estivesse morto. Afinal, fui eu que tive de agüentar este porcão em cima de mim todos estes meses. Sheldon, adoro quando você e o Clive me pegam de jeito; como fizeram hoje. Pena, que estava nos meus dias. Foi maravilhoso. Eu fui uma ótima atriz, não?
– Foi sim Vivien.
– Então, agora deixe divertir-me um pouco ok? Deixa estar. Deixa ser – Insana.

Então, Vivien mergulhou o balde cheio de brasas na cabeça de gordo Jedediah até os ombros e, com o ferrão, cometeu atrocidades naquele corpo que fariam um açougueiro chorar. Foi nesta hora tensa, que Clive três pernas, afastou-se para tirar água do joelho em um canto escuro abaixo do mezanino; escondido atrás de fardos quadrados de feno prensado oitenta quilos. Nem o próprio Clive, nem Vivien, nem Sheldon perceberam quando uma corda fina de couro capturou o mijão pelo pescoço que; esperneando no ar foi erguido, puxado rapidamente para o andar de cima e, concluído silenciosamente. Misericórdia. Com a demora, Sheldon procurou por Clive. Ao chegar na borda do mezanino, encontrou-se é com um fardo que desabou lá de cima entortando-lhe o pescoço na hora. Mas não morreu naquele instante. Provavelmente tetraplégico, estava ainda embaixo do feno prensado sofrendo espetaculares convulsões involuntárias quando, Bartholomew pulou lá do andar superior e, aterrissou com os dois pés sobre aquela situação; usando todo seu peso masculino. Era mais, do que as costelas do grande Sheldon três pernas podiam suportar. De Sheldon, Vivien ainda pode assustada escutar um longo ronco rouco e um estouro, seguido de aroma metano; enquanto o mestiço Ashtorn encarava-a nos olhos.

– Olá Vivien! – murmurou Barth – parece que você tem se divertido muito mas, não divide seus brinquedos com os amigos; e eu também quero brincar. Isto que você fez é muito feio garota. Menina má! Do cinto largo na cintura, ele puxou calmamente vinda de uma bainha enorme de couro, faca de caça artesanal com cabo de osso possuindo vinte centímetros de comprimento por cinco de largura. Afiada como navalha e brilhante como um espelho.

Vivien começou a gritar fugindo. Mas Barth aproximou-se ligeiro e, com um movimento circular extirpou num golpe só da garota atlética o seio direito que, atirou para o outro lado do galpão. Ela tentou ir atrás de sua parte perdida, mas ele lhe passou uma rasteira veloz e empurrando-a fez cair sentada sobre as brasas do forno. Espantada e sentindo-se ardente de repente, a jovem levantou-se desesperada do braseiro com as saias em chamas e foi recebida por Barth com um murro na boca do estômago que lhe tirou os pés do chão. Caiu de costas, rolou de barriga para baixo apagando o fogo. Tentou engatinhar vomitando. Barth novamente, avultou-se sobre ela passando rapidamente a faca ao redor de seu couro cabeludo. Depois agarrou-a pelos os cabelos e pisando firme um pé na base da cabeça dela; extraiu-lhe o escalpo com um puxão vigoroso. O choque da extração foi tão intenso, que Vivien fez a passagem; morrendo na hora. Bart, foi até perto dos portões do galpão que estavam fechados mesmo por dentro. Cavoucou um pouco por alí o chão de terra batida com a faca e, dele retirou um modesto saco de moedas prateadas que, escondeu em seu calção. Removeu o fardo de Sheldon e, colocou a arma que estava no cinturão do morto na mão do mesmo. Jogou Clive lá de cima, colocando na mão direita do mijão, a própria arma dele e na esquerda, o escalpo da moça. Uma faquinha enferrujada encontrada ao léu, foi mergulhada no cadáver de Vivien; montando um cenário engraçado, curiosamente mortal.

Agora partir, a partir de agora. Ouviu um gemido. Era Jedediah. Ainda vivo. Cornudos traídos, pelo visto, sofrem mais pensou. Aproximou-se dele e disse:

– E aí, companheiro? Como está se sentindo?
– Firmão, parceiro. Estou pronto pra outra. Só me faça um favor e me desamarre aquí, que está meio apertado na mão. Podias ter vindo antes, mas, tudo bem. – Sussurrou monstruoso Jedediah incendiado.

Barth riu com ironia maliciosa e atalhou:
– Só está de pé, por estar amarrado pelas axilas Jedediah. Suas mãos, que foram atadas com arame farpado, perderam a circulação ficando irremediavelmente pretas e mortas, só não percebeste isto; por ter ficado insensível e além disto, tua mulher as amputou com ferro em brasa durante a tua tortura.
– Mas eu agüento muita coisa ainda cowboy. Qual é seu nome filho?
– Meu nome não importa, Jedediah. Deixe-me explicar-lhe melhor sua situação. Ferrado! Estás fodido irmão!!! Só não morreste ainda, por ter sido imensamente ferido por ferro em brasa que, cauterizou os ferimentos prevenindo hemorragias, mas virão infecções em breve. Quem lhe fez esta cobardia foi Vivien. Tu sabes, não é?
– Sim, creio que sim, talvez. Mas eu estou me sentindo firmão mesmo parceiro. Cof, cof, cof... Hmpft.
– Ah Jedediah, você é um homem obstinado e teimoso. Veja bem amigão; você está castrado e cagado. Teus testículos caídos sobre suas botinas. Tuas mãos estão negras espalhadas pelo chão. Teus dentes foram todos quebrados. Você não possui mais a orelha esquerda. Seu olho direito explodiu sob alta temperatura. E toda a tua face, cabeça e pescoço estão derretidos e desfigurados irremediavelmente; por causa do carvão incandescente que estava no balde e vejo daqui, algum intestino, saindo pelo umbigo.
– Não é bem assim, amigo sem nome; eu tô firmão parcêro! Acredite! Cof, cof, wooow-argh!
– Olha ô corno reticente, vamos fazer assim; feche bem os olhos e endureça o pescoço que vou te liberar então. Preparado? Você vai ficar bem...

Gordo Jedediah, fez o que lhe foi sugerido. Barth sacou novamente sua faca de caça, cravando-a com toda força total no topo da cabeça daquele ser humano, enfiando-a crânio a dentro; até a ponta ofender os ossos da coluna vertebral da nuca. Para remover sua faca daquela encrenca, teve que usar um alicate de ferraduras que estava por perto. Sentia calor e as calças apertadas, por causa da prata. Controlou-se. Catou o farto saco de couro cheio de serpentes cascavel, jogou-o nos ombros. Subiu para o mezanino e, da janela saltou sobre o lombo de seu forte cavalo malhado, que saciado da sede, o aguardava fielmente lá em baixo. Saiu num galope discreto, pensando em tudo e em nada; enquanto deixava mais um lugar miserável para trás, perdendo-se numa escura e fria noite estrelada perfeita.



The End

sábado, 5 de outubro de 2013

Canibais na Casa de Guy



Para: Lumyah e G. Raphael


Hannah cheia de adesivos de nicotina, dia de folga as oito e trinta e seis da manhã, acordou-me com uma gentil cotovelada e um sorriso sonolento dizendo: “Mister rei preguiçoso! Megalossauro do sedentarismo acorda! Acorda feliz, que hoje é dia de não fazer nada!”

Dei um puxão nela, arrastando-a para o meu lado e logo fui cobrindo sua boca com a minha. Adoro Hannah pelas manhãs. Mesmo sem ter escovado os dentes. Sua boca é uma delícia. O cheiro de suor do seu corpo é muito bom. Fui afastando as pernas dela com as minhas, beijei sua barriga bonita e beijei todo o resto. O que aconteceu depois fica a cargo da sua imaginação porque, não vou contar; mas garanto que foi um prazer. Pelo menos, pra mim.

Levantei-me da grande cama king-size, sentindo nos pés descalços  chão frio de cerâmica. O sistema de arrefecimento de calor da casa estava funcionando a toda. Devia estar um inferno quente dos diabos lá fora.

Minha parceira, ainda deitada feliz na grande cama, gritou para que pudesse ouvi-la da ducha de boca larga do chuveiro: “E ainda tem mais, hoje é dia de almoço na casa de Guy! Eu adoro comer lá na casa dele, do Guy! A gente vamos (vai) né?”

O sabonete perfumado escorregou-me das mãos molhadas ao ouvir Hannah. Foi de alegria. Além de amar, adorar mesmo uma boca livre; Guy era um grande contador de estórias. Gritei:

– Tô dentro! – Ah, mas que dia livre perfeito – Hannah separa um vinho de valor! Caro! Bem caro e de sabor encorpado pra gente levar; que o Guy merece!

Uma hora após o almoço, nós e os outros convidados, batemos palmas rimos e gritamos; ainda dando grandes arrotos enquanto batucávamos a mesa de pedra da sala de jantar de nosso anfitrião. Passamos a fazer isto, depois de uma das histórias dele, na qual o personagem vinha de uma cultura; em que era de bom tom arrotar quando se comia uma ótima e farta refeição. Dando um grito grave, e lançando um copo topado de conhaque numa churrasqueira cheia de brasas próxima a ele; nosso orador nos silenciou com a visão das chamas e a audição de sua voz. Chegara a hora da diversão!

Caso alguém seja fraco de estômago, recomendo que não ouça esta história e nos aguarde na piscina - disse Guy.
Como vocês sabem, dei sorte de ter boa memória e de nascer num grupo que além de ser antigo; passa aos descendentes o hábito de manter alguns registros dos seus; em um discreto mausoléu, onde somente membros podem entrar e é de lá, que retiro pedaços, trechos de acontecimentos passados e tempero de modo subtil, para que meus convidados possam digeri-los agradavelmente. Quanto a mim, as pessoas me perguntam por que dedico tantos esforços a contar histórias. Eu geralmente lhes respondo: “Minha alegria é admirar-lhes as faces enquanto as conto.” Mas no final, bem sei que hei de me tornar uma destas histórias. Toda pessoa é uma história. Igual ou até talvez; melhor do que muitas das que contei à cabeceira desta mesa de pedra.

Um ancestral próximo, que se chamava Legorn, a margem do rio onde seus animais bebiam observava cedinho; neblina que, corria rente a água corrente ligeira cristalina, sassaricando por entre as pedras cinzentas salpicadas de amarelos, beges, negro e verde-musgo. O ar tinha cheiro de rio, luz, grama, árvore e pedra. Dia ensolarado, mas frio. Cheio de promessas de tormenta. Isto ele percebeu, quando contemplou as duas montanhas mais próximas, polvilhadas de neve. Rodeadas de pesadas formações de nuvens. No estreito entre elas, o caminho já estava tomado por vapores e os paredões estavam negros e lisos. Perfeito seria sem nuvens. Daria para esquiar até a planície. Chateado com a possibilidade da nevasca, Legorn disse:

– Nuvens, ah estas coisas que chamam de nuvens... Estas coisas disformes e distantes que chamam de nuvens... Estas coisas que não respeitam a matemática! Dizem ser as nuvens feitas de água, mas água é um metal e metais não deviam voar. Conta-se uma duas três nuvens; aí a terceira se junta a segunda e já não temos três, temos duas. Logo depois, já são apenas uma e depois chovem e ficamos sem nada. Tenho horror a elas! Nuvens tem olhos. Com certeza são criaturas espaciais. Miasmas extraterrestres conscientes e vivos. Vieram em cometas provavelmente. Nuvens são a vingança do hidrogênio, que ao ser queimado vira água.

E de tanto ficar pensando sobre isto, aos poucos ia acreditando mais e mais no que dizia. Cruzou a pequena ponte de pedras claras em forma de arco que, cruzava sua nascente tocando cabras e ovelhas gordas; quando viu a uma boa distancia, quatro de suas lanosas no descampado aos pés da montanha próximo a floresta de altos pinheiros. Mandou um de seus cães arrebanhar as quatro e não viu, pois estavam escondidos, uns bichos famintos próximo às quatro desgarradas.

A um comando seu, os outros dois cães puseram-se a aglomerar o resto do rebanho em um círculo confortável no campo limpo, próximo a pontezinha e; ele pôs-se a caminho das desgarradas. Enquanto isto, proveniente da montanha,  nuvenzinha esparsa deslizou acobertando os animais ainda distantes que buscava. Já bem mais próximo, mas, ainda livre dos braços brancos da neblina ouviu sons de luta e depois, um uivo de dor lancinante. Seu cão havia sido ferido, teve certeza. Correu e mantendo-se no perímetro intermediário entre nuvem e campo, fez mira em uma sombra curvada sobre algo invisível e, atirou com seu rifle de grosso calibre. Em resposta, escutou um berro animalesco que eriçou os seus cabelos da nuca. Nunca fora homem que se pudesse chamar de valente, era antes lógico e pratico. Achava poesia e filosofia coisas inúteis. Era um pragmático, como quase todo homem que vive junto à natureza. Prezava mais que tudo sua integridade física, pois, era mais do trabalho executado por seu corpo diariamente que, tirava o sustento próprio; não de sua mente. Mas havia o cachorro. Não podia abandonar seu cão. Ele o criara e treinara. Muitas vezes o tratava com rispidez, era duro. Mas amava-o. Os cães, eram  companheiros que a vida havia lhe cedido, para que pudesse realizar seu serviço, ter dignidade, alimento, segurança. Por isto, meteu-se cerração adentro, na direção de onde disparara e acertara seu alvo difuso.

Quando chegou a seu objetivo, viu caído de bruços vários metros além do ponto onde seu cachorro ferido gania, um corpo nú coberto de lama negra grudenta e grama e fezes e folhas. Havia atingido a criatura, pois para ele aquilo não era humano, nas costelas que protegem o pulmão. O buraco de entrada era considerável acreditava, mas ainda não o via. Já o de saída nas costas, não era um buraco; era um rombo com mais de um palmo de largura que apresentava ossos lascados, músculos, tecido pulmonar e pedaços do coração em frangalhos; expondo grande parte da coluna vertebral. Com sua bota grossa de couro, chutou o corpo inerte, fazendo-o rolar ficando de barriga para cima confirmando suas pressuposições. O rosto coberto de lama era dotado de um olho mongolóide com grande pupila negra. O outro olho, que havia nascido mal-formado, estava completamente tapado pela sujeira. Os dentes, vistos pela boca entreaberta foram limados em forma de caninos, indicando que aquele ser com certeza; apreciava carne crua. Neste momento, ouviu uma risada de mofa estridente e descontrolada ao seu redor. Não sabia dizer de onde ela vinha, pois, entre as nuvens o som se propaga diferente. Parecia vir de todos os lados e lugar nenhum. Gritou chamando os outros dois cães, sabendo que talvez eles não chegassem a tempo de salvá-lo. Aproximou-se do cão machucado, apontando a arma de fogo para todos os lados.

“Ian! Ian é você? Encontrei seu filho aqui ferido, ele ainda pode ser salvo, venha cá pacificamente e o levaremos ao hospital das cidades. Não se entregue! Não se entregue a vida selvagem Ian! Os Deuses da floresta mentem!”

Foi quando ao ver à frente um vulto distante, resolveu virar-se para o lado oposto, bem no momento em que uma sombra ia mergulhar na sua retaguarda, segundos antes, desprotegida. A criatura estava para pegar seu rifle pelo cano, então atirou naquela mão, mas isto não deteve o vulto. Sentiu uma lâmina fria penetrar nas gorduras laterais da cintura, segurou a mão que a empunhava e foi ao chão com a criatura. Com o outro braço, tentou empurrar o rosto coberto de graxa e lama para longe do seu, mas, levou uma mordida no alto da testa que arrancou o couro cabeludo. Naqueles instantes, enquanto a outra criatura distante aproximava-se, foi tomado por uma ira indignada fria; tão desprovida de emoção que, no diário; Legorn descreve estes momentos, como se visse tudo acontecer fora do corpo. Puxou a faca de caça que estava metida em suas carnes gordas de lado e para baixo, sentindo segundo ele, nada mais que uma fisgada e conduzindo-a para o meio do peito, com a outra mão do outro braço, direcionou a ponta lâmina para o agressor que estava sobre ele. Quando a arma branca ficou em posição adequada, cruzou as pernas na cintura magra da coisa e segurando o cabo da faca agora com as duas mãos, botou para frente esfaqueando seu inimigo no peito e garganta; ficando coberto de um sangue quente e fedido. Neste momento, sentiu garras na cabeça arranhando seu crânio arrastando-o pelos cabelos em busca da carne macia do pescoço. Um grito primitivo de vingança ecoava em seus ouvidos. Não era Ian. Não era não! Aquelas criaturas haviam vindo das nuvens. Demónios condensados por aqueles vapores malditos. Rolou sobre o corpo que o esfaqueara e se pôs de joelhos. Unindo as mãos em um X estendeu os braços pra cima e para fora, livrando-se das garras que lhe afligiam a cabeça, apenas para receber um murro brutal nos peitos que, o lançou por terra sem fôlego. O monstro violento avançava. Legorn já estava em oração entregando sua alma a Deus, quando seus dois outros cachorros; chegaram atacando a criatura com ferocidade jamais vista por ele antes ou depois disto. Começou a engatinhar em estado de choque na direção onde supunha que o rifle estava, achando-o sob o cadáver que lhe havia esfaqueado. Apanhou a arma, colocou uma bala na culatra, levantou-se e foi andando em direção a luta. Com a cerração a dissipar-se, viu seus dois cães cada um com os dentes cravados nos braços da criatura que, não era criatura coisa nenhuma. Era mesmo Ian MacFlag, um idealista sonhador que tempos atrás, trouxe a família (mulher e filho) para viver longe da civilização na mata mais profunda que conseguiu encontrar na região. Seu dinheiro acabou logo nos primeiros anos. Sem dinheiro, sem tecnologia, sem bens materiais. Não conseguiram tirar o sustento da natureza sozinhos. Muitas vezes, nem quem era nascido e criado naquelas terras selvagens conseguia. Enlouqueceram todos. Devem ter enlouquecido. Legorn, com lágrimas nos olhos aproximou-se daquela coisa que um dia fora homem apontou o rifle para a cabeça de Ian MacFlag e disparou. A cabeça de Ian partiu-se como de fosse um ovo, somente o maxilar de baixo ficou preso ao pescoço; enquanto um pedaço do cérebro empoleirou-se em seu ombro por estar ligado a uma membrana ligada à base do crânio. 

Sem a cerração o dia tornou-se de novo azul e claro, mantendo lá no alto promessas de nevascas e tempestades. Meu ancestral cuidou primeiro do ferimento de seus companheiros cachorros, depois de si. Levou os corpos de mula, enrolados em lona, até a casa degradada dos MacFlag nas profundezas da floresta, onde  para seu horror; encontrou restos humanos de viajantes e peregrinos assim como ossadas de ovelhas. Incendiou tudo. Nunca falou disto a ninguém. Deixou este mundo; rico e cheio de filhos. Seu diário só foi aberto depois que morreu. Exatamente como especificado em testamento.