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segunda-feira, 18 de março de 2013

Sobre a coisa que veio com a chuva

Isto pra mim é viver.



Por: gu1le

Num dos desertos do mundo, é noite. Como quase nunca chove, o céu apresenta-se fascinante; embora não existam muitas almas para contempla-lo. Alguns gafanhotos, desviados da nuvem que passara por ali há alguns dias atrás; serviam de repasto para aranhas, escorpiões e répteis. O chão está quente o ar, gelado. As pedras, que são as verdadeiras flores do deserto; banham-se na luz estelar. As redondas foscas, pretas ou amarelas, são das mais antigas. As redondas polidas, brancas ou âmbar; além de serem antigas, são de fato as mais bonitas. As pontudas, novas e rubicundas. Mas a mais antiga de todas, a que nunca se engana; é a areia fina. E esta areia em torvelinho, se agita ao sabor natural(1) de um vento diferente. Possivelmente, vento que nunca foi visto vagando por estas bandas. Um vento que não vem de ano em ano, nem de século em século; vem de era em era.

Este tal vento alterado, é arauto.

Os grãos da areia fina, grãos que já foram montanhas, varridos e usados por este vento; a todas as criaturas avisa que, mais uma tempestade das eras está chegando. “Preparem-se” adverte areia fina. Aí, tudo que é vivo, primeiro imobiliza-se, sintonizando alguma estação de rádio interna. Há algo no ar, as pedras vibram suavemente. A tempestade dissemelhante e potente se avizinha, imensa; tão vasta quanto o deserto. De onde veio? Não se sabe. Para onde vai? Desconhecemos. Origens e derradeiro destino são os verdadeiros mistérios. Mas pergunta, não é empecilho para a chuva que continua aproximando-se; como um soberano(2) implacável. Vinda de muitos quilômetros acima do chão. Bem alto na atmosfera, a água química cai e, cumprindo todas as profecias de todos os profetas que morreram de sede, finalmente; o deserto vira mar. Mas não há ninguém para testemunhar, só eu e você.
Vou te contar um segredo sobre ela. Ela carrega algo em seu ventre. Um passageiro e, busca alguma coisa debaixo da terra. Algo que o mundo natural(3) não vê há milénios.

A água primeiro molha, depois encharca o chão. O chão saturado testemunha a morte de todas as criaturas adultas filhas do deserto. Suas ovas sobreviverão. O deserto está abaixo de dez centímetros de água, agora vinte centímetros e instantes depois; um metro. A chuva procura algo no subsolo. A água, vai se entranhando nas profundezas da terra; três, quatro, cinco, dez metros, quinze, vinte metros e acha o que procura. Sua química toca calcário, ferro, cristal fundindo-se transformando e, por fim; desperta algo que com este contato(4), finalmente volta a sentir o acre sabor vertiginoso da libertação(5).

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