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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Apenas Vingança



Atenção:
Este texto é obra de ficção com violência sem compromisso com a realidade recomendado para maiores de 16 anos.
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Dizem que dar o troco é negativo. Sentimento de júbilo momentâneo que desaparece, assim que o objetivo é atingido.  Não concordo. Perdura. Ecoa pelo mar de eternidade que julgo ser o universo poderoso sobre nossas cabeças, ao redor e dentro de nós. A vingança fez de mim o que sou. Gosto do que me tornei. Sinto-me livre. Verdadeiramente livre. Vingança e liberdade. Aháaah! Ssshuashuashuash!

Cruel e solitária é a franca liberdade, já a vingança fria; é lógica radical alucinante. Extasiante. Acabei tornando-me outra pessoa por causa do desejo de vingança no qual depositei a fé de que saciando-o obteria liberdade para mim e para meus mortos.  Tal processo funcionou e no final, o que verdadeiramente sou chegou a mim. Tive que abandonar muitos costumes. Inevitável. Adquiri outros. Há tanto a dizer. Vejamos...

Covardes e idiotas, dizem que tudo é relativo. Transformam assim suas vidas em um lamaçal para viverem patinando em pensamentos que não levam a lugar nenhum. Apesar de não considerar-me nenhum destes dois tipos, vivendo aprendi que em determinadas circunstâncias; os cretinos estão cobertos de razão.

Os hábitos nos moldam. É engraçado isto. Atividades que realizamos diariamente por anos a fio, nos tornam a pessoa que somos em todos os momentos da vida. Praticando-as ou não. Por isto livrarmo-nos de um mal hábito, coisa que entendo como vicio; é complicado. Difícil. Mas não impossível. Escuros longos caminhos angustiantes, aguardam o corajoso viajante que percorre e quer vencer esta estrada. Depois ficamos tristes e superamos; levando para sempre conosco o cadáver ressecado de um vampírico mal hábito que, passará o resto de nossas vidas aguardando uma pequena oportunidade de gota de sangue para despertar e nos fazer pagar caro por nossa ingrata rebeldia reacionária.

Somos inconscientes do quanto e, supomos erradamente o modo como hábitos fazem de nós o que somos; devido não à falta de cultura, mas pelo excesso de informação; que a escola engarrafa e encaixota, isto é; a forma ignóbil, hipócrita e traiçoeira que fomos ensinados a pensar a respeito de tudo.

Ensinam-nos o jeito certo de nos vermos, o que querer e principalmente, aprendemos sobre os motivos que justificam e enaltecem nossas práticas diárias para o sucesso. Mas esquecem de dizer que sucesso é uma ficção e que a vida humana não é uma novela com final feliz; porque a vida biológica das pessoas, prossegue humilde indefinidamente sem incomodar-se nem deter-se para receber honrarias até que o acaso, a velhice, doenças ou o próximo; interrompem o processo da vida levando-nos todos a desintegração.  O hábito ou costume é uma atividade que, transforma-se em rotina, mas, não apenas isto. Depois vira vício. Nosso corpo e mente viciam-se em ser de determinada maneira. Sabia que, certas pessoas ao abandonarem rotinas praticadas durante muitos anos; enlouquecem a ponto de não saberem mais quem são e, qual seria o seu lugar na própria vida que estabeleceram para si próprios? Sabe? Não sabe? Quer saber? Foda-se! Vou te falar!

Quando Noah Spotter Grimes, Bloody Grimes me feriu através da minha família; ví que o troco seria algo muito simples. Não haveria neste mundo, vingança proporcional ao que me foi roubado. Sofrimento indescritível. Soube logo de cara. Restava-me apenas, mera e humildemente; matá-lo sem acabar numa prisão. Para depois, pelo resto da vida que vivesse; caçar e matar todos os que fossem como ele. Sem exceção. Decidi assim. Bem ou mal, positivo ou negativo não importava mais. Não importa mais.

Mas naquela época, eu não sabia a extensão dos fatos. Era verde. Pode-se dizer que sentia ódio, mágoa por ter sido privado dos meus objetos de afeto, da minha própria identidade. A gente só sabe quem é, pelo tanto que significamos para os outros. Especialmente nossa família. Eu penso assim. Ou pensava. Muita coisa mudou. Muita coisa mudou mesmo. Depois de dias passados somados a semanas que, fecharam meses os quais encerraram estações gestando em mim, já não mais homem e sim, o fim-do-mundo; uma bela cristalina e cintilante singularidade.

Destaquei-me, primeiro involuntariamente depois conscientemente, do mundo habitual conhecido. Saltei fora, como uma gravura picotada é destacada da revista de papel. Deixei de consumir. Continuo indo ao banco do hipermercado. É necessário, mas, não sinto mais prazer algum em compra e venda.

Abateu-se sobre minhas carnes e meu eu interior, um silêncio pacífico. Semi apático ostracismo furioso.

Não sobrou nenhum hábito. Conseqüência de um, dos muitos “entendimentos” ou insights (sabedorias) que vieram posteriormente. Estou falando de vícios. Nasci sem eles. Isto é entendimento. Eu, você e todos. Meu corpo encheu-se de saúde e força, enquanto para o resto do mundo; tornava-me invisível.

Por vezes acho que perdi a lucidez ou, vivo uma lucidez diferente da definida nas enciclopédias e por profissionais da psiquê. A cada dia que passa, tudo fica mais claro e claro. Todas as atividades realizadas pelas pessoas que observo movendo-se neste mundo, por mim; são interpretadas sempre de modo não convencional. Observo indivíduos inseridos em totalidades. Avaliar os riscos gerados pelo movimento e atitudes individuais de uma pessoa ou grupo ficou fácil. A maioria dos viventes, não sabe o que faz. Eu entendo o verdadeiro motivo do garoto sair para comprar pão pela manhã, enquanto o gato da vizinha o observa pela janela e o ônibus quase o atropela passando apressado fazendo uma curva aberta demais numa manhã chuvosa e fria, não fosse alguém ter grudado com cola; moeda dourada na calçada em frente a casa dele.

O mundo inteiro me ajudou nisto de ser esquecido. Obrigado. Ninguém gosta de tragédia real. As pessoas não querem ter contato com a verdadeira desgraça alheia; primeiro porque ela fede. Mais? Extrapola a pré-concebida medida razoável do desespero; prova por A + B que ninguém está livre disto e, ela pode acontecer (e acontece mesmo) com qualquer um.

Por fim, tanto lhe disse que, vejo-me obrigado a iniciar a história. Estas afirmações, remetem-me ao começo de tudo. Alice minha querida. O assassino sem face. Minha busca. O dia, em que meus três filhos desapareceram. 

No dia fatídico em que meus três meninos sumiram. Lembro bem que foi pleno exibindo em seu decorrer; todas as estações do ano. Esplêndido para um fotógrafo, mas, péssimo para que pistas fossem preservadas. Ótimo para apagar rastros e enfraquecer uma família, um bairro; uma chama. Mas não, não devo desconcentrar-me. Existe uma ordem de acontecimentos e sensações. Existem paisagens, odores, dores, luzes, sombras, sentimentos e eu perdendo e perdendo perdido no meio de tudo. Para mim aconteceu assim:

Antes de amanhecer ainda havia resquício de lua redonda próxima a linha pitoresca de um horizonte azul porém, esfumado dispersando luz nas nuvens tingindo-as de rosa amarelo e laranja prometendo em breve; alvo claro sol implacável. Eu não havia pregado o olho a noite inteira. Estava de luto. Alice minha companheira, tinha cometido suicídio assim dizia a policia, havia dez dias apenas. Eu estava amanhecendo o décimo primeiro dia sozinho em nosso quarto, sob a influência de Cetamina, um anestésico. Vestia calças negras, cinto de couro escuro, camisa de manga comprida amarela e mocassins de couro claro. Esperava imóvel que o dia, dispersa-se minhas moléculas pelo ar matutino viçoso. Ambicionava a desintegração. Suave luz azulada, espalhava lembranças pelo ambiente. Desconstruía a madrugada como se fosse ela, um medo a ser banido para o éter surdo de uma lucidez impossível. Sentado no final da cama de casal impecavelmente arrumada, eu era observado pela paisagem semi-sombria. As luzes de um avião piscavam zombeteiras, bem alto, bem longe. Surgia brilho por entre  sobrados velhos e longos telhados robustos. Vista oferecida pelas escancaradas portas de madeira branca e vidro que davam para a sacada do que um dia, foi nosso quarto. Meu e de Alice.

Alguém bateu na porta. Era Lara minha sogra. Queria falar comigo. Queria falar comigo e chamar-me para o café. Esta era a deixa. Eu devia passar uma água no rosto, conversar com ela e ir ter com os meninos que, provavelmente já estavam de pé e preparavam-se para ir a Igreja, depois o cemitério e por fim a escola. Eu estabeleci para eles esta rotina. Íamos a igreja, orávamos por Alice e pensávamos o que quiséssemos. Em certos dias, rezávamos e acendíamos velas, em outros; xingávamos e cuspíamos em Santos. Depois confessávamo-nos e éramos perdoados. Se deus existir ganhamos tudo, caso não; nada perdemos e ainda extravasamos. Sorri para Lara e a abracei com um braço enquanto com o outro segurava-me a um alto gaveteiro de oito gavetas que mantinha trancado. Por baixo da minha roupa bonita de mangas compridas, curativos e bandagens. Sentia todo meu corpo machucado, dolorido. Surrado. Agonia.

Alice morreu em um motel da cidade baixa. Rodeada de drogas. Sozinha. Dizem eles os falastrões de plantão que, empesteiam nosso mundo com suas frivolidades. Ignorantes preguiçosos inimigos da clareza. Malditos sejam mil vezes, e que apodreçam no mais terrível inferno; enfiados bem fundo no rabo do capeta. Minha Alice jamais! Idiotas filhos da mãe. A mordida que ela mesma deu em seu braço esquerdo, diz: “fui assassinada”. Mensagem apenas para mim. Alice morreu ao meu lado na cama. Fui acordado pelo disparo de vinte e dois. Fofocam as pessoas. A tudo distorcem os burros idiotas. Alice, jogou-se da sacada do nosso sobrado e, partiu a coluna cervical nos paralelepípedos da rua morrendo asfixiada. Alice fez a passagem na água morna da banheira cortando os pulsos. Por aí vai. E vai... E...

Disfarçado pelas ruas do bairro, já escutei e encorajei todo tipo de especulação. Ontem agindo incógnito como quem não quer nada, fui recompensado pela resposta correta; vinda de um jovem alto e não muito amigo de chuveiros, momentos antes de fecharem a última padaria. O segui. Ele morava num quarto e sala, colado anexo a um grande casarão abandonado, num escuro estreito beco próximo. Entrou em sua morada e fechou a porta. O céu noturno trovejou cuspindo luzes molhadas. Desatou a chover. Dois minutos depois, arrombei a porta na pernada. O cara estava à beira de uma mesa pequena, com a boca cheia de pão. Ao mesmo tempo fumava. Havia uma pia cheia de louça suja, geladeira, um fogão âmbar de gordura. Armário baratas. O chão sujo granulado, estralou sob meu caminhar quando arregalado saltei desesperadamente sobre ele; fazendo a mesa abrir as pernas com meu peso desequilibrando-o. Partimos em pedaços a cadeira onde ele descansava o esqueleto com a soma de nossas massas. Caímos embolados pelo chão. Senti faquinha de cabo de plástico usada para cortar pão penetrando na minha perna. O filho da puta, estava me esfaqueando. Esfaqueando! Segurei a mão que me ofendia, mantendo a faca enterrada na coxa. Com os dentes mordi seu nariz aquilino pontudo até sentir a cartilagem romper-se e minha boca encher-se de ranho e sangue. Desarmei-o. Joguei a faca na direção da pia para que fosse lavada e levantei-me lívido, com o rosto rubro de sangue num tranco, arrastando pelos cabelos o infeliz que esperneava, para dentro do banheiro onde tranquei a porta e enfiei sua cabeça pensante de caspa, no vaso sanitário enquanto lhe torcia um braço. Você me contará tudo seu imundo maldito. Tudo!!!

– Alice morreu na cozinha! – Disse ele, o Grimes e, eu respondi que sim.  O safado sabia que estava fodido.

– Ela não tirou a própria vida, não é? – Perguntei congestionado de fúria mas procurando alívio.  Ao que ele retrucou que não. Ele disse que a morte de Alice não tinha como ser suicídio porque ele, Noah Spotter Grimes a tinha matado e mataria mais. Lamentava-se por Alice não ter tido a chance de viver mais duas vidas, pois ele adoraria acabar com ela novamente. Era isto que o fazia seguir em frente. Matar. 

Eu e Alice quando jovens havíamos feito um pacto. Para casos de assassinato. Caso um de nós morresse assassinado, uma mordida no braço direito indicaria que o matador era conhecido. Se fosse desconhecido, mordida no braço esquerdo. 

No dia do fim-do-mundo de Alice ele a atraiu usando ruído. Ficou dando petelecos a cada dez segundos num copo de cristal na cozinha. Meu sono é de pedra, então quem apareceu para conferir a origem do som de arma em punho foi ela. Ele a pegou desprevenida por trás. Na cozinha coberta pela penumbra e banhada por fraca opaca luz fluorescente verde vinda de dispositivos eletrônicos. Ele usou nosso revolver Apache. Um revolver que ao invés de cano apresenta lâmina de punhal e a coronha é soco inglês. Tapou-lhe a boca com uma das mãos. Com a outra, guiou o Apache contra a cabeça da dona e entrelaçando seus dedos com os dedos dela primiu o gatilho. E foi o fim de minha vida Alice que antes de partir cumpriu sua parte do pacto. Aí ele atirou cadeira de ferro contra janela de vidro fumê, fugindo noite adentro pela abertura. As pessoas acreditam no que querem acreditar e sempre confundem a ordem das coisas. Agora estava em minhas mãos. E então, ele riu. De dentro de suas risadas naquele corpo magro, surgiu força inexplicável e ele ergueu a cabeça d’água fétida castanha. Lançou-se para cima e para trás comigo agarrado nele. Minhas costas explodiram um grande espelho fixado na parede encardida do banheiro e o atravessamos, caindo dentro de um ambiente secreto oculto. Estávamos no grande casarão abandonado, covil anexo ao quarto e sala de Bloody Grimes. Havia pessoas secas  acorrentadas nas paredes. Rolei pelo chão bolorento. Minha mão foi parar sobre um tijolinho de barro cozido maciço. O fiz  explodir contra o maxilar de Grimes que, cuspiu dentes e atingiu-me com a canela da perna comprida minha têmpora, antes de ir ao chão novamente. Tonto com o chute e irado cambaleei praguejando contra o assassino procurando algo para bater. Encontrei um bom pedaço de grossa corrente enferrujada disponível no chão repleto de detritos esterco de ratazana. Catei ela prontamente. Ao ver o que tinha achado, Grimes deu um guincho magoado afastando-se de rastos sem me dar as costas. “Agora você vai ver o que é bom Grimes, meu camaradinha!!!” – Rosnei para ele que, tinha chegado a um pequeno armário de ferro encostado a uma parede coberta de limo e teias de aranha marrom cabeluda. O safadão, ia abrindo a portinha deste armário e enfiando a mão quando, lhe dei uma bruta correntada que arrancou faíscas do armário de ferro aparando-lhe a sujidade das unhas, fazendo-o gritar como se fosse uma menininha. No processo, algo que ele havia pego escapou de seus dedos e, subiu rodopiando para o alto voando no ar úmido poeirento recortado de fachos de luz do casarão. Parecia uma chave e ao mesmo tempo; arma de fogo. Peguei o troço em pleno ar e com apenas um ligeiro golpe de vista, minha inteligência compreendeu a utilização daquele objeto de funções antagônicas. Aprisionar e libertar. Era uma chave lavrada em um cano de ferro calibre 22 onde, na empunhadura feita para facilitar o movimento de tranca da porta de uma prisão provavelmente; havia também um gatilho que iniciava o processo de disparo de uma única bala de chumbo. Enfiei a chave em um dos globos oculares de Grimes. Girei a bicha lá dentro pensando se, conseguiria destrancar-lhe o cérebro; enquanto ele enchia as calças de melaço. Depois, de posição dominante disparei de cima para baixo, ainda girando chave em sua fechadura ocular; e mais uma bala conheceu o aconchego do corpo. Furou a carne mole do palato, também a língua e pelancas do maxilar inferior; indo parar encravada nos ossos do externo em seu peito. Minha gente, espirrou uma enormidade de sangue e baba tão grande; que só vendo para crer. Impressionante. Mas ele não morreu. Não soube deste fato na hora; por estar em estado de choque e histeria. A quantidade de violência perpetrada por ele e eu, fora tão grande e intensa para minha pessoa que, meu cérebro embotou os pensamentos e passei a acreditar não na realidade do que via mas sim, no que queria acreditar. Vi Grimes morto mas movendo-se havia de estar pois, após eu abandonar aquelas masmorras imundas, cruzar o banheiro vermelho de sangue; tropeçar nos móveis destruídos da sala, levei a mão aos bolsos da calça e agradeci a Deus. Meu aparelho de comunicação especial estava lá ainda. Uma sombra encharcada me esperava evaporando água do corpo quente no umbral da porta de saída daquele pardieiro. Vestia-se com uniforme de carteiro. O carteiro barbado que havia algum tempo, entregava a correspondência na nossa casa. Com um movimento repentino ele arrancou do rosto a barba postiça, olhou-me com os mesmos olhos que eu acabava de deixar mortos para trás. Mas não podia ser possível. Um dos olhos eu havia furado e atirado mas agora estavam perfeitos. Ronco profundo surgiu do peito da figura sombria e ela zurrou junto com a tempestade:

– Grimes! Eternamente Grrrrrrrimmmmmesss!!! – Senti o primeiro murro trincar alguns de meus dentes. Pedalando no ar, Grimes deslocou um de meus joelhos que, voltou ao lugar na base do baque surdo quando, uma patada dele explodiu em minha virilha e caí de joelhos. Lutador. Magoadíssimo de dor, retirei a mão do bolso e apontei para ele meu comunicador que assemelha-se a um aparelho celular do ano de dois mil e cinco que, além de se comunicar, também dispara quatro tiros. O descarreguei em Grimes esperando desesperadamente que, ele morresse e, ficasse morto desta vez para sempre. Por graça divina, não errei um. Ele assustado sacudiu-se ao som e impacto dos tiros. Parecia revoltado como um insatisfeito dançarino endemoniado em brasas ou agulhas envenenadas de ódio, fúria e desespero espirrando água da chuva, carne, vômito e sangue arterial para todos os lados enquanto; batendo-se pelas paredes gritava a plenos pulmões seu próprio nome e me amaldiçoava.

Ao final de tão dramática performance, tomado por convulsão dura de pedra caiu mortinho da Silva pelo chão de sua morada devassada repleta de dejetos; enquanto eu cruzando por sobre seu cadáver inútil, ganhava a liberdade gelada da rua estreita do beco, onde chovia cântaros que lavavam meus ferimentos, meu fedor de medo; minhas lágrimas amargas agora invisíveis misturadas com água de chuva noturna. Tudo isto, apenas para encontrar novamente Grimes me encarando lá no início do beco. De seu longo sobretudo cinza encharcado ele fez surgir um lançador de foguetes portátil. Enquanto o apontava para mim e gritava seu nome novamente, eu fiz o que qualquer um faria. Dei no pé, voltando para trás pelo caminho de onde vim. Foi uma coisa boa para minha sanidade ter feito isto. Durante a carreira, pude ver que um dos Grimes que  supunha ter abatido, havia encontrado o outro Grimes e ao tentar ajudar, acabou morrendo sobre o outro. Então Grimes estava sobre Grimes, coberto por seu próprio sangue; em uma posição por assim dizer no mínimo, incestuosa. Mas isto logo evaporou-se do meu pensamento; quando rebolei meio descoordenado quicando na parede do banheiro e me metendo de qualquer jeito masmorra adentro, enquanto o calor da explosão carcomia tudo o que havia deixado para trás incinerando os fatos. Aquela construção antiga era grande. Longa. Escura. Escondido esperei e considerei o acontecido até o momento; quando um tempo depois consegui interceptar e capturar o terceiro Grimes. Estava segurando uma ratazana viva que silenciosa mordia furibundamente o pano que a enrolava numa mão e na outra, um gancho comprido de aço dobrado em mesa de prego muito usado em construção; quando ele surgiu do lugar por onde menos o esperava. Sobre mim. Eu estava dentro de uma fossa seca coberta por um tablado. Ele tinha vindo pelo telhado movendo-se como um macaco nos caibros do vigamento. Daí para eu enfiar-lhe a ratazana pelas pernas de sua calça adentro não foi nada. Grimes sentindo as garras e os beijinhos daquela bicha malvada, largou prontamente seu lançador portátil no chão e saiu rolando pelo pó tentando salvar as bolas de seu saco cabeludo fedido. Larguei também meu gancho e, saindo da fossa tomei posse do lançador. Voltei para dentro dela e fiquei fazendo mira observando Grimes que, se afastava rolando ainda pelo chão em seu combate feroz até, que ele conseguiu pega-la pelo pescoço. Abriu a braguilha e foi retirando-a suada lentamente de dentro das calças. Coisa degradante e escrota de se ver. Ela a ratazana, deve ter feito os maiores estragos neste Grimes por que, ele de tão furioso com ela lhe arrancou a cabeça com uma só mordida. Nesta hora eu o chamei e disse:
– Ô Grimes?! Quem são vocês? Por que matou Alice? Foi só um? Ou foram os três? Trigêmeos huh?
Ele limitou-se a arreganhar os dentes e gritar para mim:
– Grrrrriiimmmmmes vai fazer com que se arrependa de ter nascido!!!
– Já matei dois. Você será o terceiro. Tem mais?

Ele começou a rir. Gargalhava. Eu tolo idiota?

Neste momento, simplesmente acionei o dispositivo pressionando o gatilho escondendo-me na fossa rasa e seca enquanto tudo vinha abaixo. Instantes depois facilmente me vi livre dos escombros e achei meu caminho pra casa. Já lhes contei como amanhecí. Lhes disse também que Lara minha sogra foi chamar-me em meu quarto para acordar as crianças. O que não contei ainda, é que quando Lara e eu chegamos ao quarto dos meninos, eles não estavam mais lá. Que enquanto eu matava Grimes, Grimes na calada da noite raptava meus filhos. Eu procurava embaixo da cama enquanto Lara ia na direção das portas do armário que abriram-se sozinhas com força. De lá de dentro veio novamente Grimes agora vestido de preto e usando um DIY Wrist Crossbow, potente besta de pulso auto recarregável que dispara pequenas flechas de aço mortíferas. Lara recebeu quatro delas em rápida seqüência. Uma na testa, nos dois globos oculares que perderam-se lá dentro daquela imensidão e uma no coração que deixou apenas as penas à mostra. As pequenas setinhas deviam estar com sedativo muito forte pois venceu a química da Cetamina e me pôs para dormir. Acordei um tempo depois no porão úmido de uma delegacia com um investigador bruto dando na minha cara. Foi bem complicado sair dali, mas isto fica para outra história um dia quem sabe. Será o mundo repleto deles?


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

INCENDIANDO JEDEDIAH



quarta-feira, outubro 16, 2013

Atenção:
Esta é uma obra de ficção fundamentada na violência sem qualquer compromisso com a realidade recomendada para maiores de 16 anos

Por: gu1le

Era uma vez, um lugar quase esquecido pela República que, só passava lá de ano em ano, sob a forma de coletor de impostos e do correio; que cruzava aquele trecho uma vez por mês. Um fim-do-mundo, como tantos outros. Oeste. E lá pela estrada poeirenta, castigada pelo tempo ao som agudo de um vento nervoso surge contra o poente cobalto, rosa, laranja anunciando inusitado frio; a pálida silhueta de um viajante cansado. Mais um, como se no mundo houvesse poucos. Um andarilho desalmado. Um canalha da pior qualidade. Ah mundo imbecil, que continua produzindo estes filhos de asnos! Antes já tivesse se explodido; assim nos poupava de mais este desgosto. Lá vem o Barth.

Bartholomew Ashtorn, mercenário mestiço, vinha de longe. Havia esfolado o corpo nos sertões daquela terra dura, buscando fortuna, divertimento e vingança. Era um sobrevivente desgarrado, coração de pedra, esperto, malvado e violento. Seguia por qualquer caminho passível de sobrevivência e redenção que aparecesse, ferrando com a vida de quem lhe soubesse menos no que concerne às qualidades aqui já supracitadas de sua persona. Agora adentrava  ele neste lugar que, assemelhava-se muito à centenas de outros povoamentos abertos nos incríveis campos naturais de esmeralda sem fim. Pasto para gado. Terra de vida selvagem, guerreiros loucos, embriagados e pitorescos. Em quase sua total maioria, vermes imbecis, ignorantes analfabetos e desvalidos. Vaqueiros. Índios. Governo. Pragmatismo. Febres. Misérias. Mazelas. Superstições baseadas em frases feitas e repetição; expostas ao sol de um fim-de-tarde qualquer.

Neste anoitecer de cidadezinha, gritos e gargalhadas oriundas de um saloon distante o receberam; cães vadios também, sendo que um – o mais feio – lhe mostrou os dentes. O cão sarnento, famélico, propriedade de vermes e pulgas, tinha aparência louca. Raivosa. Babento espumante. Gostava de cães, por isto, resolveu gastar uma bala com aquele sofredor. Sacou o pesado revólver opaco rapidamente. Grosso calibre. Atirou na cabeça, mas o velho cão; tinha alguma experiência em levar tiros. Reflexo de esquiva. Tentou correr. A bala endereçada à cabeça, atingiu os quartos traseiros, bem na coluna daquele filho de Deus vulgar que; explodiu em uma nuvem de pelos sarnentos pretos, brancos e castanhos, piolhos, carrapatos, ossos, tripa e sangue. O cão uivando, ainda tentou arrastar-se para longe de seu agressor, valendo-se das patas dianteiras magrinhas. Sobre o cavalo malhado, Barth não achou a cena nada cômica. O animal estava sofrendo. Havia um cinzento índio enforcado poucos metros à frente. Moscas varejeiras faziam festa em seus olhos vítreos esbugalhados. Vermelho negro. Barth sorriu. Quando o cão arrastava-se logo abaixo do morto, atirou uma segunda vez. A bala cortou a corda que enforcava o índio do pescoço comprido, e este, despencou atingindo e esmagando a cabeça do cão com o traseiro.

No estabelecimento ao lado do enforcado, uma porta se abriu e um velho polaco enrugado, banguela, cabelos grisalhos compridos e barba de três dias; vestindo empoeirado fraque preto amassado perguntou:

"Que acontece? Qual é o motivo da bagunça?"

Barth, apontou para o índio e o cão.

"Ah meu bom Deus, até que em fim alguém surge para auxiliar-me. Eu, um pobre velhote... Mas... Calma lá! Calma lá!!! Como em nome do todo poderoso, você conseguiu acertar este cachorro lazarento? Estou tentando matá-lo há anos. E este Xamã... Ah, meu bom senhor... Obrigado, por tirar este maldito peso morto da corda! Me poupou trabalho. Está vendo? O corpo já caiu bem ao lado da lona velha imunda, que será seu caixão. Agora, é só enrolar amarrar e jogar na fossa funda."

O ancião ficou um momento perplexo, parado observando os cadáveres. Esboçando um sorriso ladino, gentilmente grasniu, enquanto cuspia molemente um comprido fio de muco esverdeado vindo de seus pulmões tísicos:

"Parece que agora, ele vai chegar no inferno com um cachorro enfiado no rabo. Kkkkkk. Não espere uma moeda pelo serviço! Sei que estava a se divertir ouviu?" – Disse o velho agente funerário, dando um olhar avarento para Bart, que não respondeu nada. Apenas seguiu adiante sobre o cavalo num passo lento.

Mais à frente, sentiu intenso cheiro de fezes assim como urina animal que, empesteava o imóvel ar viciado naquele ocaso. Bartholomew soube que atrás da rua principal onde estava, havia provavelmente algum estábulo. Seu cavalo necessitava urgentemente de água, banho, ferraduras novas e alimento. Tomou caminho por entre edificações esquálidas. Acabou chegando a lateral de um barracão de madeira velho, escuro, pousada e hospital para animais que, era parte do estábulo de cavalos. Ouviu vindo lá de dentro desta estrutura; som de sexo violento. Estupro. Deixando o cavalo ao lado de um barril cheio de água, atado por longo cabresto a um palanque apodrecido de fungos, devassado pelas intempéries e já coberto pelas primeiras sombras da noite, procurou silencioso por janela aberta. Presumiu que as portas do barracão estavam cerradas, mas sabia que neste mundo, coisas corriqueiras deste tipo; quase sempre aconteciam escancaradamente.

Escalou rapidamente parede dos fundos, valendo-se de velhos barris empilhados e mãos fortes que secas, agarravam lambris, emendas e juntas alcançando estreita janela lá no alto; oito metros acima, indo parar em um mezanino rústico, onde escondia-se algum feno mofado veneno. De lá soube melhor o que acontecia, podendo ver bem, enxergando de posição privilegiada; a origem do som que açoitou sua curiosidade, invocando senso de oportunidade.

Uma moça jovem trêmula e atlética, com palha nos cabelos compridos castanho claro, de belas coxas brancas escuras de sangue que nascia por entre as pernas, estava em pé xingando dois cowboys grandes; avançados na idade que, de calças arriadas riam. Pareciam ter no meio das pernas cabeludas, mais um braço. Amarrado, a um esteio, outro homem, bem obeso, careca e calado observava tudo com o rosto congestionado, sendo o único a perceber o novo integrante daquela tragédia que também; o observava sombrio do andar de cima mezanino.

– Ah malditos! – disse a garota atlética – Filhos de prostitutas bexiguentas! Proxenetas! Vocês enfiaram estas raízes fedidas imundas em mim, desgraçados! Que o diabo os carregue ao mais insensível dos infernos! – neste momento a garota olha para o homem amarrado – E você aí nas cordas, Jedediah covarde maldito e sovina! Porque não lhes entregou as poucas moedas de prata que todos sabem que possui e estão escondidas aquí?! Podias ter me livrado! Afinal, eu era tua! Tua!

Amarrado Jedediah com o rosto afogueado, lavado de ranho e lágrimas cheio de remorso geme, enquanto os dois outros escroques erguem as calças e afivelam cintos. A garota, enfiando um trapo no meio das pernas e, vestindo calçola rendada; baixa o vestido aproximando-se de um pequeno forno de barro, usado para deixar ferro em brasa puxando de dentro dele, ferrão incandescente de marcar gado e grita para um Jedediah boquiaberto:

– De todos os homens no mundo, os que mais odeio acima de todos os outros; são os cobardes avarentos que colocam em risco a integridade física e moral não de si próprios, mas, de suas mulheres amantes, apenas para salvaguardar algum ouro idiota e vil!!! Se isto continuar acontecendo neste mundo estúpido; quem cuidará das lindas e fofas criancinhas? Quem? Ah Jedediah, vou baixar agora tuas calças e te farei cantar fantasticamente, até revelares onde escondes teu coração verdadeiro, amado meu.

Gordo Jedediah, não acreditou. Negou-se a acreditar que ela seria capaz. Jovem, bela e submissa sempre ela foi. Impossível de acontecer. Não cria. Nem quando ela desafivelou seu cinto ou, quando ela baixou suas calças, despindo-o de sua roupa de baixo levemente suada; revelando vasto arbusto grisalho coberto de banha com bolas pequeninas de medo onde só se via a cabeça do falo minúsculo encolhido. Suas dúvidas acentuaram-se quando, ela ao olhar para o ferro, suspirou de insatisfação ao ver que o mesmo, já não encontrava-se mais em brasa incandescente e, por isto, retornou-o ao forno de barro. Mas ela voltou. Voltou e encostou o ferro vermelho em sua cabecinha e passou-o por seu baixo ventre, incendiando completamente seus pentelhos compridos encaracolados – que fumaça esquisita – mas, ainda sim resistia. Só tornou-se um verdadeiro crente; quando ela cravou o ferrão em seus bagos e o empurrou chiando para cima em direção a próstata. Aí sim; ele acreditou de verdade mesmo. E cantou. Cantou fino e cantou grosso. E urinou-se e defecou em jorros nauseabundos por entre as pernas gorduchas. Desta forma, todos alí souberam minuciosamente, onde Jedediah escondeu o que lhe mais valia.

Havia um balde de latão. A mulher o encheu com carvões vivos, do fundo do forno com auxílio de uma pequena pá, enquanto os outros dois escroques observavam curiosamente. Um deles disse:

– Vivien, banho de fogo, não! Trouxe um saco cheio de cascavéis grandes para assustá-lo.
– Ah Sheldon querido, não ligue. Pense em Jedediah como se já estivesse morto. Afinal, fui eu que tive de agüentar este porcão em cima de mim todos estes meses. Sheldon, adoro quando você e o Clive me pegam de jeito; como fizeram hoje. Pena, que estava nos meus dias. Foi maravilhoso. Eu fui uma ótima atriz, não?
– Foi sim Vivien.
– Então, agora deixe divertir-me um pouco ok? Deixa estar. Deixa ser – Insana.

Então, Vivien mergulhou o balde cheio de brasas na cabeça de gordo Jedediah até os ombros e, com o ferrão, cometeu atrocidades naquele corpo que fariam um açougueiro chorar. Foi nesta hora tensa, que Clive três pernas, afastou-se para tirar água do joelho em um canto escuro abaixo do mezanino; escondido atrás de fardos quadrados de feno prensado oitenta quilos. Nem o próprio Clive, nem Vivien, nem Sheldon perceberam quando uma corda fina de couro capturou o mijão pelo pescoço que; esperneando no ar foi erguido, puxado rapidamente para o andar de cima e, concluído silenciosamente. Misericórdia. Com a demora, Sheldon procurou por Clive. Ao chegar na borda do mezanino, encontrou-se é com um fardo que desabou lá de cima entortando-lhe o pescoço na hora. Mas não morreu naquele instante. Provavelmente tetraplégico, estava ainda embaixo do feno prensado sofrendo espetaculares convulsões involuntárias quando, Bartholomew pulou lá do andar superior e, aterrissou com os dois pés sobre aquela situação; usando todo seu peso masculino. Era mais, do que as costelas do grande Sheldon três pernas podiam suportar. De Sheldon, Vivien ainda pode assustada escutar um longo ronco rouco e um estouro, seguido de aroma metano; enquanto o mestiço Ashtorn encarava-a nos olhos.

– Olá Vivien! – murmurou Barth – parece que você tem se divertido muito mas, não divide seus brinquedos com os amigos; e eu também quero brincar. Isto que você fez é muito feio garota. Menina má! Do cinto largo na cintura, ele puxou calmamente vinda de uma bainha enorme de couro, faca de caça artesanal com cabo de osso possuindo vinte centímetros de comprimento por cinco de largura. Afiada como navalha e brilhante como um espelho.

Vivien começou a gritar fugindo. Mas Barth aproximou-se ligeiro e, com um movimento circular extirpou num golpe só da garota atlética o seio direito que, atirou para o outro lado do galpão. Ela tentou ir atrás de sua parte perdida, mas ele lhe passou uma rasteira veloz e empurrando-a fez cair sentada sobre as brasas do forno. Espantada e sentindo-se ardente de repente, a jovem levantou-se desesperada do braseiro com as saias em chamas e foi recebida por Barth com um murro na boca do estômago que lhe tirou os pés do chão. Caiu de costas, rolou de barriga para baixo apagando o fogo. Tentou engatinhar vomitando. Barth novamente, avultou-se sobre ela passando rapidamente a faca ao redor de seu couro cabeludo. Depois agarrou-a pelos os cabelos e pisando firme um pé na base da cabeça dela; extraiu-lhe o escalpo com um puxão vigoroso. O choque da extração foi tão intenso, que Vivien fez a passagem; morrendo na hora. Bart, foi até perto dos portões do galpão que estavam fechados mesmo por dentro. Cavoucou um pouco por alí o chão de terra batida com a faca e, dele retirou um modesto saco de moedas prateadas que, escondeu em seu calção. Removeu o fardo de Sheldon e, colocou a arma que estava no cinturão do morto na mão do mesmo. Jogou Clive lá de cima, colocando na mão direita do mijão, a própria arma dele e na esquerda, o escalpo da moça. Uma faquinha enferrujada encontrada ao léu, foi mergulhada no cadáver de Vivien; montando um cenário engraçado, curiosamente mortal.

Agora partir, a partir de agora. Ouviu um gemido. Era Jedediah. Ainda vivo. Cornudos traídos, pelo visto, sofrem mais pensou. Aproximou-se dele e disse:

– E aí, companheiro? Como está se sentindo?
– Firmão, parceiro. Estou pronto pra outra. Só me faça um favor e me desamarre aquí, que está meio apertado na mão. Podias ter vindo antes, mas, tudo bem. – Sussurrou monstruoso Jedediah incendiado.

Barth riu com ironia maliciosa e atalhou:
– Só está de pé, por estar amarrado pelas axilas Jedediah. Suas mãos, que foram atadas com arame farpado, perderam a circulação ficando irremediavelmente pretas e mortas, só não percebeste isto; por ter ficado insensível e além disto, tua mulher as amputou com ferro em brasa durante a tua tortura.
– Mas eu agüento muita coisa ainda cowboy. Qual é seu nome filho?
– Meu nome não importa, Jedediah. Deixe-me explicar-lhe melhor sua situação. Ferrado! Estás fodido irmão!!! Só não morreste ainda, por ter sido imensamente ferido por ferro em brasa que, cauterizou os ferimentos prevenindo hemorragias, mas virão infecções em breve. Quem lhe fez esta cobardia foi Vivien. Tu sabes, não é?
– Sim, creio que sim, talvez. Mas eu estou me sentindo firmão mesmo parceiro. Cof, cof, cof... Hmpft.
– Ah Jedediah, você é um homem obstinado e teimoso. Veja bem amigão; você está castrado e cagado. Teus testículos caídos sobre suas botinas. Tuas mãos estão negras espalhadas pelo chão. Teus dentes foram todos quebrados. Você não possui mais a orelha esquerda. Seu olho direito explodiu sob alta temperatura. E toda a tua face, cabeça e pescoço estão derretidos e desfigurados irremediavelmente; por causa do carvão incandescente que estava no balde e vejo daqui, algum intestino, saindo pelo umbigo.
– Não é bem assim, amigo sem nome; eu tô firmão parcêro! Acredite! Cof, cof, wooow-argh!
– Olha ô corno reticente, vamos fazer assim; feche bem os olhos e endureça o pescoço que vou te liberar então. Preparado? Você vai ficar bem...

Gordo Jedediah, fez o que lhe foi sugerido. Barth sacou novamente sua faca de caça, cravando-a com toda força total no topo da cabeça daquele ser humano, enfiando-a crânio a dentro; até a ponta ofender os ossos da coluna vertebral da nuca. Para remover sua faca daquela encrenca, teve que usar um alicate de ferraduras que estava por perto. Sentia calor e as calças apertadas, por causa da prata. Controlou-se. Catou o farto saco de couro cheio de serpentes cascavel, jogou-o nos ombros. Subiu para o mezanino e, da janela saltou sobre o lombo de seu forte cavalo malhado, que saciado da sede, o aguardava fielmente lá em baixo. Saiu num galope discreto, pensando em tudo e em nada; enquanto deixava mais um lugar miserável para trás, perdendo-se numa escura e fria noite estrelada perfeita.



The End

sábado, 5 de outubro de 2013

Canibais na Casa de Guy



Para: Lumyah e G. Raphael


Hannah cheia de adesivos de nicotina, dia de folga as oito e trinta e seis da manhã, acordou-me com uma gentil cotovelada e um sorriso sonolento dizendo: “Mister rei preguiçoso! Megalossauro do sedentarismo acorda! Acorda feliz, que hoje é dia de não fazer nada!”

Dei um puxão nela, arrastando-a para o meu lado e logo fui cobrindo sua boca com a minha. Adoro Hannah pelas manhãs. Mesmo sem ter escovado os dentes. Sua boca é uma delícia. O cheiro de suor do seu corpo é muito bom. Fui afastando as pernas dela com as minhas, beijei sua barriga bonita e beijei todo o resto. O que aconteceu depois fica a cargo da sua imaginação porque, não vou contar; mas garanto que foi um prazer. Pelo menos, pra mim.

Levantei-me da grande cama king-size, sentindo nos pés descalços  chão frio de cerâmica. O sistema de arrefecimento de calor da casa estava funcionando a toda. Devia estar um inferno quente dos diabos lá fora.

Minha parceira, ainda deitada feliz na grande cama, gritou para que pudesse ouvi-la da ducha de boca larga do chuveiro: “E ainda tem mais, hoje é dia de almoço na casa de Guy! Eu adoro comer lá na casa dele, do Guy! A gente vamos (vai) né?”

O sabonete perfumado escorregou-me das mãos molhadas ao ouvir Hannah. Foi de alegria. Além de amar, adorar mesmo uma boca livre; Guy era um grande contador de estórias. Gritei:

– Tô dentro! – Ah, mas que dia livre perfeito – Hannah separa um vinho de valor! Caro! Bem caro e de sabor encorpado pra gente levar; que o Guy merece!

Uma hora após o almoço, nós e os outros convidados, batemos palmas rimos e gritamos; ainda dando grandes arrotos enquanto batucávamos a mesa de pedra da sala de jantar de nosso anfitrião. Passamos a fazer isto, depois de uma das histórias dele, na qual o personagem vinha de uma cultura; em que era de bom tom arrotar quando se comia uma ótima e farta refeição. Dando um grito grave, e lançando um copo topado de conhaque numa churrasqueira cheia de brasas próxima a ele; nosso orador nos silenciou com a visão das chamas e a audição de sua voz. Chegara a hora da diversão!

Caso alguém seja fraco de estômago, recomendo que não ouça esta história e nos aguarde na piscina - disse Guy.
Como vocês sabem, dei sorte de ter boa memória e de nascer num grupo que além de ser antigo; passa aos descendentes o hábito de manter alguns registros dos seus; em um discreto mausoléu, onde somente membros podem entrar e é de lá, que retiro pedaços, trechos de acontecimentos passados e tempero de modo subtil, para que meus convidados possam digeri-los agradavelmente. Quanto a mim, as pessoas me perguntam por que dedico tantos esforços a contar histórias. Eu geralmente lhes respondo: “Minha alegria é admirar-lhes as faces enquanto as conto.” Mas no final, bem sei que hei de me tornar uma destas histórias. Toda pessoa é uma história. Igual ou até talvez; melhor do que muitas das que contei à cabeceira desta mesa de pedra.

Um ancestral próximo, que se chamava Legorn, a margem do rio onde seus animais bebiam observava cedinho; neblina que, corria rente a água corrente ligeira cristalina, sassaricando por entre as pedras cinzentas salpicadas de amarelos, beges, negro e verde-musgo. O ar tinha cheiro de rio, luz, grama, árvore e pedra. Dia ensolarado, mas frio. Cheio de promessas de tormenta. Isto ele percebeu, quando contemplou as duas montanhas mais próximas, polvilhadas de neve. Rodeadas de pesadas formações de nuvens. No estreito entre elas, o caminho já estava tomado por vapores e os paredões estavam negros e lisos. Perfeito seria sem nuvens. Daria para esquiar até a planície. Chateado com a possibilidade da nevasca, Legorn disse:

– Nuvens, ah estas coisas que chamam de nuvens... Estas coisas disformes e distantes que chamam de nuvens... Estas coisas que não respeitam a matemática! Dizem ser as nuvens feitas de água, mas água é um metal e metais não deviam voar. Conta-se uma duas três nuvens; aí a terceira se junta a segunda e já não temos três, temos duas. Logo depois, já são apenas uma e depois chovem e ficamos sem nada. Tenho horror a elas! Nuvens tem olhos. Com certeza são criaturas espaciais. Miasmas extraterrestres conscientes e vivos. Vieram em cometas provavelmente. Nuvens são a vingança do hidrogênio, que ao ser queimado vira água.

E de tanto ficar pensando sobre isto, aos poucos ia acreditando mais e mais no que dizia. Cruzou a pequena ponte de pedras claras em forma de arco que, cruzava sua nascente tocando cabras e ovelhas gordas; quando viu a uma boa distancia, quatro de suas lanosas no descampado aos pés da montanha próximo a floresta de altos pinheiros. Mandou um de seus cães arrebanhar as quatro e não viu, pois estavam escondidos, uns bichos famintos próximo às quatro desgarradas.

A um comando seu, os outros dois cães puseram-se a aglomerar o resto do rebanho em um círculo confortável no campo limpo, próximo a pontezinha e; ele pôs-se a caminho das desgarradas. Enquanto isto, proveniente da montanha,  nuvenzinha esparsa deslizou acobertando os animais ainda distantes que buscava. Já bem mais próximo, mas, ainda livre dos braços brancos da neblina ouviu sons de luta e depois, um uivo de dor lancinante. Seu cão havia sido ferido, teve certeza. Correu e mantendo-se no perímetro intermediário entre nuvem e campo, fez mira em uma sombra curvada sobre algo invisível e, atirou com seu rifle de grosso calibre. Em resposta, escutou um berro animalesco que eriçou os seus cabelos da nuca. Nunca fora homem que se pudesse chamar de valente, era antes lógico e pratico. Achava poesia e filosofia coisas inúteis. Era um pragmático, como quase todo homem que vive junto à natureza. Prezava mais que tudo sua integridade física, pois, era mais do trabalho executado por seu corpo diariamente que, tirava o sustento próprio; não de sua mente. Mas havia o cachorro. Não podia abandonar seu cão. Ele o criara e treinara. Muitas vezes o tratava com rispidez, era duro. Mas amava-o. Os cães, eram  companheiros que a vida havia lhe cedido, para que pudesse realizar seu serviço, ter dignidade, alimento, segurança. Por isto, meteu-se cerração adentro, na direção de onde disparara e acertara seu alvo difuso.

Quando chegou a seu objetivo, viu caído de bruços vários metros além do ponto onde seu cachorro ferido gania, um corpo nú coberto de lama negra grudenta e grama e fezes e folhas. Havia atingido a criatura, pois para ele aquilo não era humano, nas costelas que protegem o pulmão. O buraco de entrada era considerável acreditava, mas ainda não o via. Já o de saída nas costas, não era um buraco; era um rombo com mais de um palmo de largura que apresentava ossos lascados, músculos, tecido pulmonar e pedaços do coração em frangalhos; expondo grande parte da coluna vertebral. Com sua bota grossa de couro, chutou o corpo inerte, fazendo-o rolar ficando de barriga para cima confirmando suas pressuposições. O rosto coberto de lama era dotado de um olho mongolóide com grande pupila negra. O outro olho, que havia nascido mal-formado, estava completamente tapado pela sujeira. Os dentes, vistos pela boca entreaberta foram limados em forma de caninos, indicando que aquele ser com certeza; apreciava carne crua. Neste momento, ouviu uma risada de mofa estridente e descontrolada ao seu redor. Não sabia dizer de onde ela vinha, pois, entre as nuvens o som se propaga diferente. Parecia vir de todos os lados e lugar nenhum. Gritou chamando os outros dois cães, sabendo que talvez eles não chegassem a tempo de salvá-lo. Aproximou-se do cão machucado, apontando a arma de fogo para todos os lados.

“Ian! Ian é você? Encontrei seu filho aqui ferido, ele ainda pode ser salvo, venha cá pacificamente e o levaremos ao hospital das cidades. Não se entregue! Não se entregue a vida selvagem Ian! Os Deuses da floresta mentem!”

Foi quando ao ver à frente um vulto distante, resolveu virar-se para o lado oposto, bem no momento em que uma sombra ia mergulhar na sua retaguarda, segundos antes, desprotegida. A criatura estava para pegar seu rifle pelo cano, então atirou naquela mão, mas isto não deteve o vulto. Sentiu uma lâmina fria penetrar nas gorduras laterais da cintura, segurou a mão que a empunhava e foi ao chão com a criatura. Com o outro braço, tentou empurrar o rosto coberto de graxa e lama para longe do seu, mas, levou uma mordida no alto da testa que arrancou o couro cabeludo. Naqueles instantes, enquanto a outra criatura distante aproximava-se, foi tomado por uma ira indignada fria; tão desprovida de emoção que, no diário; Legorn descreve estes momentos, como se visse tudo acontecer fora do corpo. Puxou a faca de caça que estava metida em suas carnes gordas de lado e para baixo, sentindo segundo ele, nada mais que uma fisgada e conduzindo-a para o meio do peito, com a outra mão do outro braço, direcionou a ponta lâmina para o agressor que estava sobre ele. Quando a arma branca ficou em posição adequada, cruzou as pernas na cintura magra da coisa e segurando o cabo da faca agora com as duas mãos, botou para frente esfaqueando seu inimigo no peito e garganta; ficando coberto de um sangue quente e fedido. Neste momento, sentiu garras na cabeça arranhando seu crânio arrastando-o pelos cabelos em busca da carne macia do pescoço. Um grito primitivo de vingança ecoava em seus ouvidos. Não era Ian. Não era não! Aquelas criaturas haviam vindo das nuvens. Demónios condensados por aqueles vapores malditos. Rolou sobre o corpo que o esfaqueara e se pôs de joelhos. Unindo as mãos em um X estendeu os braços pra cima e para fora, livrando-se das garras que lhe afligiam a cabeça, apenas para receber um murro brutal nos peitos que, o lançou por terra sem fôlego. O monstro violento avançava. Legorn já estava em oração entregando sua alma a Deus, quando seus dois outros cachorros; chegaram atacando a criatura com ferocidade jamais vista por ele antes ou depois disto. Começou a engatinhar em estado de choque na direção onde supunha que o rifle estava, achando-o sob o cadáver que lhe havia esfaqueado. Apanhou a arma, colocou uma bala na culatra, levantou-se e foi andando em direção a luta. Com a cerração a dissipar-se, viu seus dois cães cada um com os dentes cravados nos braços da criatura que, não era criatura coisa nenhuma. Era mesmo Ian MacFlag, um idealista sonhador que tempos atrás, trouxe a família (mulher e filho) para viver longe da civilização na mata mais profunda que conseguiu encontrar na região. Seu dinheiro acabou logo nos primeiros anos. Sem dinheiro, sem tecnologia, sem bens materiais. Não conseguiram tirar o sustento da natureza sozinhos. Muitas vezes, nem quem era nascido e criado naquelas terras selvagens conseguia. Enlouqueceram todos. Devem ter enlouquecido. Legorn, com lágrimas nos olhos aproximou-se daquela coisa que um dia fora homem apontou o rifle para a cabeça de Ian MacFlag e disparou. A cabeça de Ian partiu-se como de fosse um ovo, somente o maxilar de baixo ficou preso ao pescoço; enquanto um pedaço do cérebro empoleirou-se em seu ombro por estar ligado a uma membrana ligada à base do crânio. 

Sem a cerração o dia tornou-se de novo azul e claro, mantendo lá no alto promessas de nevascas e tempestades. Meu ancestral cuidou primeiro do ferimento de seus companheiros cachorros, depois de si. Levou os corpos de mula, enrolados em lona, até a casa degradada dos MacFlag nas profundezas da floresta, onde  para seu horror; encontrou restos humanos de viajantes e peregrinos assim como ossadas de ovelhas. Incendiou tudo. Nunca falou disto a ninguém. Deixou este mundo; rico e cheio de filhos. Seu diário só foi aberto depois que morreu. Exatamente como especificado em testamento.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ragnarok - Antes do Crepúsculo


Ah, agora sim. Quase crepúsculo. Vejo acontecer. O fim dos Deuses.
Tudo já foi dito. Tudo. Menos a verdade. Para os homens, a verdade é inútil; por estar além de suas capacidades, devido à fisiologia característica da espécie.

Se abrires o peito de um homem e, tentares ler seu interior vermelho de carne, nervos, ossos e líquidos; procurando qualquer vestígio da verdade, já lhe adianto que não encontrará. Terá uma vasta leitura satisfatória sim, claro, a história deste universo está escrita em suas criaturas, mas, não encontrará rastros de verdade alguma. Assim quis Odin.

São todos inocentes até o mais vil deles. Desígnios dos Deuses. Atirados num planeta sem o pedir, não sabendo o que eram antes de ser, nem o que serão após não serem mais; eles vão agindo e reagindo, agindo e reagindo inconscientes sem pensar. A maioria. Ponto de vista. Tudo que eles têm, são pontos de vista apenas. Artifícios. Relativos. É difícil.

Aquele que usa o ponto de vista errado, não vai para Valhala, vai para prisão. Pode ser doce, malicioso, terno, avarento, gentil, injusto, caridoso, invejoso, altruísta, mentiroso... Etc. Mas se der àss costas à luta, para você, os portões estarão trancados. Os indignos presos do lado de fora no vazio. O restante, os Einherjar; livres do lado de dentro. Alguns bem perto da luz de meu pai, outros, disfarçados nas sombras também criadas por ele. Cada um de acordo com sua característica.

Nestes mundos de ferro e pedra, ninguém chega ao paraíso sem luta. É à força das energias nucleares, que ardem pelo firmamento sobre a terra dia e noite, que clamam por isto. Existem muitos outros Deuses e demónios e muitos outros mundos. Temos que combater. Manter o nosso mundo. A escuridão quer o fim. Deseja ardentemente o siléncio total de todas as coisas. Creia em mim, eu sou Aesir.

E desta forma, a última guerra chegará até nós. Vai brotar das profundezas. Gigantescas serpentes. Você sabe só os mais valorosos guerreiros que, degradaram-se na insana violência imunda da guerra; foram dignos de ter sido levado pelas Valquírias e agora, cá estão junto a nós. Deuses, homens, mulheres e crianças. Todos imortais. Unidos enfim. Guerreiros que aguardavam o dia do Ragnarok. Não aguardamos mais.

Aniquilação total. Isto não vai ficar barato. Se a escuridão quer o siléncio, lhes daremos um eterno estrondo ensurdecedor de trovão sem fim. Se o escuro anseia pela cegueira do abismo o terá, mas na forma de um abismo de raios girando num redemoinho insano, veloz. Isto prometo, pois eu sou Thor.

Ávidos, aguardamos o início do fim. Enquanto não começa, observo surgindo das brumas cósmicas, para lá dos portões celestiais; os últimos guerreiros retardatários que chegam para juntar-se a nós na glória.

Vejo um homem de aparência robusta, idade de trinta invernos mais ou menos. Vejo também um jovem negro de cabelos coloridos. Os dois chegando a Valhala pela última vez. Muito feridos, almas cobertas de sangue. Ossos à mostra, furos de facas, lanças, espadas, tiros. Dentes trincados pelo impacto de explosões; caminham a lerdos, secos passos martirizados na minha direção. Parecem pesadelos saídos do inferno mais brutal. E sim, estão mortos. Mas não por muito tempo. O poder deste universo, já os está transfigurando, ajustando seus corpos. Poder ilimitado dos Deuses.

Como estou de guarda nos portões hoje, é a mim que contam suas histórias. Nada melhor que uma boa aventura guerreira antes do grand finale; ou se você quiser pensar ao contrário, antes do reinício de tudo. Lá, não estaremos. Nem eu nem você e, caso reste algo de nós por mais ínfimo que seja; desconheceremos. Serão outras formas; que transformar-se hão em outras coisas. Universos diferentes regidos por novas leis. Outras formas de morte e outras formas de vida. Distantes. Longe, bem longe. Mas celebremos este mavioso derradeiro dia. Todos os mares foram navegados.

A primeira das estórias é de longe a mais violenta. Preparem-se para as últimas histórias guerreiras do Universo, narradas pelo teu primeiro e único Deus do trovão.

1
Anêmona, um jovem com Dreadlocks coloridas segue trilhando um caminho no qual não enxerga o chão. Encostado em uma parede ao lado de uma porta comercial fechada no fundo de um beco, fuma enquanto uma ratazana indiferente segue seu caminho cruzando sobre seu tênis roto. Ao seu lado neste sujo corredor de serviços, amontoam-se caixas de papelão cheias de dejetos. Estando a nove meses nas ruas tornara-se um veterano. Tinha que sair dela. Sabia disto. Um mês nas ruas é tão arriscado que vale em termos de acidentes, deterioração e crises como se fossem anos de uma vida normal. Sua jaqueta plástica suja esconde várias armas encontradas pelos esgotos da cidade. Ergue a cabeça soltando uma baforada de charuto cubano. Ponta encontrada na lixeira de uma tabacaria. Fareja o ar como um animal roedor. Passa as mãos de unhas sujas pelo cabelo depois se espreguiça gemendo como um cachorro velho. Sente o cheiro rançoso da fumaça vinda de um restaurante Chinês. Parece que chegou a hora pensa Anêmona. Levanta-se e dirige-se para os carros parados em frente ao beco. Sinal vermelho. Há um motorista em um carro esculhambado modelo de dois anos atrás. Anêmona encosta na porta do passageiro e, com a coronha de uma escopeta encardida de cano serrado arrebenta o vidro. Os motoristas ao redor não o notam tão preocupados estão em buzinar e xingar uns aos outros. Sentando-se inesperadamente no banco do passageiro, ele soca a escopeta entre as costelas do apavorado condutor.
- Cruza este sinal vermelho agora se não, eu te arrebento ô cidadão.
O carro arranca saltando à frente já atropelando um pedestre obeso que trinca o pára-brisa do carro. Anêmona nem pisca.
- Segue em frente vagabundo! - Grita espirrando saliva no rosto pálido do motorista.
Cinco quadras adiante ele diz cutucando o seqüestrado:
- A virtude da vaca é o leite, a da faca é o corte e a minha, é a morte. Toma! - Atira explodindo as tripas da vítima no painel do carro. Rouba a carteira do morto, sai do carro atravessa a rua entrando onde havia planejado ir. Casa de Strip Brussel.
O mal, só existe na pluralidade irredutível das más ações. Anêmona está mau.
No hall escuro que precede a porta vai-e-vem do acesso principal, há um segurança brutamontes sonolento com orelhas de repolho em um banco alto.
Anêmona aproxima-se com olhar de pedinte e notas amarfanhadas de vinte em uma mão escondendo a outra no bolso do casaco. O segurança, vendo apenas um jovem mendigo drogado; lançou-lhe um frio olhar de desdém e disse para o assassino ir embora. Incentivando-o com uma cabeçada em cheio no nariz. Anêmona vai ao chão sangrando e rindo. Se põe de quatro a catar as notas espalhadas pelo escuro carpete industrial. Uma mão ainda no bolso. Quando o troglodita abaixa-se para pegá-lo pelos dreadlocks, ele tira a mão do bolso e encosta um trinta e oito Buldogue sob o queixo do opressor e diz:
- Bala Dundum!
Prime o gatilho; a cabeça do homem grande estoura cobrindo a cabeleira do Anêmona de miolos e massa cinzenta. Sacudindo o corpo como um epilético, num movimento colorido cheirando a pólvora, ódio e sangue este homem imundo adentra o espaço intimista mal iluminado da casa de strip-tease Brussel. Até agora, nenhuma autoridade foi notificada, pois ninguém compreende o que está acontecendo além dele. Produz como que do nada uma mini-uzi acertando o bar tender e o garçom de bandeja com drinks na mão. Garrafas e copos explodem para todo lado. Ele grita alto para as strippers:
- Onde está Reivers? Onde está à cubana Arian Reivers?
A casa quase vazia com seis clientes é siléncio. Ele dispara duas rajadas curtas matando os seis. Aí uma das bailarinas diz:
- Camarim, desgraçado. Vê lá! Atrás dos espelhos.
- Obrigado! - agradece Anêmona atingindo a moça nua nos peitos. Arremessada para trás, ela arrebenta uma gaiola de vidro néon gerando faíscas e fogo no teto de espuma. Dois garotos mal encarados de 16 anos saem disparando armas de fogo do camarim das garotas. Filhos de strippers sempre andam armados. Anêmona é sacudido por rajadas de submetralhadora que lhe rasgam em pedaços e é o fim. Nunca mais verá a irmã Reivers. Nunca mais voltará para Cuba com a droga que roubou de traficantes dias atrás. Valhala nele.

2
Sombras dançando pela parede faziam do quarto em espaço perturbador. Lôbrego de ansiedade retorceu-se arqueando as costas. Lúgubre desespero varreu seus pensamentos, quando inexplicavelmente; medonho corpo disforme começou a formar-se sob os lençóis avermelhando-os. Avolumava-se. Inevitável. Impossível.

Pavoroso é testemunhar o impossível. Tenebroso é nesta hora, não saber o que fazer. Triste é tentar o suicídio buscando em vão escapar do impalpável. Coisas que não deviam existir, mas existem. Não era para estarem ali, mas sempre estiveram lá. Nos precedem.

Imerso neste delírio fantástico dentro do carro com vidro fume; Zadig não viu o raiar do dia. Barulho. Vidro estilhaçando. Um grito. Seu grito. Som de algo pesado colidindo contra o teto do carro livrou-o de seu martírio. Acordou de supetão. Num salto assustado, bateu a cabeça no volante. Sangue começou a escorrer pelos vidros trincados. Tentou sair do carro. Não conseguiu. O teto amassado travava a porta. Deu uma pernada na do passageiro, que arregaçou-se num gemido. Jogou-se para fora do veículo de qualquer jeito. Raspou joelhos e cotovelos no asfalto. Pistola 45 na mão. Era realmente um cadáver sobre o carro. Na verdade dois. Vindo das alturas, um deles conseguiu empalar-se num duto de aquecimento engastado na parede do beco onde estacionara o carro. Tal cano rompido ventilava o morto. A tocaia que havia se proposto, não rendeu frutos. Sentiu seus cabelos ficando molhados. É o que faltava – pensou - chuva. Passou a mão nos cabelos e rosto. Assustou-se, temeu estar ainda preso ao pesadelo. Os dedos e a palma da mão estavam vermelhos. Olhou para o cadáver no teto do carro e para o outro empalado pelo duto que jorrava o conteúdo das tripas em jatos de vapor pelo ar. Estou acordado, suspirou aliviado. Era sangue. Sangue. Estava apenas chovendo sangue. Neste momento sente um arrepio quando uma sombra passa por si. Rola para o lado sacando semi-automática. Recebe um tiro no ombro 'a queima roupa. É o assassino. Passa rasteira em pernas compridas próximas das suas. Atira no ventre do corpo desequilibrado. O assassino cai sentado numa poça de lama e sorrindo atira no peito de Zadig. Zadig antes de morrer revida atingindo seu assassino no meio das pernas. O matador sobrevive. Valhala para Zadig.

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Como sempre txt dedicado a Lumyah e Raphael.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Matança Total




Apresentação

Quando amanhecer e você encontrar a colina rochosa em contraste com o céu em chamas, ajoelhe-se encostando apenas um dos joelhos no chão. Abaixe a cabeça. Faça um minuto de silêncio. Lembre-se dos que lutaram e morreram nas guerras. Se cada um deles sem exceção não tivesse feito o que fez, você não estaria aquí.

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Introdução

Existe. Ela existe até hoje. É uma colina ancestral entre Bulgária, Grécia e Albânia. Não, não há nada demais nela. Nada que salte aos olhos dos passantes. Para a maioria das pessoas, é quando muito, apenas uma corcunda sólida de magmático Granito, extrusivo Basalto e metamórfico Mármore de médio porte; unida por terra argilosa que de tanto ser pisada, socada e cozida pelo sol ao longo dos milênios; tornou-se também dura como pedra. Não há nenhum tipo de vida vegetal que lá consiga fincar raízes ou absorver água. Mas a verdade, é que aquela colina é muito especial. Possui uma história. Uma não! Milhares. Milhares, imagina?! Vou lhes contar apenas uma e não será longa. Algo que aconteceu comigo que nasci aos pés desta massa, e agora curto velhice depois de ter corrido o mundo inteiro; em um pitoresco vilarejo a apenas uma hora de carro deste monumento, a todos os guerreiros que viveram no passado, e aos que ainda virão futuro afora. Claro, que se você pensa de outra forma, posso desdizer o que disse, e afirmar diferente. Digo então; que nesta colina nunca houve passado ou futuro. Apenas presente. Um combate contínuo, que estende-se desde o início de sua existência através do tempo. De outra forma, também posso livre e tranquilamente afirmar; que é apenas passado. Um passado repetitivo de lutas; a jorrar indefinidamente futuro a dentro. Séculos, para que servem séculos? Eras? Para ela, não são nada.

1

Você sabe o que é um algoz? Sabe mesmo? Acho que não. Acho que você não sabe. Isto nem é culpa sua. Poucos sabem. Ser ignorante sobre algozes é uma bênção. Você deve ficar orgulhoso de ser tolo. Mantenha-se assim até quando puder. Até quando a vida deixar. Agüente o máximo. Este é meu conselho. Claro que quando tua hora chegar, e creia, inevitavelmente ela um dia chega mesmo, para todo mundo; você não saberá se defender e morrerá de imediato. Como os carneiros e ovelhas. Mas isto não me importa. Eu não me importo com sua vida. Tenho algo mais importante para fazer. Contar a minha história.

Uma linha fronteiriça de quatrocentos e setenta e seis quilômetros corta mundos. Ao sul da Bulgária e o nordeste da Grécia temos a tríplice fronteira Bulgo-Greco-Macedônica. Mais a leste, outra fronteira tripla. A Bulgo-Greco-Turco Européia. Não esquecendo que, onde passa o Rio Maritsa, há a ruptura das periferias helênicas da Macedônia Central.

Se houvesse nascido aquí nestas terras, em 350 A/C, seria o que sou hoje porém, não cidadão Albanês. Teria nascido na Ilíria e seria chamado do que quer que eles se chamassem na época. Seria também um Celta provavelmente. Mercenário, guerreiro, herói, cavaleiro, assassino, traidor, libertador. Escolha o título que quiser. Nunca saberão de verdade quem eu sou, muito menos o que me tornei. Mas não foi sempre assim. Nunca é. Nos anos 60 eu tinha quinze anos. Era bondoso, gentil, solidário e leal. Quase não consigo acreditar.


2

Na calada da noite, invadiram nossas terras. Entraram na casa da minha família comigo, pai, mãe, meus dois irmãos e irmãs dentro. Houve luta. Mas não logo de início. Eram Chineses. Seis homens armados de fuzis e metralhadoras, usando coletes bulet proof. Em suas cinturas, mais armas. Estranhas. Altos, grandes e fortes, aparentavam terem vivido vidas longas e violentas. O mais velho deles, liderava Han, Zhang, Zhongli, Cao e He. Se chamava Shaohao, o abutre. Eles tinham vindo de longe. Vinham de longe, cobrar uma antiga dívida contraída por meu genitor que, com o passar dos anos, convenientemente acabou esquecendo de nos contar. O preço era um de seus três filhos.

Meu pai sentou-se a mesa com Shaohao. Um de frente para o outro. Esperaram em silêncio, enquanto nossa mãe preparava Chá Branco. Zhongli a vigiava. Eu e meus irmãos, estávamos contra a parede da sala. Han revistava nossas roupas. Zhang despia os homens. Cao e He sem nenhum vestígio de lascívia, mandaram as meninas fazerem o mesmo. E assim ficamos nós cinco. Nus e abraçados formando um bolinho, com nossas irmãs no meio. Cinco jovens, cercados por quatro chineses mal encarados, que aparentavam pertencer ao exército vermelho. Aliado da Albânia na época.

O chá ficou pronto. Minha mãe serviu os dois. Enquanto ela segurava o pires da xícara de chá, notei que ela não tremia. Aparentava não ter medo nenhum minha mãe. Era uma mulher alta, forte como um touro, roliça e corada. Seu rosto era uma máscara de neutralidade que não transmitia sentimentos. Papai também. Meu velho, era um homem atarracado de pele alva, mãos enormes com braços e pernas grossas; como troncos de árvores. Fiquei morrendo de medo dos dois. Era como se visse pela primeira vez, como eram de verdade. Sem máscaras. Ao lado daqueles homens monstruosos, estavam entre seus pares. Iguais.

Meus pais foram revolucionários. Os chineses os recrutaram quando muito jovens. Passaram um tempo na China. Não sei o que aconteceu por lá. Nunca tocaram no assunto. Fizeram o que tinham de fazer e aposentaram-se. Foram deixados em paz. Estabeleceram-se nestas terras por serem daqui mesmo. Começaram a trabalhar duro nos campos e foi aí, que começamos a nascer deles um por um. Um atrás do outro sem parar, até sermos cinco irmãos. Nunca fomos a escola. Nossos pais nos ensinaram tudo. Sabíamos ler e escrever bem. Em várias línguas. Sabíamos matemática, física e filosofia. Mecânica. Sabíamos montar cavalos, adestramento e manejar facões, forcados, marretas, lanças e tridentes; que não são forcados e sim, lanças de três pontas destinadas a combates, e arremesso. Sabíamos defesa pessoal e criar objetos de aço, usando fôrmas de argila. Entretanto, saber era inútil frente a estas pessoas. “Nenhum de nós cinco consegue.” – Pensei eu naquela hora – “Talvez a mãe derrube um. O pai com certeza abate dois. Depois morremos todos.”

– Não façam nada! – Meu irmão mais velho disse baixinho, entre dentes.

Han, Zhang, Zhongli, Cao e He sorriram.

Shaohao, o abutre, sorveu um gole de chá. A sombra de um sorriso, pousou em seus lábios finos, semi-cobertos por um longo bigode branco e fino; que lhe chegava até a altura do peito. Foi então que meu pai falou:

– O tempo não tem mesmo efeito em ti mestre. Que nome usa atualmente? Algum dia saberei seu verdadeiro nome?
– Somos apenas sombras fugazes, passando ligeiras sobre o vale.
– Nós cumprimos nossa parte. Existem tantos outros. Deixe-nos em paz mestre.
Shaohao guardou siléncio por um instante.
– Sempre questionador. Sempre seguindo sua verdade interior, em detrimento da verdade maior. Caso queira saber nossos nomes atuais, pergunte a seu filho. Ele sabe.
– Qual deles?
– Você sabe. Sabe desde antes dele nascer. Você não cumpriu totalmente com sua parte do trato. Transmutações foram realizadas, acordos foram feitos e, muitas vidas foram gastas; para que pudéssemos ligar nossos caminhos novamente. Só porque você não cumpriu seu juramento. Era só o ter entregue seis meses após o nascimento no Monastério. Uma viagem de quinze dias, no mundo moderno. Mas não, vocês não fizeram isto. Então, nós tivemos que atravessar o portal. Três imortais foram apagados da vida temporariamente, por causa disto. Dez gerações. Dez.

Meu pai tomou um susto. Não agüentou sustentar o olhar de Shaohao. Então disse:

– Posso escolher o lugar do julgamento?

Shaohao o olhou com desdém.

– Voltaste rapidamente a pensar como um ocidental não é? Tu sabes que escolheste o lugar ao colocar os pés nesta terra impura, no primeiro dia após seu retorno. Terra de ninguém. Onde legiões e generais são tratados como escória e enviados ao inferno sem direito de defesa. Escolheste bem o terreno, meu ingrato discípulo.

– Eles também estão inscritos no livro da vida e do destino. Eu apenas queria que pudessem conhecer outros mundos antes de...

Minha mãe, que estava atrás de papai colocou a mão em seu ombro, e ele se calou.

Shaohao ao terminar o chá levantou-se, nos cumprimentou e foi lá para fora. O último a sair foi Han que disse:

– Vocês tem hora e meia para chegarem até lá. Estaremos esperando.

Subiram em um monstruoso caminhão do exército vermelho. Partiram nos deixando escuros, em siléncio. Gargantas secas. Alma embotada.


3

A última coisa que papai nos disse, foi um ensinamento. Minha mãe olhava firme para nós, deixando claro que papai falava pelos dois. Nunca esquecerei a força daquele olhar. Digno, forte, inteligente, sobre-humano e furioso.

– Todos os valores ocidentais, suas leis, planos, metas, livros. Todo pensamento é apenas uma abstração, para que o corpo suporte a pressão dos mundos. Os orientais, apesar de sua arrogância, também vão pelo caminho errado pois, seu caminho é invertido. Não os leva até o próximo nível; apenas os faz retornar a pureza inicial. A questão não é sobreviver. Já estamos todos mortos. O negócio é o seguinte; aprendam o máximo que puderem hoje. Renasçam disto se puderem. Nunca mais terão esta oportunidade. Vistam-se com roupas confortáveis. Calcem sapatos resistentes. Peguem as armas de sua preferência. Apenas uma para cada um. Lhes daremos de comer e beber. Depois, nos esperem na frente a Kombi.

Éramos cinco irmãos. O mais velho tinha dezessete, o segundo dezesseis, o terceiro que era eu, quinze. Minhas duas irmãs, tinham quatorze e treze anos. Obedecemos a nosso pai. Vestimo-nos com algo semelhante a moletons. Alguns calçaram sandálias de corda, que permitiam movimentos leves e ligeiros. Outros, sandálias no estilo de legionários romanos. De couro, com solado de couro, no qual eram fixadas ferraduras. Do calcanhar ao dedão do pé. Calcei sandálias legionárias. Usando estas sandálias, os meus antepassados Romanos, marcharam por toda a Albânia; esmagando sob seus pés os inimigos caídos. Uma pisada dela já era um martírio. Imagine uma legião sob o comando de cinco Centuriões, perfazendo o total de quinhentos homens marchando com elas; sobre guerreiros caídos ainda vivos, com ferimentos nas pernas, ventre, pulmões, tendões; ... etc. Todos vestimos protetores de canela e joelhos, as grevas. Depois fomos comer. Comemos bem. Não demais. Comemos mel, mingau de aveia, trigo, nata, creme, ovos, pão de centeio e nacos de porco. Bebemos água fresca.

Papai nos aqueceu. Corremos por dez minutos ao redor da casa. Mamãe nos alongou nos estábulos. Os alongamentos dela, que no início, eram seções de dor excruciante; com o passar do tempo, transformaram-se em prazer, e depois um vício. Necessidade. Até, que tornou-se parte cotidiana de nossas vidas. Como respirar ou ir ao banheiro.

Após estas atividades, nos abraçamos uma última vez.
Meu bravo irmão mais velho, e minha linda irmã mais nova, encilharam os dois melhores cavalos, equipando-os com tudo que fosse necessário para um viagem de quinze dias. Depois partiram rumo ignorado. Meu irmão mais velho, parecia saber onde ir. Tudo fazia parte de um plano elaborado por meus pais. Nunca, nenhum de nós conheceu sua totalidade creio eu. Melhor assim.

Eu enxergava o mundo com uma crueza e seriedade intensa. Um mundo duro e frio. Sem cores berrantes. Todas as sensações corporais equilibradas. Nenhuma sobrepondo-se a outra. Sem saudade, alegria ou medo. Aquela foi a última vez que estivemos juntos. Sabíamos claramente. Esta era nossa força. Verdade sem véu. Sem céu ou inferno. Apenas a luta. A guerra. Inteligência, velocidade, avanços, recuos, força, violência, tática e técnica. Mas havia ar fresco. O cheiro orvalhado madeira agreste natural na noite. Morcegos. Aves migrando pelo céu noturno. Lua gigante. Chuva a caminho no horizonte. O dia ia amanhecer em breve. Eles vieram na calada da noite. Dedos de neblina acariciando montes. Entramos na Kombi e partimos. Rumo a colina.

Cruzamos um fundo de vale coberto de cerração. Nosso carro atravessou um riacho pedregoso, de água cristalina. Havia uma vaca morta próximo a água. Presa por arames farpados ao redor do pescoço havia enforcado-se. De seu corpo inchado escorria secreção. Isto, longe de contaminar a água, fortaleceria os peixes. Cruzamos na reta com trabalhadores rurais calados e sombrios. Suas bestas cansadas arrastavam carroças cheias de sementes, apetrechos, água e carne salgada. Uma raposa vermelha atravessou a estrada. Corvos nos acompanharam em revoada. Faltava pouco, muito pouco para o dia amanhecer.


4

Um quilômetro a frente avistamos o morrinho. Seguíamos em silêncio. Éramos cinco. Pai, mãe, um irmão mais velho, uma irmã mais nova e eu. A medida que nos aproximávamos, vimos lá no alto sobre ela, aves carniceiras pairando em círculos. Centenas. Naquele ponto, a inversão térmica da noite dando lugar ao dia; gerava ventos que ajudavam estas criaturas a elevarem-se a alturas impressionantes. Sabíamos, que este não era o motivo delas estarem lá naquele dia. O motivo era outro. Acho que você entende.

Falando sobre você; gostaria de saber, se já começaste a entender o que significa algoz?
Uma das características mais marcantes de um bom verdugo, é fazer você sentir-se culpado. Culpado por tudo. Pela morte de amigos, irmãos, pais. O desalmado perfeito, tem o dom de lhe fazer crer, que você merece ser punido. Enquanto houver vida, ele lhe repetirá a promessa enganosa dividida em duas partes. A mesma promessa, travestida com roupas diferentes desde o início dos tempos. A possibilidade de livrar-se da dor. Que seria a bênção da morte. E uma promessa de vida se, você arrepender-se e entregar-lhe tudo. Quando digo tudo é tudo. O algoz, mantém essa chama acessa, brilhando forte; até o último instante. Até não sobrar nada de você. Porque você deu tudo. Até o sujeito tornar-se irreconhecível para si próprio. Escuro de tão aviltado. Normalmente nesta hora; você já não é mais um ser humano. E eles lhe matam friamente, com distanciamento; como se mata um cão. Menos que um cão. Caso você esteja no nível canino, e eles simpatizarem muito com você; lhe deixam viver. Aí, podes voltar a desfrutar das delícias da vida. Mas vivendo como um cão. Fazendo coisas que cachorros fazem. Vida de bicho animal. Que tal? Não? Não concorda?

Então lutemos. Lutemos até a morte. Sabemos que vamos perder, todavia isto é o de menos. Lutemos com ferocidade pois, uma morte em combate é rápida como o raio, e leve como a pluma. E humana. E digna. E piedosa. E blá-blá-blá. E coisa e tal.

Naquela época, eu não sabia que estava errado; mas esta era minha única opção. Não ouso me arrepender das escolhas que faço. E você, se for esperto, também não. Também não. Também não. É possível, construir um lugar em sua mente onde ninguém possa lhe tocar. Não é todo mundo que consegue. Poucos. Muito poucos são, hábeis suficiente para isto. E é mais fácil entrar do que sair. Mais fácil entrar do que sair.

O sol raiou um novo dia por de trás da colina. Um nascer perfeito por um instante. Rubro, ouro, púrpura e vermelho sangue. Cordas de neblina serpenteavam pela corcunda pedregosa. Pássaros negros grasnavam em contraste com aquele amanhecer. Shaohao e os seus, nos esperavam lá em cima, na pedra mais alta da elevação. Descemos do carro. Estávamos em casa. Treinávamos naquele monte, desde que éramos pequenos. Conhecíamos aquele lugar como a palma de nossas mãos. O impressionante, é que os Chineses também. De alguma forma que não sei; também. Senti isto. Certeza.

O esplendor foi-se embora. O céu fechou. Uma garoa fina aconteceu. O vento norte chegou. Não sentimos. Paramos a Kombi aos pés da colina. Subimos a pé. Esticávamos nossos músculos. Aquecíamos nossos corpos usando movimento. Concentrávamo-nos.
Havia chegado a hora de morrer. Éramos tão jovens. Até meus pais eram jovens. Foi tudo há muito tempo atrás. O que meus pais sabiam naquele tempo, só começo a compreender agora. Sou um velho. Um velho com suas memórias. Um velho com histórias.
Se não é do seu interesse; paro de contar agora. Deixo este conto para os outros. Outros que possam querer o que tenho para contar. Em outros tempos. Outras eras. Quem vai saber? Eu não sei. Vai saber você?


5

Alcançamos o alto da colina. Pai e mãe iam a frente. Depois meu irmão e eu. Mina irmã seguia calmamente atrás de mim. Não estávamos cansados. Aquela subida não era nada. Um círculo de combate com quinze metros de diâmetro fora estabelecido. O terreno acidentado da corcunda, tinha duzentos por cento e dez metros. Medidas exatas.

Meu pai e Shaohao, foram para um canto negociar regras de combate. Um truque cruel, que deu a meu pai, três vantagens compostas. Generosas vantagens. Não para mim. Nunca. Mas ele sabia o que fazia.

Fechei os olhos e me concentrei. Ouvi o dialogo pela cabeça de Shaohao. Foi assim:

– Você agiu errado conosco. Será punido. Nos deu trabalho. – Começou Shaohao.
– Eu e minha mulher cumprimos com nossa missão. Desempenhamos nossos papéis a perfeição. A organização, estaria acabada se não tivéssemos sido bem sucedidos. Vocês nos treinaram bem. – Ripostou meu pai.
– Não bem o suficiente, para que aprendessem que ninguém nos escapa. Ainda mais pais de predestinados.
– Quem disse, que pretendíamos escapar?
– Quando eu te elevei ao éter e além; o que foi que você viu e não me contou? O que está trancado em suas mentes que não revelam?
– Estabeleçamos um acordo, que seja satisfatório para ambos, e este conhecimento será seu.
– Não volto para China sem sua alma. – Fala Shaohao.
– Que minha alma seja sua, depois do combate. Mas desejo quatro vantagens.
– Não volto para China sem a alma da tua mulher.
– Que a alma dela seja sua, depois do combate. Desejo três vantagens.
– Não volto para China sem o garoto. Ele é meu.
– Que seja assim, após o combate. Exijo três vantagens.
– E quais seriam elas?
– Os dois que partiram a cavalo são irrelevantes. Deixa-os em paz para sempre. – Pede meu pai.
– Certo. Estas são duas vantagens.
– Uma. Uma vantagem. Eles são irrelevantes e fracos. – Afirma meu pai.
– Duas vantagens.
– Mestre, se continuares agindo assim; sairás das minhas terras de mãos vazias. Sem meu segredo, sem o garoto e sem almas. Eu paro meu coração agora. Os outros fazem o mesmo. Iremos para um nível diferente do seu. Ficará sem nada. Escaparemos por entre seus dedos. Só não faço isto agora, por adorar a vida.
– Certo. Uma vantagem. Quais seriam as outras duas?
– Quem cair em combate; deve ficar no chão até o encerramento do último combate. Devendo lutar como homens. Nada mais nada menos. Esta é a primeira vantagem dividida em duas fases.
– De acordo. A segunda vantagem por favor?
– A menina mais nova, parte agora une-se a seus irmãos a cavalo. Vocês a deixam em paz para sempre.
– Aí já é demais! – Sahohao pragueja em Chinês irritado. Vou correr o risco então. Levarei quantas almas puder. E os dois que escaparam, serão meus cães por toda a vida miserável deles.
– Reformulo a segunda vantagem mestre.
– Diga.
– A mais nova combate ao lado do irmão mais velho. Caso sobreviva; ela fica livre. Se não ela é tua. Caso o mais velho sobreviva ou não ele é teu. E fique com o médium contudo...
– O que?
– Após combate. Deixe-o lutar por sua liberdade ao menos.

Shaohao dá uma gargalhada. E diz:

– Lhe faço uma contraproposta geral. O garoto luta comigo agora, e se me deitar no chão; todos podem ir, inclusive ele. Que sejam felizes para sempre com a minha bênção. Mas se o garoto perder todos virão comigo. Selaremos laços eternos.

É a vez de meu pai gargalhar.

– Fico com a proposta anterior. Recuso sua contraproposta. – Afirma papai.
– O garoto deve decidir. – Riposta Shaohao.

Meu pai se vira para mim e me olha fixamente a distância.

– Meu pai é senhor do meu destino. ¬– Respondi eu. Mas o que eu queria mesmo, era salvar todos. Nem que fosse a custo de minha vida. Shaohao pareceu ficar satisfeito com isto.
– Parece que você conseguiu suas três vantagens. Seu poder de negociação desenvolveu-se exponencialmente. Vantagem primeira liberdade para o primogênito e a caçula e luta justa. Segunda vantagem possibilidade de liberdade plena para a segunda filha a custo do segundo mais velho. Terceira vantagem, direito de defesa para o predestinado.
– O que são vocês? – Pergunta papai – Usam nomes de deuses; entretanto, não o são. Vestem uniformes vermelhos todavia não dividem a mesma ideologia. Espalham-se pelo mundo inteiro mas não são vistos. O que são vocês?
– Discípulo. Tens olhos argutos. Não adianta forçares mais tua capacidade de compreensão. Chegaste ao limite do humanamente possível. Há muito tempo os Deuses partiram deste mundo. O que sobrou foram sombras, reflexos, espelhos. Seu filho não é um grande médium; é apenas uma pequena ponte que vai nos servir enquanto agüentar.

Encerraram as negociações. Aí veio o combate. Chegou hora das dores. Tempo de matar.

Papai passou por nós, olhando em nossos olhos. Estávamos alinhados lado a lado, segurando nossas armas. Cabeça erguidas para podermos ver melhor.


6

Meu velho entrou no círculo, usando apenas uma faca Katar de duas lâminas uma ao lado da outra. O Katar é um arma em forma de H onde uma das extremidades termina em lâmina e a outra em duas hastes. Que podem ser invertidas para socar. Depende do design da extremidade do H. Era um Katar simples e forte de sessenta centímetros. Muito afiado. Dizia que havia matado tigres com ele quando esteve na Ásia. Era verdade.

Han, Zhang, Zhongli, Cao e He sorriram novamente. Shaohao olhou para Zhongli e deu um grito marcial. O adversário de meu pai havia sido escolhido. Uma única espada curva, de monge Shaolim, foi a arma escolhida por ele.

Treze metros os separavam. O círculo de combate não era limpo. Haviam pedras pelo caminho que podiam ser usadas como armas, obstáculos, patamares. Artifícios, distrações.
Correram um em direção ao outro. O chinês venceu rapidamente sua parte da distância colocando primeiro o pé em uma pedra mais elevada. Quando ia dar mais um passo para outra pedra. Meu pai invertendo o Katar livrou seus dedos que junto com a outra mão agarraram o pé direito do chinês rodando-o no ar. Atirando Zhongli ao solo duro, fazendo com que a cabeça dele batesse contra uma pedra uns oitenta quilos que explodiu com o impacto. Nunca tinha visto alguém ser tão rápido assim. Nem investida mais brutal. Tampouco a exemplar recuperação chinesa. O oriental rolou pelo solo pedregoso como uma bola pondo-se de pé num salto bem longe de papai. A lateral direita da cabeça ferida. Olho vazado. O china sorriu focado e cheio de maldade no olhar adulterado. Meu pai aproximou-se novamente correndo forte. Socou com o Kata. Zhongli defendeu-se facilmente com a meia lua da escapa curva, e respondeu com um golpe frontal que acabaria na coxa direita do pai se ele não tivesse invadido a guarda do chinês. Papai rodopiou para longe de seu alcance, recebendo apenas uma pernada nas costas que o fez voar longe. Durante esta projeção o china arremessou a espada curva que errou a cabeça do meu velho por um milésimo de centímetro, fixando-se numa parede rochosa onde meu Papi bateu e grudou como uma estrela marinha em um vidro de aquário. Mamãe sorriu. Meu pai era um palhaço. Aquilo estava irritando o chinês com certeza. Girando para o lado esquerdo papai firmou os pés no chão enquanto Zhongli já estava lá retirando sua espada curva cravada do paredão, e atacava novamente. Meu velho baixinho, desviava os golpes com a lateral do Katar e respondia girando em contra-ataques velozes demais para que meus olhos acompanhassem todos. Uma vez o gancho da espada curva fisgou a linha metálica horizontal do Katar. Meu pai com braço forte puxou Zhongli a seu encontro desferindo um potente chute lateral na altura do umbigo do china. Este choque fez o Chinaman perder o fôlego e arregalar os olhos de espanto, desencaixando as armas; arremessando-o longe. Mais uma vez o chinês usou técnica de rolamento. Meu pai foi logo atrás; buscando-o com a ponta de sua Katar longa dupla.
Katar já perfurava armaduras milênios antes de nascermos. Para ela, atravessar coletes a prova de bala; era uma brincadeira. Quando Zhongli conseguiu levantar-se tinha furos nas pernas, nas costas e na nuca. Mas mesmo assim levantou-se. Furioso, o chinês arrancou do chão uma pedra de cem quilos e atirou-a na direção do velho, que saltou de lado e correu de encontro ao asiático. Chinaman parecia abatido, bêbado. Meu pai sempre foi um homem confiante. Acreditou que aquela era a hora de deitar Zhongli por terra de uma vez por todas. E frente ao ataque certeiro de papai, o Chinaman; num movimento de serpente para trás desviou-se do golpe fatal, enfiando a ponta da espada curva na altura dos rins do meu velho que respondeu. Cravou a Katar no olho bom dele, num movimento pouco ortodoxo de cima para baixo, onde a palma de suas mãos abertas apenas empurraram a lâmina para baixo em direção do olho, palato superior fixo, palato inferior móvel. A ponta do Katar apareceu próximo ao queixo na lateral do rosto do Chinaman. Que recusava-se a cair. Caolho acertou o joelho de papai com a espada curva, mas papai usava grevas metálicas nos joelhos e canela. O velho afastou-se cinquenta centímetros e soltou um giro de pernas. A sola de sua sandália romana explodiu contra o rosto castigado de Zhongli, que rachou esmagado sob a força potente do impacto. Chinaman foi ao chão. Não mais levantou-se.

Meus irmãos gritaram:

- Ele venceu! Papai venceu! Estamos salvos!

Eu calei. Tinha entendido o acordo. Meu pai não pensou nele, nem por um segundo. Ele não sairia vivo daquele círculo.
Cao saltou dentro do anel de luta. Foi direto ao rim ferido do velho que, recebeu uma bastonada de matar no local. Demonstrou não sentir dor. Na verdade, ele apenas desligou estas sensações. Era um homem de disciplina exemplar, que sabia controlar sua mente como ninguém. Cao lutava com bastão de carvalho com luvas de ferro. Meu pai defendia-se com as grevas e Katar. Seus braços sofriam com o impacto do bastão. Cao veio girando-o a grande velocidade. Sua arma foi travada pelo Katar que soube bem o tempo de giro do bastão. O velho, entrou na guarda de Cao, enfiando a lâmina dupla fundo em seus pulmões de baixo para cima. A ponta entrando na altura do estômago. Contudo, Cao não caiu. Moveu-se para trás e desceu o bastão com força na cabeça do velho. O impacto da pancada o fez saltar para cima de um jeito ridículo, jogar a cabeça para trás e cair de costas no chão. Cao pulou sobre ele, como uma aranha. Pernas abertas, bastão no meio, seguro por ambas as mãos. Ele queria cravar o velho no chão. E cravou. Fundo. Não sei como aquele bastão, conseguiu penetrar um metro e cinqüenta centímetros dentro daquele chão duro. Mas, este excesso teve um preço para Cao. Quando chegou perto o suficiente, meu velho sem ver muito bem, fincou a parte invertida do Katar em forma de dois punhos no ventre cortado de Cao. Quando meu pai retirou sua mão lá de dentro, ela saiu com os pulmões do Chinaman. Impressionante. Cao teria gritado indignado, se ainda tivesse seu fole. Não teve outra escolha, caiu de cara na lama.

Mamãe entrou na roda. Fechou os olhos do companheiro protegendo-os do sereno. Passou de leve a mão no rosto do marido pela última vez. Dirigiu-se ao centro do círculo. Desenhou no ar alguns movimentos de força. De algum lugar escondido na cintura, sua mão esquerda produziu uma clava de Jade. Com quarenta e cinco centímetros de comprimento, feita de uma pedra de jade verde especial sem veios; formava uma estrutura coesa. Pesava impressionantes cinco quilos e quatrocentas gramas. Um fuzil carregado, não pesa tudo isto. Testada muitas vezes em combate, provou-se resistente a todo tipo de enfrentamento. Ela usava grevas de aço do calcanhar, até a coxa. Grevas articuladas nos braços e ante-braços idem. Uma extensão, unia as grevas superiores ao ombro; formando uma proteção em torno da nuca, por onde o cabelo louro espalhava-se; ondulando selvagem, sujeito ao forte sopro do vento norte. Garoa ia e vinha intermitente. Farejei leve aroma de terra molhada, sangue, lama e vísceras. Nuvens baixas, contorciam-se sobre nossas cabeças por toda a extensão do platô; formando belos e estranhos desenhos circulares no ar. Minha mente interpretava tais projeções do jeito que queria. Hora carrancas, outra cavalos, por vezes dragões e palavras arcanas; assim como figuras geométricas. Para mim, eram de origem extraterrena.

Han, Zhang e He; não sorriam mais. O abutre vomitou novo comando marcial em Mandarim, depois em Mongol. Han apresentou-se dando passo a frente. Olhou ao redor. Deu um profundo suspiro. Girou os ombros largos. Colou a testa nos joelhos. Para não sujar as roupas, tocou o chão com a ponta dos dois dedos indicadores. Seu corpo ficou suspenso no ar equilibrado naqueles dois dedos. Han afastou as pernas com um movimento lateral. Elas abriram-se cento e oitenta graus; até ficarem paralelas a linha do horizonte cinzento. Fazia muito tempo, que ele não usava aquele corpo daquela forma. Entendi isto. Depois, com um movimento anti-natural muito desarticulado que fez seu tórax parecer estender-se para o alto enrolando a coluna para frente; suas pernas ultrapassaram a linha dos ombros e com a ponta dos pés avançando a diante; tocou o chão com eles. Concluiu a contorção; e logo estava em posição ereta novamente. Das costas, fez surgir um sabre de tai-chi chinês. Também mão esquerda.

Han carregou sobre ela como um búfalo e desceu a porrada. Ela por sua vez; foi hábil em movimentos de esquiva. Tórax para frente, para trás, saltos. Suas grevas de braços e pernas trabalhavam eficientemente travando o sabre do terceiro Chinaman. A balança parecia pender para o lado de Han que gritou para ela:
- Vaca loura vai morrer. Vai morrer logo-logo. Bem devagar.
Ela arregalou os olhos de surpresa. Não estava acostumada a ser tratada assim de forma alguma. Num amplo movimento giratório de esquiva, como um pião; afastou-se o suficiente de Han para correr dele. Correu uns três metros ao longo da parede de uma pedra comprida. Han a caçou. Parecia um lobo atrás da presa. Mamãe, encaixou o pé esquerdo em uma saliência enquanto corria saltando alto. Han a seguiu erguendo a espada para trás. Um erro. A vaca loira, girou no ar ficando de frente para seu oponente. Enquanto suas pernas esticadas iam para cima, a parte superior do corpo dela ia para baixo em movimento contrario. Um golpe de mestre inesquecível. O ponto de impacto, deste movimento articulado com a peça de jade, foi na cabeça dele. A providência, foi estar usando um elmo leve. O potente porrete resvalou pela superfície lisa do elmo e foi afundar-se entre o ombro e pescoço de Han. A arma pesada, afundou na carne do Chinaman; esmigalhando clavícula e costelas superiores da caixa torácica comprometendo o funcionamento pulmonar. Han foi lançado de modo violentíssimo contra o solo. O som foi inesquecível.

“Sklink! Craacrack! Splashbackcrack!”

Vaca Gorda, pousou no chão com suavidade de frente para a cabeça do adversário caído a seus pés e se Han fosse um homem comum teria fica lá prostrado no chão. Contorcer-se-ia, molemente; tomado por alucinante dor pungente lancinante sem conseguir tomar ar. Infelizmente para vaca gorda; Han era fora do comum. Anulando completamente o sofrimento em seu cérebro; adaptou o corpo lesionado numa nova modalidade de luta deformada. Movimentava-se de forma anômala, monstruosa, antinatural. Fascinante. Seus golpes em nada perderam a potência graças a seu poder de adaptação e o combate prosseguiu. Han surpreendeu mamãe, com uma nova e espantosa técnica de defesa usando as pernas. Saltava lateralmente de cabeça no chão, usando o lado esmagado pescoço-clavícula como base de onde lançava potentes contra golpes na região da oitava e nona costelas onde fica o baço e próximo a lombar 1 e 2 castigando minha amada.
A hora de minha mãe chegou desapercebida para ela; quando Han sofreu um afundamento de ombro para dentro do tórax em um de seus saltos. Segurava o sabre na mão direita que sabia menos que a esquerda inutilizada por culpa do golpe que recebera.
Nesta queda o Chinaman imperceptivelmente jogou o sabre para a mão esquerda. Vaca Gorda saltou sobre Han para desferir o golpe fatal. O sabre, como se tivesse vida própria; foi junto com a mão esquerda, o ombro afundado desafundou-se por si só, graças a uma força muscular que eu desconhecia; trabalhando como se o braço fosse um chicote flácido, um dedo abaixo do umbigo de minha mãe. Região onde passa grande quantidade de sangue. Corte de sua arma estava virado para cima numa pegada invertida. Esventrou-a imediatamente. Ela por sua vez; esmigalhou a cabeça de Han que mergulhou para dentro de seu peito com capacete e tudo. Lembrou-me um caranguejo com uma garra maior que a outra.
Agora, haviam cinco corpos caídos pelo chão. Ninguém se levantou. Depois de golpes fatais como estes nada levanta mais.

Meu irmão mais velho segundo e, minha segunda irmã mais nova entraram no ring.


 7
A menina, usava grevas protetoras nas pernas e braços, elmo leve brilhante de bronze polido. Bem armada ela estava. Nunchaku médio de ferro e uma besta de mão. Meu irmão, usava sua arma preferida. Tridente, escudo e uma faca de arremesso.

Minha irmã era de porte pequeno, leve, veloz e resistente. Uma menina forte, que calçava sandálias leves de corda. Meu irmão era mais alto do que eu, mais forte que eu. Puro instinto. Não era esguio e flexível como eu. Era denso como papai, mas como era jovem, era tão forte quanto; com a vantagem de ser mais leve. consequentemente, por causa do treino; era veloz como uma serpente. Mesmo que seu corpo não tendesse a isto. Um adversário admirável. Admirável.

“Será o primeiro a morrer.” – Pensei desgostoso.

A garota, correu como um raio; buscando o ponto de partida mais alto. De lá, poderia dominar com o olhar; os primeiros movimentos do combate. Esperta. Meu mano, correu para uma elevação menos elevada próxima a irmã. A menina o defenderia e para chegarem a ela; teriam que passar por ele. Agachou-se sobre da pedra como um macaco. Abriu os braços, segurando o tridente com um e o escudo fixo no antebraço do outro. Sorriu um sorriso feroz; com a faca de arremesso entre os dentes. Ele realmente era muito perigoso. Mesmo.

Na face de Zhang e He, não havia mais nem sombra de sorriso. Eles achavam, que este seria apenas mais um julgamento fácil. Onde a decisão sempre pende para o mais forte. Mas no meu caso e da minha família, os mais fracos se prepararam. Os mais fracos tornaram-se fortes. Dispostos a sacrificarem tudo em nome não de uma vitória, e sim da verdadeira constatação que, caso o acordo estabelecido não fosse respeitado. Certamente haveria represálias. Custo alto. De fato pois, meus dois irmãos que fugiram a cavalo; eram os melhores de nós. Melhores lutadores. Melhores estrategistas. Melhores em tudo. Tudo. E agora, o inimigo estava enfraquecido. Bem enfraquecido. Olhei de relance, o bestial caminhão de carga chinês. Era uma máquina especial sem dúvida, pois chegou até o alto da corcunda. Por um instante, perguntei-me qual seria sua carga e se quando me levassem; pois eles iam certamente, se haveriam armadilhas ao longo da estrada.

Chuva de Shuriken sobre meus irmãos, abriu a peleja deles contra Zhang e He. Dois velhos lobos guerreiros experimentados, contra dois jovens que nunca haviam matado nada, que não pudessem comer. Verdade. Defenderam-se magnificamente bem. É preciso muita fibra. Não se pode fechar os olhos. Não se pode perder a concentração ou foco. Um milésimo de segundo de vacilo, te coloca fora do fluxo e perde-se o ritmo. Você não deve sair de sincronia nem mesmo com Shuriken cravado numa perna, braço ou olho. Estas estrelas da morte, podem ser lançadas em unidades, duplas e grupo de três. Três estrelas é o máximo simultaneamente. Em cada mão. Três estrelas em cada mão. Dois lançadores. Quatro braços, quatro mãos. Faça as contas. Em um minuto, uma única mão de um guerreiro treinado lança três a cada sete ou oito segundos. Faça as contas. Meus irmãos não expuseram-se a chuva Shuriken completa. Apenas uns quarenta segundos de arremessos. Suas proteções metálicas repelindo com precisão estrelas da morte. Desviando-se velozes de pontas afiadas que por milímetros erravam o alvo uma apos a outra. Movimentos defensivos magistralmente coordenados. Protegeram-se atrás das pedras. Recolheram as estrelas que encontraram. Guardaram com eles. Não foram feridos. Habilidade não é tudo. Até hoje, quando vejo alguém superar as leis da probabilidade encarando de frente um desafio; vem duas ou três palavras em minha mente. Não as digo em voz alta. Determinação, coragem e sorte. Muita, muita sorte. Não tem jeito. É assim. Quem não corre riscos, não paga para ver. Fecha os olhos; falha com a vida. É atingido por forças invisíveis. Morre em vão. Não é isto que se espera de nós.

Meus irmãos eram estrategistas. Meu Brow, quanto atirou-se para trás da pedra; caiu simulando ter sido ferido. Soltou o ar dos pulmões e gemeu baixinho. Isto foi tudo que seus adversários precisavam. Não foram em sua direção. Contornaram a posição onde ele guardava a frente da minha irmã. Iam ataca-la pelos flancos. Quando deram a volta na pedra ela não estava lá. Encontraram meu irmão, que lhes devolveu alguns de seus Shurikens. E quando ele recuou para sua posição anterior, a pedra menor; Foram alvejados pela besta de mão, pela faca de arremesso e por mais Shurikens. Aí, os garotos correram para o outro extremo do ring. Zhang e He foram atrás deles. Pareciam porcos espinhos, mancando, gemendo e grasnando; de tantas estrelas nos braços, pernas. Infelizmente, a maior parte; parou nos coletes Bullet Proof. Ambos usavam espadas longas. Belas e brilhantes damas Japonesas. Beijo doce arrepio que precede a agonia da morte; elas tem para dar. Ah sim. Isto elas tem para dar.


8

Minha irmã colou-se as costas de meu irmão quando Zhang e He iniciaram ataque frontal direto contra ele. Moviam-se como se fossem um. Colados. Ele brandiu seu tridente a esquerda e a direita bloqueando golpes de espada. Avançou sobre o guerreiro que estava mais próximo dando as costas ao que estava um passo mais distante. Na fração de segundo que levou este movimento onde era para meu irmão estar desguarnecido lá estava minha irmã que acertou um tiro certeiro de besta de mão na garganta de He. Assim que conquistou esta vantagem; descolou-se de meu irmão e partiu para cima do guerreiro ferido com seus nunchaku de ferro. Lindo ver ela dançar. Com seus passos leves, velocidade felina esquivava-se de golpes horizontais e verticais efetuados pelo atacante chinaman Zhang e audaz furava as guardas do inimigo demolindo-o mais ainda com pancadas potentes de sua arma.
A resistência física dos adversários da minha família aproximavam-se do sobre-humano. Zhang estava quase moído, quando conseguiu machucar de verdade minha mana. Um inimigo resistente é um problema a parte. Pior que inimigos habilidosos por vezes. Um guerreiro habilidoso pode ser abatido por um golpe sutil se dermos sorte. Já um resistente não. O chinaman deu um passo para trás. A ponta de sua lâmina na direção oposta do abdômen de minha mana. Ela caiu dentro. O cabo da espada do china atingiu o rosto dela partindo o nariz e afastou-se. Depois, em vez do cabo, veio a lâmina querendo abrir a cabeça dela. Ela desviou-se. Acabou sendo ferida profundamente no ombro. Se ela não fosse quem era; estaria partida ao meio sobre as pedras da corcunda. Ninguém alí estava brincando. Num último movimento desesperado ela sacou a besta de mão presa nas costas. Olhou para meu irmão a tempo de vê-lo cravar seu tridente no coração de He. Seu irmão estava morto. Matava seu inimigo com a espada do mesmo atravessada no pescoço. Isto, em vez de desestimula-la; pareceu redobrar suas forças. E assim, ela obteve êxito derrubando Zhang com um tiro perfeito de besta de mão que entrou pelo orifício nasal esquerdo do china e despontou no topo da cabeça com pedaços de cérebro. Em silêncio, minha irmã partiu corcunda abaixo levando nada a não ser si própria e um ferimento profundo. Havia curativos na Kombi eu sabia. Ela tinha a chave.

Os combates terminaram. Shaohao desafiou-me. Eu lhe disse que aceitaria o desafio. Mas não naquele dia. Reservei-me o direito de escolher data e hora. Ele acatou mas, até que este dia chegasse; seria seu prisioneiro na China; já que não me podia matar ou julgar. Respondi a ele:
– Isto, quando chegamos a ela. Até lá é um longo caminho. Por enquanto prefiro me imaginar como um convidado.

Shaohao gritou com seus mortos:
– O julgamento acabou! Levantem-se.

Os cadáveres de Han, Zhang, Zhongli, Cao e He começaram a estremecer.

Shaohao sorriu matreiro. Latiu:
– Vocês três também. Suas almas são minhas assim decidiu o combate.
Os cadáveres de meu pai, mãe e irmão; começaram a estremecer.




Fim


Como sempre, dedico a Lumyah e Raphael meus queridos.