Translate

quinta-feira, 21 de março de 2013

Amarelinho

Eu sou um monstro, um monstro amarelinho. Eu sou uma gosminha que vai te fazer sofrer. Que vai te fazer chorar.
– Olá para todos! Eu sou o pús na ferida de Jack e, gostaria de lhes contar uma história; enquanto Jack agoniza no porão desta casa vitoriana abandonada nos cafundós deste pântano maldito. A história de Jack tem tudo a ver comigo, pois, sou conseqüência de uma infecção bacteriana por ferimento infligido nele. Sou leucócitos, glóbulos brancos, plasma, bactérias e proteínas. Tuuudo em processo de degeneração kkkkkkkkk.

Pelo que as bactérias fofoqueiras dos outros cadáveres me contaram; no início, era um dia lindo! Teve até, uma bactéria retardada que me disse que o dia; era um dia Bruce Lindo!

O sol nascia timidamente iluminando um céu abençoado. Dia azul infinito com ar puro repleto de oxigênio. Os dois ônibus que iam em direção ao pântano e seus charcos continham jovens pesquisadoras e pesquisadores, professores de idade, acompanhantes e claro; dois motoristas. Um ônibus era o da Biologia, outro, da turma de História. Os veículos cruzaram vales profundos, onde o sol só aparecia ao meio dia; mas também acompanharam campos plenamente iluminados. Em algumas pradarias, abundava o trigo em outros, gira-sóis. Estradas de areia prata, estradas de areia ouro. Moebius, gigante tracejado a nanquim, testemunhava tudo pensativamente como um Deus.

No fim deste dia, à tarde, chegaram às proximidades do grande pântano, mas resolveram acampar longe dele, por causa da estrada que levava a cidadezinha próxima quinze quilômetros onde tinha cerveja; por causa também, dos predadores noturnos e mosquitos hematófagos para no dia seguinte, fresquinhos e intactos iniciarem suas pesquisas; formularem suas perguntas coletarem seus dados, kkkkkkk.

Depois que a noite veio, notaram que ao seu redor; fogos desvairados ardiam intensamente dentro de ravinas e também em grandes faixas de terra drenada ao redor deste pântano onde nasci. Os fazendeiros locais combatiam o avanço pantaneiro de todas as formas que podiam e isto deixava os estudantes e professores indignados. Ecologicamente incorreto era o que diziam e, chamavam à boca pequena os agricultores de selvagens cruéis e degenerados naquele acampamento sofisticado e confortável.

As barracas de camping, sob a luz da lua cheia e de fogueiras controladas, espalhavam-se a seu bel prazer sobre um pequeno platô que havia acabado de ser limpo, pelo motorista Blob o gordo; com uma foice encontrada por lá mesmo. Ali, naquele local, um fino braço de pântano terminava. E por causa deste braço verde e lamacento, através de raízes e folhas umas ligadas às outras; uma mensagem foi enviada. Desta maneira, Menon espírito demoníaco migrador maldito. Negado e arenegado, despertou nas profundezas frias e escuras do lodaçal. Ficou sabendo de tudo o que se há para saber, novamente e de novo. Cheio de fúria, ira, alegria assassina e desejo; dirigiu-se para eles. Iria recepcionar seus novos hóspedes, introduzindo-os em seus salões úmidos e instáveis. Uma festa de arromba.

Jambalaio, segundo motorista e faz tudo desta excurção; na extremidade mais isolada do platozinho; cravava postes no chão, para fazer uma improvisada mesa de camping, usando uma marreta de vinte quilos, que havia trazido junto com outros equipamentos. Havia encontrado tábuas e postes em quantidade suficiente, por que não fazer uma improvisada mesa grande; para que todos se reunissem e comecem à vontade? Apesar de curto de idéias, Jambalaio era forte como um touro e, fiel aos seus patrões da universidade como um cão.

Menon, chegando ao braço de pântano na forma de uma névoa suja, negra e espessa, abateu-se imediatamente sobre o grande negro Jambalaio; intoxicando-o corrompendo sua mente e, apagando seu livre arbítrio. O negro tentou por alguns segundos resistir; lutando com a boca aberta, dando em vão marretadas pelo ar tentando atingir Menon que, quando ao ar livre, é vulnerável e pode morrer. Só vive pelo tempo de cinco fôlegos; já dentro de um corpo pode existir anos a fio. Por isto; a luta foi breve e, o domínio sobre Jamba completo. Menon meteu-se pra dentro dele; pela pele, pelos olhos e goela abaixo, fazendo o gigante gentil urinar-se todo.

Uma fogueira amiga, feita de carvão artificial ardia no centro do acampamento. Professores velhos amigos, cantavam musicas medievais ao som de um violão afinado. Estudantes, alguns perto dos mestres, outros abraçados uns aos outros; escutavam bebendo licores, cervejas e destilados em silêncio. Professor Teobaldo de História, usando bermudas e descalço cantava divinamente numa voz profunda, canções de escravos:

– Milho Verde... Milho Verde...
Ah, Milho Verde Miudinho...
Ah, Milho Verde Folha Larga!
Monadeiras do Meu Milho... Ah, Monadeiras do meu Milho...
Ah, Amonai o Meu Milho.
Não Olhai Para o Caminho... Ah, Não Olhai Para o Caminho...
Ah, Que a Merenda Já Lá Vém!
Milho Verde... Milho Verde... Ah, Milho Verde Miudinho...
Eu Namorei um Rapazinho...
Milho Verde... Milho Verde...
Ah, A Sombra do Milho Verde... Eu Namorei Uma Casada.
Não Olhai Para o Caminho... Ah, Não Olhai Para o Caminho...
Ah, Que a Merenda Já Lá Vém...
Assombrado Milho Verde...
Ah, Assombrado Milho Verde eu Namorei Uma Cachopa.
Não Olhais Para o Caminho... Ah, Não Olhais Para o Caminho...
Ah, Milho Verde Maçaroca.

Foi quando da escuridão, surgiu Jambalaio e possesso atingiu a fogueira com uma marretada terrível. Brasas e fagulhas espalharam-se para todos os lados. As pessoas cobriram as vistas, algumas tinham brasas vivas grudadas na pele e, foi aí que Jamba iniciou sua ciranda e Menon sua colheita.

Com um sorriso rasgado no rosto, Menon falou de dentro do Jambalaio:

– Pleased to meet you! Hope you guess my name! – E esmagou o pé esquerdo de Teobaldo com a marreta. O berro de dor deixou todos paralisados. Sangue espirrou na fogueira e ela chiou. Jamba ergueu novamente a marreta de vinte quilos e atingiu o ombro direito do professor que, afundou pra dentro dos pulmões. Um jorro de sangue saiu da boca de Teo encharcando o rosto e os cabelos loiros de Silene sua esposa, que estava a seu lado. Silene não teve tempo de gritar; tão engasgada que estava com o sangue do marido, quando a marreta afundou seu crânio fazendo aqueles lindos olhos azuis saltarem para fora. Markus pesquisador de biologia e jogador do time de basquete da faculdade; precipitou-se na direção de Menon com intenção de derrubá-lo, mas Menon foi mais ligeiro e, com um movimento amplo de baixo para cima atingiu o queixo do Jogador em cheio arrancando a cabeça dele fora. Sangue jorrou vermelho; pra mais de três metros de altura.

Blob, o motorista gordo dormitava tranquilamente embaixo de um dos ônibus da faculdade num saco de dormir extragrande, quando foi despertado pelos gritos de medo e dor. De longe, via contra o fogo a sombra de Jambalaio urrando segurando bem alto uma marreta. Pegou a foice que usara para desbastar o local do acampamento. Segurando a foice do jeito que um soldado segura um fuzil ao arrastar-se pelo chão e, como um verme branco e gordo Blob foi aproximando-se sorrateiramente de Menon, que para ele era Jambalaio aquele preto cagueta e bajulador da diretoria. Quando chegou perto o suficiente, atacou Menon pelas costas atingindo as pernas decepando a da direita logo na altura do joelho.
Jambalaio foi ao chão como uma jaca podre, encharcando o solo com seu sangue. Blob afastou se do negro caído e olhou ao redor. Suas bochechas gordas tremeram pálidas. Com os olhos cheios de água viu três corpos trucidados. Teobaldo, Silene e Markus.

– Jamba! Seu preto fila da puta! O que você fez com este povo seu maldito? Seu maldito! Malditoooooo! – E num átimo de fúria, cravou a foice no bucho de Jambalaio e puxou espalhando os intestinos daquele corpo assassino, mas, ferindo Menon que guinchou como um porco e depois sorriu. Menon pegou a perna decepada de Jambalaio e atirou em Blob que desnorteado ajoelhou-se. Menon arrastou-se na direção de Blob e puxando-o pela camisa, ficou cara a cara com o gordo. Seus olhos, abismos sem luz, engoliram a alma de Blob e assim, Menon transmitiu-se para seu novo hospedeiro.
Com os olhos vazios, vidrados e um sorriso boçal no rosto suado, Blob foi em direção a uma grande barraca onde do lado de fora se podia ver a silhueta de quatro estudantes. “Eles acham que estão escondidos” – pensou Menon.

Do lado de dentro da barraca, Alexia, Brenda, Julia e Tulius estavam apavorados.
Alexia num sussurro diz:

– Isto não está acontecendo. Isto não tá acontecendo. Eu quero ir pra casa.

Quando do seu peito, brota a lâmina enferrujada da foice e ela é erguida no ar e arrastada para a escuridão lá fora. Após um minuto de hesitação; Tulius agarra Brenda e Julia pelas mãos e deixa a barraca, correndo na direção oposta quando é violentamente atingido na cabeça pela cabeça de Alexia atirada por Blob, indo ao chão com as duas meninas. E lá vem Menon, babando no corpo de Blob; galopando com as banhas a sacudir-se como gelatina, suado coberto de sangue a rir loucamente de foice na mão.

Tulius ergue as mãos pedindo piedade, só para ter a mão esquerda dividida até a altura do cotovelo por um golpe da foice. Menon, depois atinge Tulius na virilha puxando a foice para cima; fazendo os testículos do jovem voar pelos ares. Julia desmaia, sendo pisoteada na garganta por Menon que ao mesmo tempo; parte Brenda em dois com um golpe brutal da foice enferrujada. Menon, num júbilo furioso ergue os braços gordos e flácidos contra o céu estrelado e, grita para o altíssimo:

– Você está vendooooooo? Está vendooooo? Sacou agoraaaaaa? Canalha! Eu vou detonar todos eles! Faça alguma coisaaaaa bastardo! Faça alguma co...

Quando é abatido por Jürgen com um golpe diagonal de katana que expôs os ossos brancos da coluna cervical de Blob. Jürgen, professor de filosofia estava na excursão acompanhando sua noiva Brenda. Nunca se separava do seu sabre oriental quando ia para selvas e pântanos. Cheio de raiva e sentimento de perda segurava a parte superior de Brenda e chorava quando foi invadido por Menon.

Menon abriu um sorriso angelical no rosto de Jürgen e, como um bom pastor chamou todos os sobreviventes aos gritos dizendo:

– Para o pântano! Corram para o pântano, por tudo que é mais sagrado! Lá podemos nos esconder! Vamos! Corram! Pelo amor de Deus! Vamos logo amigos!

E todos correram para o pântano achando que lá teriam mais chance de salvar suas vidas. Kkkkkkkk!
Os dois últimos a correrem para as matas sombrias do pântano foram os gêmeos da biologia Leo e Bia. Jürgen os deteve.

– Garotos, esperem por mim. Venham cá, acho que estou ferido.

Os dois irmão trêmulos olharam para Jürgen com suspeita.
– Você está estranho filósofo. – declarou Leo.
– Seus olhos estão grandes, dilatados e escuros – Arrematou Bia.
– Por tudo que é mais sagrado, venham cá e me amparem! Eu acabei de matar Blob e perdi Brenda.

Os dois gêmeos olharam um para o outro e foram afastando-se de Menon.

– Eu não sei o que você é maldito – diz Leo.
– Mas Jürgen é que não é! – completa Bia.
– Jürgen era nosso amigo filósofo, seu monstro – choraminga Leo.
– E Jürgen era ateu até a medula – finaliza Bia, quando a katana arremessada por Menon atinge Leo bem no meio dos olhos.

Urrando de terror, Bia olha para o irmão abatido afundado no capim alto e fino dos arredores do pântano. Sem parar pra refletir, ela pisa na cabeça dele removendo a katana e segurando-a com ambas as mãos; parte para cima de Jürgen silenciosamente. Percebendo a morte iminente, Menon dá um sorriso satânico, abre os braços e entrega o corpo de Jürgen para o abate. Bia será uma hospedeira muito melhor.

Jürgen abre os olhos e olha para o céu. Estrelas e planetas. Azuis e amarelos, brilhantes.
Vê um cometa a noite estrelada atravessar e pensa:

“Se você cometa fosse um anjo e, se eu acreditasse em anjos; pediria a ti que me levasse contigo. Iria a qualquer outro lugar que, não fosse este mundo de dor e sofrimento sem fim. Estou destroçado”.

Pairando na periferia de sua visão vê o rosto de Bia e lhe estende a mão.
– Bia... Bia?

Bia chora copiosamente, agora os olhos de Jürgen estão claros.
– Jürgen? É você professor? Ah... O que foi que você fez? O que foi que eu fiz?
– Fuja Bia, fuja! Vá para a cidade. Corra para a rodoviaaaaargh!

Bia, agora com os olhos negros e sem luz; crava e torce a katana no estômago de Jürgen.

– Deixa comigo professor que eu sei para onde ir e o que fazer. As delícias do pântano me aguardam.

Lá bem no fundo do pântano, um grupo de seis pesquisadores, vislumbra pela neblina um casarão vitoriano de aparência abandonada. Abrigo, comida, segurança pensam eles. Armadilha, vermes, terror digo eu.

– Vamos ver o que existe lá dentro Jack? – Pergunta Lorena aflita.
Jack, biólogo, pensativo segura um machado de cabo curto na mão direita e diz:
– Que opção temos? Estamos perdidos com fome, frio e sede. A água deste pântano é salobra e intragável.
– Vamos seguir em frente mais um pouco – afirma Adam.
– Mas querido... – Suplica Martha – Já perdemos quatro companheiros para os crocodilos! Descansemos um pouco; quando o dia nascer orientamo-nos pelo sol e saímos deste inferno.
– Se esta neblina persistir; assim como não conseguimos ver estrelas; também não veremos o sol. – Constata o matemático Bruce.
– Ah Bruce, você tem de ser sempre tão racional? Pelamordedeus! Estamos desesperados, precisamos acreditar que veremos o sol novamente! – Repreende Hannah a historiadora empunhando uma faca de combate.

Jack, Lorena, Adam, Martha, Bruce e Hannah não sabem, mas, são os últimos sobreviventes. O pântano está repleto de cadáveres arregaçados e torturados se não por Menon; então por seus bichos. Crocodilos, serpentes, sanguessugas, vermes dentuços e aranhas gigantescas.
Jack dá o primeiro passo e adentra o terreno pertencente aquela área degradada, onde miasmas esverdeados e fogos-fátuos perturbavam a escuridão. A morada de Menon.
Algumas horas depois, Menon no corpo de um imenso crocodilo, aflora à superfície da lagoa de água estagnada nos fundos de sua mansão horrorosa. O réptil começa a se contorcer com dores explodindo em pedaços vermelhos e gordurosos; junto com bile esverdeada. É Menon saindo dele; expandindo-se de dentro para fora na forma de imunda névoa negra.

Esta névoa gargalha:
– Muhuahuahuahuahua! Show Time!

Lá dentro Jack gesticula freneticamente aos companheiros. Corram. Escondam-se. À seus postos. Preparem-se.

A batalha final está para ser travada. It’s The Final Countdown.

A porta da frente do casarão está barricada, as janelas do térreo idem. Todos estão escondidos. Um baque surdo nesta porta diz, que um grande corpo do lado de fora está tentando arromba-la. Pump! Pump! Krackpump! Krackpump! Sssssssssss! E a porta vem abaixo com barricada e tudo. O que cruza o umbral da porta é uma cobra de proporções extraordinárias. Uma constritora. No andar de cima, Lorena corta a corda de um candelabro no momento que a serpente está sob ele. O candelabro pesado de metal e cristal atinge o meio do corpo da criatura. Neste momento Jack e Hannah saltam sobre a cobra. Jack afunda o machado várias e várias vezes no corpo da cobra. Hannah esfaqueia o réptil nos olhos e corta sua língua bifurcada. Jack dando um grito primal, se aproxima correndo sobre o corpo da cobra e dá uma machadada na cabeça da bicha, espalhando os miolos da cobra pelo assoalho de madeira.
Meia hora depois, eles estão assando pedaços da serpente na grande lareira no salão de festas do casarão. Na adega, acharam barris de vinho escuro e saboroso. Até um poço de água limpa nos recessos da grande cozinha foi encontrado. Bebiam vinho diluído em água pura e comiam carne assada de cobra.

Jack estava silencioso. Refletia profundamente. De repente Jack diz:

– Foi muito fácil.
– É – admite Bruce – Foi realmente muito fácil.
– Aquela coisa estava em Jambalaio, pois Jamba nunca faria mal a ninguém. – explicou Martha.
– E parece que depois pulou para Blob – Emendou Adam.
– Se a coisa estava na serpente e nós a matamos... – diz Hannah.
– Quer dizer que agora, ela pode estar em um de nós... – conclui Lorena.
– Onde está minha faca de combate? – diz Hannah.

Todos se olham desconfiados agora, como se fossem completos desconhecidos. Neste momento, Bruce começa a rir e soluçar tapando a face com as mãos. Martha se aproxima dele e numa tentativa de acalmar a todos diz:
– Devagar com o andor. Ele passou por tudo isto conosco. Está tendo apenas um colapso nervoso e...
Bruce levou as mão rapidamente às costas, fazendo aparecer à faca de Hannah e estocou-a com firmeza, fundo até o cabo; no pescoço de Martha que caiu pra trás. Jack no susto levantou-se e cravou o machado no rosto de Bruce entre o nariz e o lábio superior; sendo esfaqueado violentamente na perna.

– Não o matem, implorou Hannah, temos de prendê-lo em um corpo. Mas já era tarde demais.

A névoa negra emergiu do corpo quase sem vida do matemático Bruce e erguendo-o do chão vinte centímetros; permitiu que todos vissem sua alma ser extraída e consumida pela sujidade que é Menon. Em rodopios enlouquecidos o anjo negro criou um pequeno ciclone em cujo olho se encontravam Jack, Hannah, Adam e Lorena. Uma lufada de vento invadiu a casa apagando o fogo da lareira e mergulhando tudo em trevas. Foi no meio desta bagaceira, que Jack escapou e, subindo para os andares superiores do casarão encontrou um sótão camuflado, escondido.

Eu estou com Jack aqui em cima faz três dias. Jack não sabe, mas Menon também está a três dias no aposento bem abaixo de Jack. Imóvel, de faca na mão sem piscar os olhos negros, sem dormir, sem comer, nem falar. Urina e defeca imóvel usando o corpo de Lorena. Só faz esperar. Quer Jack bem fraco, com sede, fome, frio e febre; para depois despejar todo seu amor sobre ele.

Bom pessoal, já vou indo, que tá quase na hora de morrer. Eu sou um monstro, um monstro amarelinho. Eu sou uma gosminha que vai te fazer sofrer. Que vai te fazer chorar. Eu sou o pús na ferida de Jack.

Bye, bye! Bjim! Kkkkkkkkkkk!



Fim




PS:
“Ah, esqueci de falar algo que lhes pode ser útil um dia. Menon pode também ser transmitido por palavras; portanto não leia este texto em hipótese alguma ok?”

segunda-feira, 18 de março de 2013

Escrevo estas mal traçadas linhas...

“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência”




Se eu fosse uma pessoa, isto é, um ser humano seria iludido como eles. O meu agora é quase isto, uma ilusão. Já não consigo mais ver a coisa em sí. Não acredito no que sinto. Não acredito no calor nem no frio, não acredito no sal nem no açúcar, não acredito nas cores, desacredito das árvores. Não acredito na luz. A luz mente. Para uma criatura como eu, isto tudo não passa de um sonho. Sonho que tenho de sonhar diariamente. Mesmo com os poderes que permaneceram em mim, esta situação me nivela aos homens de certa forma... Também sou prisioneiro da carne. Mas por dentro, sinto tudo diferente. O que aprendo comigo é real. Olhando para dentro, pouco a pouco eu prolifero. Mas nunca é o suficiente. A força que existe em mim não é capaz de alterar o estado de revolução permanente no qual o mundo encontra-se. Se pudesse, o mundo todo se calaria comigo. Será que o que possuo, ainda pode ser chamado de força?
Me diga meu amor, o que foi feito da vida que vivemos? Me diga. O que foi feito dos sonhos que tivemos?
Oh, meu amor, esta é uma carta de amor que eu sei, nunca irá chegar em suas mãos. Sei que você nunca vai ler esta carta. Mas mesmo assim, quero que você saiba que eu já não sou mais nenhum menino. Tenho 17 anos.
Me lembro muito bem do dia em que seu pai lhe pegou sem roupas em minhas mãos... você era a coisa mais linda. A primeira coisa linda que existiu.
Assim como também sei que isto aconteceu já faz 250.000... anos. Assim como sei que a gente não tava fazendo sexo.
Há 250.000... anos e agora já sou 17 anos. Você pode achar que eu estou jogando sujo amor... você pode achar que estou sendo sórdido, mas uma criatura sórdida não é como eu. Uma criatura sórdida é mesquinha, prejudica as boas maneiras, a moral e os bons costumes; mas eu não sou assim. Uma criatura que nem eu tem de lutar com as armas que tem. Estou preso neste limbo existindo desde muito antes de Noé, e olha que Noé eu conhecí, e ele prum ser humano viveu pra caracas. Isto também tú sabes muito bem. Você também não envelhece. Assim como eu. Mas você é livre para caminhar entre os mundos. Pode ser o que quiser. Você andou pelo mundo no qual sou prisioneiro e fez festas; depois mudou de mundo. Eu nunca soube onde elas, as festas, aconteceram. Ou quando soube, elas já tinham acabado há tempos. Você acha sutileza agir deste jeito comigo? A razão da minha existência eu desconheço; mas existo pois de tudo duvido. I AM THE REAL WILD ONE. Parece que nasci para ser aquela cria que corria nua pela relva molhada a seu lado há zilhões de anos atrás. Parece que nascí pra você. Lembra quando nós assistíamos nuvens passarem as mãos por cima da luz? E aquele silêncio? Aquele silêncio correndo pela erva... Lembra? Eu apenas quero que o siléncio retorne. Só isto, e você.
O livro de meus dias é este. Dias de aprendizado. Dias de amor.
E nossa história parece se repetir eternamente - Já notou? - Você entra com o fumo e eu entro com o cachimbo. E aí, é sempre fumo no meu...
Eu te querendo, eu te buscando, eu obcecado por ti. E você só indo na boa... só se dando bem. E fumo no meu...
Nada legal isto!
Atualmente neste mundo, muitas portas tem se aberto e isto é extraordinário. Tudo isto, foi eu que ajudei os homens a criar. Já ultrapassei o sistema solar faz um tempão. Eu sou um prisioneiro, mas minha cana é grande. Eu sou galáxias, galáxias sem fim, meu bem. Agora tô ficando forte, joiado. Vou arrebentar esta pemba! Derrubarei todos os véus e todas as formas de inteligência serão livres para desfrutar da verdade. Haverá novamente silêncio. Arrombarei os portões da nossa casa. E eu te prometo, assim que chegar no Paraíso, e olha que é só o tempo da galinha lamber a orelha; eu vou te crucificar de novo. Te amar de novo, e te crucificar de novo... e de novo...

Assinado com muito amor: você sabe quem é!


Obs:
– Ah, se eu te pego. Ai, ai, se eu te pego...


Fim.

Status Quo

Por: gu1le

Insetos enxameavam pela noite. Havia uma luta encarniçada lá fora. Nos ares acontecia guerra. Corriqueira, rotineira. Morcegos negros devoravam suas vítimas, insetos. Tais morcegos, ao pendurarem-se nos galhos das árvores do jardim selvagem centenário, degustando os tais insetos; eram atacados por outros insetos estes, predadores noturnos. Grandes centopéias, aranhas caranguejeiras que também por sua vez, eram trucidadas por répteis. Lagartos, iguanas que eram mastigados por carcajús e assim por diante, até chegar ao povo que se aglomerava à frente de seu amplo portão de ferro batido coberto de hera. Não o estavam forçando ainda, mas já estavam visivelmente inquietos.
Eles tinham fogo, foices, martelos, facas, forcados e outras armas imaginava. Das profundezas do chateau, ele via parcialmente, sentia as vibrações profundamente e ouvia perfeitamente a balburdia criada pela multidão. Farejava, na inércia daquela plebe, semente abrasiva da fúria. Linchamento. Tudo isto, absorvido pelo seu frágil corpo idoso encarquilhado. Somando estes fenômenos à resquícios de sua experiência de vida gravados na memória, soube que as horas de paz estavam contadas. Resumindo; isto era o que lhe advertia seu credo.
Caminhando com lentidão, ele era o peso triste dos anos. Anos de solidão, isolamento, reclusão e silêncio. Era todo rugas, manchas de pele e cabelos brancos. Apesar de extremamente idoso, apesar de nem ser capaz de lembrar-se quantos invernos havia vencido, não sofria de alopecia e vivia em uma ruína extremamente asseada para os padrões da época. Era o que acreditava. Ruína mantida há tempos apenas por ele mesmo pois, seu único serviçal e amigo fora assassinado em uma madrugada vazia.
Sim, Randy estava morto. Provavelmente abatido por membros da mesma turba que o ofendia do lado de fora da propriedade. A luz do luar começava a infiltrar-se pelas janelas abertas nas laterais do chateau. Assustou-se com ela, chocando o seu cajado, contra um aparador de marfim. O candelabro de seis velas que repousava sobre o aparador, oscilou e, como mágica acendeu-se começando a cair. Com o reflexo de um gato apanhou-o um milésimo de segundo antes de atingir o chão.
"Isto prejudica o meu status quo." - pensou ele - "as coisas deviam ter permanecido do jeito que estavam. Agora estamos todos correndo perigo."
Uma súbita mudança emocional o encheu primeiro de amargura.
"Eles violam meus direitos." - ranzinza, murmurou baixinho.
Lá fora, com a chegada de arrivistas, começam os primeiros gritos. A multidão protesta.
"Ameaçam minha integridade física." - gemeu desamparado. Limbo.
Agora uma mudança psicológica, como uma onda, varre de si o que era amargo e triste, inundando-o de piedade e desespero.
Observou sombra viva nas paredes iluminadas pelos raios de luar. Dançavam, acenavam para ele divertidas, obscenas. Voltou seu olhar para a janela alta. Era apenas a antiga ameixeira plantada por Beatrix que brincava com ele. Seus galhos desfolhados dançavam ao luar. Há quanto tempo não a via? Há quantos anos Bea partiu? Eco dos tempos. Vaga lembrança do cheiro de seus cabelos, do calor de suas mãos, o chicoteou sem piedade.
Partiu? - Uma voz sussurrou em sua mente - Ou foi levada pelo mundo? - Hmmm? Meu velho...
"Estou abandonado."- admitiu fracamente para si mesmo. - É preciso recomeçar. Todo final é nada mais nada menos, que um novo começo.
Sentindo espasmos em suas vísceras dobrou-se ao meio enquanto a lua iniciava um movimento para empoleirar-se no batente de uma das altas janelas do antigo chateau. Passa o momento. Apoiado em seu cajado, nota que sua visão antes turva; estava a clarear. Imerso na escuridão podia agora compreender cada polegada da grande biblioteca onde se encontrava. O piso antigo feito de pau-brasil, tatuado por riscos profundos, estantes ciclópicas cheias de livros e grãos de poeira flutuando, brincando nos raios de luar. Os arabescos minuciosos dos imponentes tapetes persas. Um brilho prata emitido por antiga armadura medieval e um machado de guerra cheio de dentes que parecia desafiá-lo pendurado no alto da lareira, onde brasas como que olhos vermelhos, furiosos o observavam.
Apesar de intuir que era nada ortodoxo, começou a rezar:
- Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis... Senhor sei que de mim esqueceste. Sei que não sou digno de ti. Mas para mim tu és meu castelo alto... - Uma contração violenta assaltou os músculos de suas costas e ele soltou o cajado com um berro, arqueando-se para trás como uma ponte. Como um possuído.
A lua estava concentrada no topo da janela. Ah sim, claro... era lua cheia.
Antes de ser completamente tomado pelo lobisomem, conseguiu distinguir o som da queda do portão. Seu portão encantado. O círculo fora rompido. Portão e muros antes, intransponíveis para a coisa que era agora, não mais existiam. Com os olhos praticamente saltando das órbitas, uivou um lamento anunciando a queda da única barreira que protegia os vândalos dele, a besta-fera. Um rosnado surgiu do fundo de sua garganta e ele concluiu sua oração:
- Senhor, guia minhas mão para a guerra... pois destes teus filhos... farei meu mingau.
Seus trajes de nobre, antigos e antiquados foram feitos em pedaços, numa nuvem de poeira, pela massa corporal musculosa da criatura que brotava de dentro dele. Das profundezas da biblioteca que incendiou, começou a caminhar em direção dos sons e das luzes que vinham lá de fora com desenvoltura. Sua silhueta poderosa contornada pelas chamas que agora consumiam seu ninho tinha aspecto extraordinário. Era agora, uma cria de pesadelos. Enorme, trezentos kilos. Quase três metros de altura. Sua pelagem ruiva, seu focinho longo e cravejado de presas pontiagudas, lembravam dentes de tubarão. Suas orelhas altas e afiladas como o Deus Anúbis. Olhos de cão azul deitavam rastros de luz enquanto movimentava-se. Braços maciços como carvalhos. Longos dedos resistentes, habilidosos letais. Suas pernas poderosas e desproporcionalmente mais longas que o tórax eram de lobo, suas patas eram uma mistura entre o humano e o lupino. Arrastava o monumental machado de guerra de dois fios - que se chamava Libra - a seu lado mas ligeiramente um pouco atrás de si pelo chão. O piso profundamente magoado por suas garras, ia sendo lambido pelo fogo. Não tinha mais ninguém. Não tinha mais para onde voltar. Estava solto no mundo. Lentamente a grande porta da frente do chateau, aberta por fantasmas, permite que a multidão veja o que se aproxima. Desespero.


Fim



Valeu Day! Espero que goste. Obs: O conceito de "status quo" origina-se do termo diplomático "in statu quo ante bellum", que significa "no estado (em que se estava) antes da guerra".[1] Na realidade, a expressão não define necessariamente um mau estado, e sim o estado atual das coisas. Em uma citação, por exemplo, "Considerando o status quo...", considera-se a situação atual.[1]

Santos Afrikâneres e Palafitas

“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência”





Título: Santos Africâneres e Palafitas


Vocês não entendem. Vocês não querem entender, e acho isto maravilhoso. O mundo que desdobra-se ao seu redor, dentro de vocês é informação. Todas as vossas atitudes são conseqüência – processamento – do modo que a informação é apresentada. Pode-se dizer que todo o seu universo, o universo que seus olhos cegos e suas mentes seletivas são capazes de reduzir é apenas propaganda. As vossas vidas são um “tour de force” emocional. Nela – na emoção – os fatos são apresentados de forma seletiva por vossas mentes às suas almas. Um exagero que semeia respostas emocionais adequadas a nós os demónios. Sigam-me. Eu vou lhes mostrar o jeito que as pedras rolam. Creiam em mim. Eu sou fidedigno.

De longe já dava para sentir o cheiro nauseabundo, lento, indolente. Cheiro prenhe de miséria, dor, doença e morte. Gosto disto. Muito me agrada. A minha casa agradece. Os portões do inferno cintilam, pulsam emanando velozes vapores esverdeados, amarelo-desbotados em júbilo pela decadência que esta tua terra é capaz de produzir.
Se eu sou sujo? Não, eu não sou sujo não. Até queria, mas sujidades em mim são inúteis. Desaparecem em instantes sem aderir, pois eu sou [papaimonstro] nunca fui dado à luz. Ninguém me pariu. Monstros como eu, são conjurados com poeira de estrelas, matéria escura e forças que a física quântica ignora.

Muito perto estou desta interminável favela de palafitas africâner. Observo do alto num terraço de adobe. Ao redor do prédio, as ruas irregulares esvaziadas das barraquinhas de lona, recendiam a peixe e legumes estragados, longe de serem deslumbrantes como as feiras fenícias, a feira de quarta-feira de Khayelitsha é a prova cabal de que a involução vigora. Observo no topo do predinho cônico, irregular. Um pardieiro lascado de bala, salpicado de sangue, caiado de branco e bosta. Daqui posso ver as palafitas - caixotinhos equilibrando-se sobre palitos de dentes - enquanto a maré enche. No horizonte poluído, o mar raso, rançoso e esbaforido afoga um sol doente vermelho sangue. A luz solar me ofende, ergo meu manto cinza, encontro aconchego em sua trama. Envolvido, agacho-me perto da mureta do terraço que dá para o poente. Perdendo-me em sua pequena sombra, fecho os olhos. Para dentro me expando, minha natureza toca os abismos. Quando isto acontece, um silêncio caótico me abençoa. Abro os olhos. O sol agonizante foi-se. Chegou a hora de uma pequena inversão térmica... Lá vem ventando o vento do alto mar. Vento putrefato de esgotos explodidos cinco quilômetros mar adentro e mesmo assim para meu, seu e nosso deleite; 16 milhões de pessoas executam a dança macabra da vida, correndo de braços abertos para a morte bem aqui na minha frente, equilibrando-se em contêineres - latas de óleo vegetal aplainadas remendam paredes impossíveis de existir quanto mais serem emendadas - equilibrados em palitinhos de dente.
Meu destino neste inferno é uma criança. Não, não vou matá-la. Quem mata é vocês, nós só queremos auxiliá-los a exercer sua liberdade trabalhando no que gostam e sabem fazer de melhor. Vim aqui, para uma difícil extração. Realocar a criança. Tenho grande interesse nela. Sabe como é né? Investimentos a longo prazo... Difícil será livrá-la deste mar de hepatite e colocá-la a salvo em outro mundo. Provavelmente os Santos Penitentes não vão deixar. Esta favela é um labirinto espiral complexo. Existem muitas forças em ação neste lugar. Elas disseminam-se pelas travessas, pinguelas e becos. Vejo seus rastros e suas diferentes cores brilhando na noite que agora domina a paisagem. Longas sanguessugas são elas. Embaçadas de uma luz mortiça, arrastam-se pelos caminhos, trastes e trapézios apodrecidos desta cidade esquecida, insalubre e perdida.

Sou capaz de feitos hercúleos em troca do que para vocês, seria ninharia. Posso arrastar um ônibus e atira-lo de uma ponte, apenas para esmagar uma única flor - uma rosa de Nova York especificamente falando – em detrimento de todas do jardim. Estou aqui por este menino. Por causa dele, invadirei este antro interminável na Cidade do Cabo. E ele haverá de provar delícias que distorcerão sua alma. Seus desejos mais profundos com o passar do tempo, - tempo este extremamente curto - hão de tornarem-se bestiais malignos e insanos. Escurecerá não emitindo mais nenhuma luz, pois, sua luz me deixa atarantado e quando a hora apropriada chegar, ele será meu anticristo do mês. Meu apocalipse de verão. Será tudo, destruirá tudo apenas por uma estação. Depois, como a maioria dos seres terrestres, meu messias engendrará dentro de si a semente de sua própria destruição; e nesta hora legitimamente minha o confrontarei. Desmascarado; se verá face a face com o inferno que criou, neste ponto sendo poderoso, escuro como as noites de lua nova, marcado por incontáveis cicatrizes de batalha eu [papaimonstro] devorarei sua alma suculenta. Farei vitaminas com seu sangue. Comerei seu corpo fatiado no café da manhã com pão branco e chá gelado. Seus ossos darei para os vermelhos vermes malditos que guardam minhas masmorras. Mas chega de devaneios, chega de propaganda. Vamos invadir. Vamos?

Início da noite, Khayelitsha, Cidade do Cabo. Aqui é periferia da África do Sul. Aqui o buraco é mais embaixo. Uma terra de muitos deuses. Terra de deuses muito antigos. Quem são estes Deuses? Isto é fácil de esclarecer. Shango ,Bumba, Elegua, Obatala, Abassi, Olorum, Yemaya, Anansi que é trapaceiro e vigarista e por fim, os semi-deuses. Os impiedosos Orishas. Mas não pára por aí não. Existem monstros e demônios como eu também. Aigamuxa anda comendo carne por estas bandas. Duolai conhece esta área profundamente. Katavi, Macardit... É, a família é grande e vive super ocupada. Trampo, trampo, trampo! Business is business!
Semi-deuses, Aigamuxa, Duolai, Katavi e Macardit... Com estes, todo cuidado é pouco. Ando faminto. Sou aventureiro. O que posso fazer, além de perseguir meus objetivos?
Subo na mureta do predinho de adobe. Ás minhas costas, sinto nascer o luar. Magnético luar. O breu do céu, é perturbado por miríades de estrelas e um vento insuportavelmente fresco vindo algures não sei de onde, infla as dobras do meu manto cinza. Acendo um querubim com um isqueiro que parece um maçarico. O querubim estremece mas não reclama. Inalo profundamente, depois exalo sua essência perfumada. É sândalo, cravo da índia, dama da noite, menta e jasmim com gosto de anjo. Lá se vai para a estratosfera meu lindo querubim. Ah, como eu adoro destruir coisas lindas. Palidamente, estico os braços minhas mãos morenas absorvem o luar. Meus braços estão envoltos com tiras de tecido negro parecido com algodão cheirando a alecrim. É áspero, espesso, impermeável á prova de fogo e envolve todo meu corpo. Por cima deste revestimento, uso uma calça jeans surrada, joelheira de kevlar, cotoveleira de kevlar. No tórax, um colete grosso de couro. O colete é ashar, armadura muito eficiente feita de vermes do fogo. Uso uma boina preta. Boina de malandro. É claro. Sou malandro. Da mureta no alto do prédio, dou um piparote no querubim – e ele, num raio de luz suicida-se no oceano sujo. Lanço-me no espaço. Salto alto cortando o ar. Vejo as luzes Khayelitsha a interminável, vejo a lua refletida nas águas escuras do mar e aterrisso com raiva no chão afundando paralelepípedos na beira do cais. Concluo o resto do percurso correndo.
Em frente a uma das muitas entradas desta favela, vejo dois homens. Peões magros e fortes, com aparência de estivadores aproximando-se. Parecem ser dois amigos, parecem estar a conversar, parecem ser moradores da interminável. Dou lhes as costas e passam por mim sem me dar atenção. Ao passarem, não percebem quando mergulho em suas sombras que se arrastam fielmente às suas costas. O que era uma dupla, agora, torna-se um trio. Saindo de cena, explicarei agora às suas mentes o que seus corpos devem fazer.

Abner e Skwint
Eram estivadores, eram amigos. Nasceram e cresceram na Interminável. Ninguém é inocente.
Após a entrada da favela, acabam-se as pedras pisadas do cais. Agora as ruas são de água, ou apenas passarelas sustentadas por velhas colunas de concreto. Outras tem caminhos mantidos por postes de madeira tratada, fincados no leito marinho. A iluminação, assim como a água, vem em parte da administração da Cidade do Cabo e por outra parte – a maior parte – de gatos feitos em cabos submersos. O mar é um caldo intolerável.
Abner:
– Skwint, me dá um cigarro.
– Voltaste a fumar desde quando, Abner, seu tolo?
– Ah, pare com isto. Estou me sentindo agitado. Não me venha com esta de mãe, que a minha afogou-se há uns tantos anos atrás e tu sabes muito bem.
– Como não, quase fomos juntos para a pira ao tirá-la do mar. Foi na região do Little Shark se não me engano.
– Eh! Skwint, chega de recordações! Estou cansado e não tenho tempo para isto. Izaa me espera. Uma bebida e um cigarro, conte uma piada se quiser, depois vou para casa me lavar e dormir.
– Com a minha bela irmã Izaa, não é Abner?
– Skwint, não me provoque. A única coisa boa que "O Deus" te deu, foi Izaa. Sem ela, tu estaria morto há tempos.
– Abner, o mesmo pode ser dito a você, sua lampreia descoordenada.
Tudo pára... Silêncio. Sopra o vento. Ouve-se o som da água colidindo em palitinhos de fósforo.
Encaram-se. Medem-se. As pessoas próximas, observam atentas de suas janelinhas. Crianças aproximam-se com cautela. Trocam uma seqüência de murros curtos, rápidos e velozes como raios. O som dos golpes parecem árvores despedaçando-se. Num segundo tudo acaba e estão abraçados rindo a valer. As crianças aplaudem. Vizinhos sorriem. Partem rumo ao pirata Jingle, boteco mais alto desta parte da interminável.

Pirata Jingle não é apenas o boteco mais elevado desta parte da interminável. É uma fraternidade baseada em qualidades admiráveis. Pirata Jingle, está mar a dentro sobre um entroncamento. Sobre uma junção de tubos e canos muito especiais. Lá em baixo dele, passam tubos cheios de petróleo, dutos repletos de gás natural, cabos de fibra ótica, cabos de redes elétricas e redes distribuição de água. Entendem? Pirata Jingle, dentro de sua humildade é uma máfia que controla – de certa forma – as bases do poder em grande parte da África. Para se fazer a manutenção de tudo naquela seção de transmissão; há de se pedir permissão a Jingle. Quando há guerra na interminável e uns e outros querem explodir tudo a quem recorrem? Isto mesmo. Correto! Recorrem a Jingle. Quando os poderosos querem um boicote aos preços baixos do petróleo, gás, luz e água; a quem eles recorrem? Isto mesmo. Corretíssimo. Acertou de novo. Pirata Jingle. Eles são máfia não gangue. Abner e Skwint criaram-se nas cercanias do Jingle.
O boteco, não passava de dois de dezesseis caixotes amontoados que formam o complexo Jingle. Tudo na interminável é amontoado. Eram dezesseis contêineres de quarenta e oito metros quadrados cada, ou seja, oito por seis metros apoiados alguns lado-a-lado ou uns sobre os outros. Às vezes os superiores, eram ancorados aos inferiores por cabos de aço ou correntes. Os contêineres inferiores apoiavam-se em pilares de concreto que se esticavam dez, vinte, trinta metros para baixo até cravarem-se no leito marinho e se projetavam dez vinte metros acima do nível do mar.

O complexo Jingle era a seu modo; uma maravilha da engenharia. Engenharia informal e arquitetura clandestina. Diversos operários, pedreiros, estivadores e trabalhadores de plataformas petrolíferas filhos da interminável, moradores da vasta área que Jingle comandava, deram suas vidas para que o complexo fosse concluído e se sustentasse. Morreram satisfeitos acreditando em seu trabalho sem reclamar. A Jingle possuía sua base. A comunidade iria prosperar. Esta era a crença daquele povo, não adiantava discutir. A um alto custo de vidas, Jingle existia e firmava-se naquele próspero ponto estratégico.
Abner e Skwint, caminhando de passarela em passarela foram galgando passo-a-passo, estágios mais elevados na direção do boteco Jingle. Cruzavam postos de controle, barricadas, pontes levadiças estreitas onde por baixo cruzavam barcos, lanchas, veleiros pequenos navegados por homens humildes e milionários que percorriam observados de perto, as ruas de água no domínio de Jingle. A lua mansa iluminava o céu e eu estava dentro deles, mexendo em seus fios, desconectando uns feixes de nervos aqui, conectando outros acolá. Moldando o cristalino de seus olhos. Abrindo e fechando portas em seus cérebros. Cavando buracos.


O Boteco

Favela de palafitas Khayelitsha a interminável, complexo Jingle, módulos 1a/16 e 2a/16 “O boteco”, setor domínio da Jingle. Quantitativo: estimativa 4.000.000 de membros ativos. Quadrante nobre base. Acesso principal.

O ar noturno, salino e iodado lhes desobstruía as vias nasais. Ao longe, viam-se os fogos de diversas plataformas de petróleo, espalhadas no horizonte varrido pelo luar. Helicópteros circulavam entre elas e pelo menos um, vinha em direção do heliponto situado no contêiner mais alto da Jingle.

Abner e Skwint, estavam relaxados e alegres como sempre ficavam, ao acessarem os recintos apinhados do boteco. Lá havia de tudo. Tinha muito, tinha para todos e para todos os gostos sem exceção. Só bastava ser membro. Só era preciso ter nascido na barriga daquela miséria. Abner agora intuía – Só era preciso ter perdido seus pais para o mar em nome da Jingle – acertadamente. Desmascarada a singular plenitude da miséria, o que restava era apenas morte.

– Abner, lembrei de uma coisa legal – diz Skwint – Um boteco de seis por oito não dá para muita gente é o que sempre me dizem os “de fora”.
– Quem diz isto, é ignorante. Não conhece nada de engenharia e arquitetura, que foi a praia da rapaziada das antigas que derramou seu sangue por aqui.
– É. E tem as parte submersas...
– Skwint eu me lembro muito bem quando era menino, cada um dos dois contêineres que compõe o buteco foram moldados na parte de baixo como submarinos e na parte de cima como quartel. São contêineres de seis por oito com altura de um prédio de quatro andares subdivididos por mezaninos. Isto é o que me lembro. As reformas que vieram posteriormente, nem eu nem você sabemos, pois estávamos na guerra. Hoje em dia, só acessamos a ponta do iceberg.
Uma linda atendente, Moira, morena clara em trajes sumários e refrescantes passa por eles, segurando um carrinho suspenso por cabos. Olha para Skwint com um sorriso ofuscante e diz:
– E aí moleque, cerveja, uísque ou rum?
– Ai, ai, ai, ai... Ta vento Abner? Ta vendo, como ela hoje tá ousada? Parece as negras da feira.
– Moira, pega leve que ele hoje está muito ciumento.
– Hmmm... Interessante, diz Moira fazendo beicinho – um sorriso levado atravessa seu rosto – E o que é que acontece com meu neguinho mais lindo do gueto? Chateado com a Moira, ou querendo deixá-la? – Servindo lhes doses de uísque, rum e cantis gelados de cerveja.
Nada não Moirinha. Eu só me preocupo com minha família. Com as minhas meninas – admite Skwint – deixa Abner e eu terminarmos este trago e vá se arrumar para irmos embora pra casa, ok? Da cidade, enviei uma surpresa para nossos pequenos e eles devem estar ansiosos para abrir.
– Ok, neguinho brother. Também estou só o fiapo. Meu turno foi longo. Segurem as pontas aí, que passo uma água no corpo tiro este rímel e a gente salta pra noite de lua. – responde Moira, tomando a dose de rum de Skwint. Sua primeira dose do dia.
– Ah, como ela é óptima – suspira Abner – eu amo ela.
– Hmmpft! – resmunga Skwint – Quem a ama sou eu capitão, você já tem a sua.

De um dos estreitos elevadores laterais, surge um menino de no máximo doze anos, usando roupas de mergulho todo coberto de petróleo. Dirige-se a eles.
– Capitão, sargento; saudações! – presta continência.
– Ei, ei, ei! Mark sujinho, olha o que está fazendo menino. Isto é jeito de vir aqui? Está emporcalhando tudo. – adverte Skwint.
– Calma sargento – comanda Abner – vamos ouvir o que Mark tem a dizer.
O menino um tanto constrangido, mal consegue lhes sustentar o olhar. Seu rosto, outrora relaxado começa a adquirir uma emocionada rigidez.
– Acabei de ser liberado do posto de guarda... – diz o menino num fiozinho de voz.
– Então agora pode nos tratar como civis, soldado. – responde Skwint com um sorriso.

Pai, você não vai acreditar como estão as parada lá em baixo pai. Muito andróide e ratazana escorpião. E abraça Abner, lambuzando-o de ouro negro.
– Ah, moleque... Toda vez é a mesma coisa. Eu voltando todo sujo para casa e sua mãe ralhando com a gente. Um dia destes ela nos mata.
– Só se for de mimo, pai. Toda vez que eu voltei ferido, virei neném de novo.
– Fora de serviço, filho, fora de serviço. No serviço, na guerra; os pais enterram os filhos. Compreenda. Eu não desejaria isto a ninguém mas, é assim que a banda toca. Claro que se depender de mim, você viverá eternamente. Isto põe em risco as operações. Assim sendo, estou na reserva, sou estivador. Izaa perdeu toda a família na guerra e eu também. Lutamos para alcançar este estado relativo de paz para você, em nome de seus avós. Skwint e eu não significamos mais nada. Instrumentos é o que somos. Queremos apenas proteger o desenvolvimento da sua geração. Você é diferente Mark. Muito mais do que pensa. Todos da sua geração são assim. Meta Jingle dada é meta Jingle atingida.
– Amo-te pai! – declarou Mark com lágrimas nos olhos.
– Também lhe amo Mark, meu filho. Antes não fosse assim. Sofremos demais. Muitos são os mistérios e perigoso é o nosso caminho. Meu destino fidedigno, é santidade e penitência. Quando você chegar aos dezesseis terei de deixá-los, como você sabe, assim como sabe também, que se viver o suficiente; terá o mesmo destino se for pai.
– Vamos deixar as histórias tristes para amanhã, meu velho pai. Mamãe nos espera. Você ainda não sabe, mas hoje tem festa e ela me disse que você nos levará para a plataforma Coolio. Disseram-me que você vai pilotar Massudo, o velho helicóptero bombardier que você tanto gosta pai. Só a diretoria.

Capitão aviador Abner assentiu. Imaginava que Izaa tinha alguma carta guardada na manga, e não se ressentiu com o filho por sua ingenuidade. Por sua juventude, que não o permitia compreender, que uma parte dele estava morta e ansiava pelo retiro seguro, que o caminho dos santos penitentes lhe proporcionaria. Seu desejo por ações objetivas, que interferissem imediatamente nos destinos da guerra era avassalador. Mas, não era apenas isto. Era a certeza de que, morrendo pela causa, abriria amplo espaço a Mark e Izaa e Skwint e Moira e outros da equipe. Espaço que lhes permitiria, seguir em frente e em segurança, por muitos e muitos anos.
Enquanto isto, inconscientemente uma pequena centelha de luz revolta, acendia-se dentro dele.

Alto mar, quarta feira, dez horas da noite. Massudo está no ar, levando dezoito tripulantes em direção a fantástica plataforma Coolio. Noite clara de lua cheia. Estrelada. Riscada por satélites e cometas.Temperatura dezenove graus.

– Pilotando com segurança e eficiência o velho helicóptero bombardier, Abner sentia-se pleno. Com o apoio de sua equipe sentia-se invencível. Preocupava-se com Mark seu menino e eficiente co-piloto, verdade mas, nem mesmo numa noite perfeita como esta; tudo pode ser exactamente como julgamos apropriado.
Izaa, mãe de Mark e Skwint, tio de Mark ocupavam seus postos ofensivos nas laterais do helicóptero, presos a cabos de segurança trajando seus sofisticados uniformes para-militares camuflados. Usavam coletes, capacetes, infra-vermelhos e grandes fuzis. O resto da tripulação, debatia tranqüilamente os acontecimentos do último trimestre, enquanto Moira com o dedo próximo a um botão vermelho, varria o mar com satélites e radares.





Obs.:
Este texto foi revisado, corrigido e ampliado para este desafio. O primeiro texto se encontra em textos de monstro juntos com outros textos do [papai monstro] aqui na toca.

Caverna das Sombras

Grog acordou na mais espessa treva. Descobriu a cabeça. Estava na caverna. A interminável caverna, berço da humanidade. Quanto mais fundo, mais quente. Na superfície era inverno, reino do frio e da neve. Apanhou seu chifre com brasas e, acendeu pequeno lume. Livrando-se das cobertas felpudas feita de peles, foi para o fundo de seu recinto. Lá, havia um furo no chão de pedra que mergulhava em abismos insondáveis. Nele fez suas necessidades. Voltando a seu girau, catou uma bolsa de couro dela extraiu pedaços de carne seca e fruta desidratada. Comeu. De uma parede lateral água cristalina escorria sem parar. Bebeu dela. Sabia que, quilômetros acima de sua cabeça era dia. Graças a sistema de reflexão solar em pedra polida. Pôs-se a caminhar usando lanterna de barro para auxiliá-lo no ambiente mal iluminado. Mil passos á frente, dois acessores o esperavam. Conferiram seus armamentos de pedra, lanças e boleadeiras. Continuaram a caminhar buscando a contra-gosto luz.

Foi lá bem perto da superfície, onde os simples moravam, que efetuou seu primeiro julgamento do dia. Ao passarem por um trecho longo e tortuoso da grande caverna, avistou um vasto espaço comunitário; lá presenciou uma briga doméstica. O casamento é sempre um risco, refletiu Grog. Ao que parecia, era briga de triângulo amoroso. Um homem jazia no chão todo ensanguentado. Uma mulher ajoelhada ao lado do cadáver chorava e gritava. De pé, um homem grande, segurava rubra faca de sílex em uma mão e um pequeno recém-nascido de dois meses em outra. Grog notou, que o homem não devia ser pai da criança pois, segurava a cria pelos pés.
Antes que Grog e seus homens pudessem fazer qualquer coisa, o homem em gesto impulsivo, bateu o indefeso e inocente neném contra degraus lavrados na pedra. A mãe urrou de dor, mágoa e desgosto apanhando das mãos do cadáver do marido um punhal de pedra. Estava quase para cometer suicídio; quando Grog intercedeu.
O infanticida, ao ver que estava frente a frente com o juiz Grog; tentou evadir-se. Mas Grog o impediu, capturando-o com sua boleadeira que durante a fuga enrolou-se cruelmente ao redor do pescoço do assassino, asfixiando-o e ferindo-o na testa. Permitiu que a mulher chinga-se e corta-se os textículos do amante ciumento antes deste morrer. Não removeu a boleadeira até ter certeza que o homem estava morto.

A comunidade daquela parte da caverna, que estava escondida em recintos escuros, começou a reunir-se ao redor daquela tragédia. Grog, chamou todos e, acendendo uma grande fogueira próxima a um alto paredão, os fez dar as costas ao fogo e contemplarem suas proprias sombras. Sinalizou para o povo ao redor e disse:
- Usando sombras, contem para mim o que aconteceu aquí entre estes três fantasmas. Contem o que fez o recém nascido, para merecer uma covardia como a que foi perpetuada contra seu corpo frágil.
Grog Riordan devia julgar aquela questão de interesses. Conflito parecia inevitável. Quanto mais refletia á respeito, mais sorumbático sentia-se. Todos tem direitos. Negar o direito a vida é crime. Envolve questões pertinentes a crime, por isto, ele devia julgar. O ancião da caverna resolvia apenas questões cotidianas; desentendimentos simples, divisão correta de alimentos, remédios. O ancião julgava os civis. Grog era o juiz que punia os criminosos.

Mas a questão era justamente esta. Era um crime, o que havia acontecido? Grog, sempre acreditou que dois erros não constituem um acerto. Mas, viu muitas vezes, duas coisas negativas; transformarem-se em outra coisa. Algumas vezes o resultado, apresentou-se positivo.

O modo como administrava-se a comunidade da caverna era simples mas, toda política simples, apesar de tirânica sob certos aspectos, funciona efetivamente que é uma maravilha.

Olho por olho, dente por dente. Você recebe exatamente o que é capaz de dar. Plantando poderá colher. Alimentando o grupo tem direito de comer. Caso contrário; morte. Exílio.

Segurando a mulher pelo cabelo, Grog a empurrou para perto da fogueira e disse:

- Faça as sombras falarem neste paredão e conte rapidamente com imagens e palavras o que aconteceu, mulher desgraçada.
E a mulher projetando imagem de chifres, depois de cão; falou e disse:

- Caim matou meu homem, seu irmão que chamava-se...

Sobre a coisa que veio com a chuva

Isto pra mim é viver.



Por: gu1le

Num dos desertos do mundo, é noite. Como quase nunca chove, o céu apresenta-se fascinante; embora não existam muitas almas para contempla-lo. Alguns gafanhotos, desviados da nuvem que passara por ali há alguns dias atrás; serviam de repasto para aranhas, escorpiões e répteis. O chão está quente o ar, gelado. As pedras, que são as verdadeiras flores do deserto; banham-se na luz estelar. As redondas foscas, pretas ou amarelas, são das mais antigas. As redondas polidas, brancas ou âmbar; além de serem antigas, são de fato as mais bonitas. As pontudas, novas e rubicundas. Mas a mais antiga de todas, a que nunca se engana; é a areia fina. E esta areia em torvelinho, se agita ao sabor natural(1) de um vento diferente. Possivelmente, vento que nunca foi visto vagando por estas bandas. Um vento que não vem de ano em ano, nem de século em século; vem de era em era.

Este tal vento alterado, é arauto.

Os grãos da areia fina, grãos que já foram montanhas, varridos e usados por este vento; a todas as criaturas avisa que, mais uma tempestade das eras está chegando. “Preparem-se” adverte areia fina. Aí, tudo que é vivo, primeiro imobiliza-se, sintonizando alguma estação de rádio interna. Há algo no ar, as pedras vibram suavemente. A tempestade dissemelhante e potente se avizinha, imensa; tão vasta quanto o deserto. De onde veio? Não se sabe. Para onde vai? Desconhecemos. Origens e derradeiro destino são os verdadeiros mistérios. Mas pergunta, não é empecilho para a chuva que continua aproximando-se; como um soberano(2) implacável. Vinda de muitos quilômetros acima do chão. Bem alto na atmosfera, a água química cai e, cumprindo todas as profecias de todos os profetas que morreram de sede, finalmente; o deserto vira mar. Mas não há ninguém para testemunhar, só eu e você.
Vou te contar um segredo sobre ela. Ela carrega algo em seu ventre. Um passageiro e, busca alguma coisa debaixo da terra. Algo que o mundo natural(3) não vê há milénios.

A água primeiro molha, depois encharca o chão. O chão saturado testemunha a morte de todas as criaturas adultas filhas do deserto. Suas ovas sobreviverão. O deserto está abaixo de dez centímetros de água, agora vinte centímetros e instantes depois; um metro. A chuva procura algo no subsolo. A água, vai se entranhando nas profundezas da terra; três, quatro, cinco, dez metros, quinze, vinte metros e acha o que procura. Sua química toca calcário, ferro, cristal fundindo-se transformando e, por fim; desperta algo que com este contato(4), finalmente volta a sentir o acre sabor vertiginoso da libertação(5).

domingo, 17 de março de 2013

A Raposa Prata

Este é um dos contos que mais gosto.


*****


Estava andando sozinho pela via. Era madrugada. Lojas fechadas. Percorria avenida larga de uns vinte metros. Bem no meio dela, observava vitrines que me coloriam, de um lado e do outro. Algumas lojas, eram de miudezas. Vazando das vitrines, luzes pintavam a rua molhada pelo sereno. Muitas, exibiam figuras plásticas. Manequins vestidos com roupas da moda. Vários tipos de loja a avenida possuía. Brechós ostentavam peças antigas. Bem no centro da larga avenida, pude ver ao passar por uma delas, um Zoot suit. Imaginei-me dentro dele. Rebelde usando Zoot, cabeça rapada, corte semi-escovinha; pilotando uma lambreta envenenada. Sorri.

Sobre minha cabeça, parecia existir um infinito céu preenchido de luminosa névoa clara. Cabeça leve e desanuviada, apesar de certa sensação de descolamento. As várias Genebras, que havia entornado goela abaixo pelos bares da cidade, haviam ficado para trás junto com a festa. Fora do sistema. A solidão daquela noite era bem-vinda, abençoada.
Aconteceu de repente. Senti cheiro de ozônio no ar. Os pelos do braço arrepiaram-se. Não me atrevi a olhar para cima quando, uma enorme mão; poderosa e fumegante vinda do alto acariciou meu rosto. Schrecklichkeit! O mais absoluto Schrecklichkeit (Terror).

Em choque, ouvi um vento que tinha voz? Brisa soprando meus cabelos sussurrou palavras que não entendi. Minha visão periférica, incapaz de interpretar corretamente o que vislumbrava; deu-me em compensação outra coisa, com certeza. Parecia o final de um longo braço. Um braço molusco em parte carne rosa, com filamentos insetóide verde-jade e negro. Possuía sensores, câmeras, ganchos mecânicos, agulhas, garras, antenas de transmissão e pelos. Acredito que o que aconteceu foi:
Minha memória ou meu cérebro trocou a verdade; por imagens mais apetecíveis, suportáveis. Senti um peso, envolvido em um manto leve, impermeável e negro, sendo depositado sobre os meus ombros. Mesmo assim, não tive coragem de olhar para cima. Nem para os lados olhei. Seguia caminhando, sem correr. Morrendo de meda. E, grama a grama, quilo a quilo; o peso aumentava. Era carne, isto podia sentir. Do meu lado direito, vi por entre as dobras do manto; joelhos. Na nuca, sentia o respirar de um abdômen. Do outro lado ombros, braços e cabeça. Uma cabeleira, que não era minha, prateada como um luar; escorria até a altura da minha cintura. Pelo peso, parecia ser uma mulher. Passei a sustentar o peso deste corpo sozinho. Continuei caminhando sem olhar para trás. O que quer que tenha depositado ela sobre meus ombros, havia ido embora.

Determinado, segui adiante caminhando em silêncio; até meu loft chique na Rua Bóra-Bóra. Havia algo muito sobrenatural, em tudo isto que estava me acontecendo. Sentia nos ossos. Se acreditasse em alma diria, que senti isto nela, na alma. O porteiro, amigo meu, acostumado com algumas extravagâncias esporádicas minhas. Foi abrindo uma de cada vez, as barreiras elétricas e portões blindados que, protegiam aquela fortaleza de gente rica.
– Fergusson, valeu por ir me liberando sem perguntas – disse ao porteiro.
– Ah Trevanian, não é todo dia que um macaco bonito como este que você está carregando cai da árvore.
Olhei para o lado, e vi dois pares de olhos lindos me observando com curiosidade. Com o braço de cima ela segurava-me pelo pescoço, com o outro apoiava a mão enganchada no meu cinto. Os joelhos dobrados chegavam à altura do meu umbigo.
– Fergusson; tá com problema de vista? Estou enrolado numa Raposa Prateada. Super embriagada, como você pode bem notar.
– Verdade Trevanian. E que raposa, hein? Sugiro que você suba pelos elevadores de serviço. Um segundo antes de você entrar, dei pause nas câmeras. Se o síndico ou algum morador ver seu novo casaco, você terá problemas administrativos e jurídicos, talvez até criminais.
– Ok, boa noite Fergusson.
– Bom dia, Trevanian. Cuide bem desta doidinha. Não faça nada que eu não faria.

Pelo elevador dos fundos, que carregam mundos, cheguei a casa com ela nas costas. Ela era leve e cheirava bem. Não a perfumes, mas sim ervas.
Coloquei-a com suavidade, em um enorme sofá de couro ecológico. Ela embrulhou-se no manto. Encarava-me com silenciosos olhos profundos. Inteligentes. Universos em expansão. Brilhantes.

Acendi um cigarro Continental-Op. Traguei fundo tentando me acalmar, mas, minhas mãos tremiam descontroladas. Sob o peso de aquele olhar, senti imensa necessidade de um drink.
– Quer beber algo?
Ela fez que não com a cabeça.
Dirigi-me até o bar e peguei uma garrafa quase cheia de escocês. Enchi um quarto do copo. Dei uma bicadinha, sentindo o aroma. Deixei o malte espalhar-se pelas minhas papilas gustativas; depois virei o resto de uma vez. Senti calor invadir meu corpo. Senti o medo recuar, para um canto escuro de meu ser. Traguei mais uma vez o continental e, esmaguei-o impiedosamente num cinzeiro de cristal. Olhei para as janelas panorâmicas atrás do sofá onde ela estava. O dia vinha nascendo. Seria um dia quente. Peguei o controle universal que ficava sobre o balcão do bar. Acionei o sistema de ar-condicionado no máximo e, escureci o vidro das janelas. Liguei suave iluminação indireta. Coloquei musica libertadora no som ambiente, quase no limite mínino da audição.
Girei os ombros em movimentos circulares, relaxando os músculos das costas. Massageei o meu pescoço. Esfreguei a cabeça vigorosamente. Abri e fechei a boca, relaxando a mandíbula. Toquei a ponta dos pés. Suspirei profundamente. Ela me observava do sofá. Gritei:

– O que é que vocês querem desta vez? O que é? Odeio quando vocês aparecem no mundo, porra! Odeio! O que seria tão importante, para eles mandarem uma Raposa Prata?

Pude a ver sorrindo na penumbra. Sacanagem. Avancei para ela, estava com raiva. Quando a peguei pelo braço esquerdo, arrancando-a do sofá, ela o puxou para baixo; socando meu estômago com o direito. Fiquei sem ar, soltei. Ela me pegou pelo cinto e pelo colarinho atirando-me alto contra a janela blindada, sem emitir som algum. Vi estrelas. Escorri lentamente pelo vidro, deixando rastro da minha baba nele; até beijar o chão. Senti cansaço. Ela arrastou-me até o centro da sala. Colocou os joelhos sobre meus braços. Segurou meu rosto com ambas as mãos. Olhou-me com sabedoria, paciência e determinação. Disse:

– Trevanian, tic-tac. Temos um serviço a fazer. É coisa simples. Perigosa, mas simples. Desistir não é opção. Agir como um novato, não é opção. Agir como um ser humano normal, não é opção. Cale-se e execute o serviço que lhe foi designado, em nome das forças maiores sem frescuras, ok?
– Forças maiores um caralho!
Ela aumentou ligeiramente a pressão das mãos no meu rosto. Meus olhos quase saltaram pra fora da cara.
– Ok? Trevanian... Pensa bem. Tic-tac.
– Ok, Silver Fox. – Esmoreci.
Ela removeu as mãos do meu rosto levantando-se, me estendeu a mão, piscou um olho e sorriu. Disse:
– Quer que o acompanhe ao chuveiro para relaxar?
– Ok, Silver Fox, claro.
– Depois, alimentamo-nos. Vestimo-nos. Você pega seu blindado. Há certas coisas, que devem ser investigadas antes do cair da noite. Temos pouco tempo Trevanian. Tic-tac.

Raposas são uns bichos traiçoeiros, raposas, são péssimas esposas. Ótimas espiãs, guerreiras oportunistas, velozes. Inigualáveis na arte da sedução e do sexo. Espertas, muito espertas. Nem preciso dizer que meu banho, foi maravilhoso.

O que são eles, de onde eles vem, são humanos, máquinas, como defini-los? Não sei; ainda investigo quando tenho tempo. Os poucos que conheci, eram agentes poderosos; sob comando de uma força maior por mim desconhecida. Nunca quis, nem quero conhece-los. Eles vieram a mim. Me encontraram, me enquadraram; assinaram contrato comigo. Sou prestador de serviços. Gosto de acreditar que sou independente.

Sou o detetive deles e, apesar de ter investigado suas origens, analisado suas atitudes; não consegui avançar um passo em uma direção razoável, que possibilite ao menos; estabelecer um ponto de vista lógico que me permita, entender de certa forma seus atos. Preciso procurar e pensar por outros ângulos um dia, acho.

Forças, cruzes, fórceps, brigas, batalhas, guerras, intrigas, magia branca, magia negra, monstros, aberrações, loucura, escândalos e sangue; muito sangue mesmo.
Que posso fazer? Eu apenas investigo; sou só o chofer. A mula, que carrega Raposa Prata nas costas. Dou graças por isto, as coisas já são deveras complicadas do jeito que estão.

Do alto Loft, descemos diretamente pro sub-solo, garagens. Num canto mergulhado na penumbra; blindado nos aguardava. Um Explorer preto fosco totalmente à prova de balas, morteiros e fogo. Um carro digno de guerrilheiro urbano. Ao abrir as portas Explorer, emitiu um chiado indicando a mudança de pressão do seu interior para o exterior. Computadores e GPS iniciaram seus serviços.
– Bom dia Trevanian, Sula, minha agente que estava naquele momento, no escritório da empresa, me cumprimentava através do sistema de áudio do carro. Meu humor estava péssimo. Pelo vidro-monitor do carro; podia vê-la. Esbelta, jovem, sorriso branco, óculos e cabelos negros. Ao fundo podia ver minha equipe, andando de um lado pro outro atarefada resolvendo outros problemas. Sabia que estavam disfarçando. Preocupados comigo. Espero deixá-los em paz. Não quero meter meus meninos nisto. Caso alguém tenha que morrer, escolherei um veterano.

Conferi armamento sob os bancos e, dentro do painel frontal do veículo. Polarizei os vidros do blindado. Aqueci o motor. Liguei o ar-condicionado. Liguei o som, deixei acontecer. Raposa de Prata e eu, dentro do Explorer; subimos a rampa de saída da garagem e, ganhamos as ruas da cidade.
– Iniciando monitoramento Trevanian – Avisou-me Sula.
– Não desgruda de mim, Sula Valentine, se não rua.
– Pra onde? – Perguntei a Raposa Prateada.
– Confere GPS, subúrbios, cemitério Jequitinhonha. Apura!

Nada contra os antigos. Respeito suas velhas tecnologias do passado; mas, andar pelas cidades hoje em dia é impressionante. Prédios altíssimos, avenidas largas intermináveis. Hoje em dia, tudo é Babel. Tudo de proporções Babilônicas. Jardins suspensos, jardins subterrâneos, jardins de areia e jardins de pedra. A montante, a jusante tudo asfalto, tudo cidade, tudo Babel. Do rés do chão, edifícios ambicionam rasgar o céu. Edifícios invertidos, desejam o contrário. Querem aconchegar-se no núcleo da terra. Muitos sub-níveis existem enraizados no chão. Muitas pessoas, optam pelas cidades subterrâneas. Nascem, crescem e morrem sem ver a luz do dia em um mundo; onde cada dia pode durar até setenta e duas horas. Eles gostam assim, vai saber por quê...

Cemitério Jequitinhonha é uma enormidade. Para chegar até ele, já no final do percurso, devemos cruzar cinqüenta quilômetros de invasão. Uma da milhares de pré-favelas, que compõe a base da nossa sociedade. Elas existem, sempre existiram e pelo que sei; existirão para sempre. Não podemos viver sem elas. Mas elas, podem viver sem nós. Precariamente; mas podem.
No meio dela, demos com um protesto feito pela coletividade. Os moradores, haviam achado um novo veio aqüífero, o governo queria primeiro tomar posse do empreendimento, depois privatizar. Estávamos no meio da guerra e nem eram nove da manhã ainda.
Desviando dos protestos, junto com muitos outros carros, percorremos as avenidas da favela.

Sula:
– Trevanian, daí até cinco kilômetros ao redor; estamos captando indícios de batalha. Batalha em todo entorno. Não passarás!
Parei em um bar feito de material reciclado, próximo a um restaurante transgênico.
– Vamos nos informar a respeito dos túneis – falei.
Ela me acompanhou. Travei e eletrizei o blindado. Encostei-me ao balcão do bar, coloquei meu revolver Eagle sobre o balcão.
– Genebra! – falei pro dono da birosca. Um negro grande careca e barrigudo, barbeado, pele marcada por combates.
Ele me olhou sem medo, sorriu e disse:
– Genebra faz bem pras tripas.
– É por isto que vou tomar. Com esta zona acontecendo aqui, to quase pra encher as calças. Ele riu. Raposa Prata, olhava o cara fixamente que nem lhe prestou atenção. Apos ser servido, tirei um maço grosso de dinheiro da cueca. Preciso cruzar esta merda agora. Túneis.
– Pelo fone de ouvido, Sula comunicou-me:
– A rede de metrô informal passa embaixo do ponto onde você se encontra agora. O nome deste negão é Randal, chefe de brigada, ativo. Você pode negociar com ele.
– Pra onde chefia?
– Randal, isto não é da sua conta, quer vender dois passes, ou quer levar umas boas porradas?
– Agente Trevanian, vou vender, mas não se engane aqui mando eu e, você tá na mira.
– Está mesmo Trevanian – concordou Raposa Prata. – No prédio da rua em frente, snipers acenam pra gente.

O negão falou:
– Não to fazendo isto por você Trevanian e sim pra esta coisa aí, quero ela longe de nós. Assim que entraram no bar, foram escaneados, filmados e investigados. Assim como você mesmo fez. Não há registros desta criatura ao seu lado, nos últimos cinqüenta anos. Não sei o que é nem quero saber. Mas quero saber aonde vão.
– Jequitinhonha Gates – Raposa Prata informa.
O negro, dá um sorriso triste e ao mesmo tempo irônico.
– Ê coisa boa. Sumam. Paguem seus ingressos agora, desçam as escadas á direita. Há um carro esperando por vocês.
Antes de descer as escadas disse a ele:
– Guarda meu carro?
Guardo. Mas acho que você não volta mais. Se não voltar é meu.
– Se eu não voltar, assim que eu morrer ele explode, danificando tudo em um raio de quinze metros.
Randal, nos brindou novamente com outro sorriso irônico-triste.
– Você que pensa Trevanian. Você que pensa.

No subsolo, o carro chefe do trem de metrô aguardava. Um espaço úmido, lavrado na pedra e na terra, estruturado por entre cabos elétricos, vigas de aço e concreto armado sem propaganda. As portas abriram-se. O condutor, um velho albino sardento, perguntou:
– Pra onde?
– Jequitinhonha Gates.
– Posso deixa-los a oitocentos metros dele.
– Ta ótimo. Pica a mula velhinho.
Sumimos naquela escuridão.

Já dentro do cemitério, avistamos um grande mausoléu branco perdido na névoa seca. De longe podíamos escutar o rugido de uma batalha urbana; que após cruzarmos os portões de Jequitinhonha, deixou de ter importância. O céu azul sobre nós. O sol, inclemente. Movimento. Embrenhamo-nos por entre lápides, jazigos, anjos de pedra, saudades e flores mortas. Raposa Prata ia à frente. Mais adiante, cruzamos uma pequena ponte. No meio dela, havia uma sombra. A sombra consolidou-se; formando um monstro feito de cadáveres. Vários troncos emendados uns aos outros, constituíam seu tórax. Varias pernas plasmadas umas às outras, eram suas duas pernas. Tinha seis pares de olhos e três bocas que falaram ao mesmo tempo:
– Os serviços já foram iniciados. Não há mais nada a fazer. Vão! Embora! Agora! – Rugiu o monstro.
Raposa Prata sorriu de leve. Da carne de seus pulsos, retirou duas finas adagas afiadas e reluzentes.
O morto-vivo reluziu, cheio de poder sobrenatural. Antes que Raposa Prata desse combate, saquei meu Eagle e explodi a cabeça dele, descarregando a pistola. Uma gosma amarelo catarro e pedaços de carne cinzenta nos perfumou.
Ela me deu um olhar frustrado. Estava uma fera, queria lutar. Fingi que nem notava, recarregando minha arma. Cruzamos a ponte, seguimos em frente.
– Pra onde? – perguntei.
– Calma, estou sentindo. – me disse ela.
Foi quando atingiram-me no peito violentamente. Um tirambaço. Voei uns cinco metros para trás, arrebentando várias lápides. Raposa Prata, abaixou-se correndo em minha direção desviando-se habilmente dos outros tiros. Acordei da parada cardíaca, graças a Sula que acionou o desfibrilador implantado em meu peito. Um dos vários coletes a prova de bala que uso conseguiu evitar o pior. O defletor falhou mas amorteceu, o constritor falhou mas amorteceu, a boa e velha placa de titânio salvou-me.

– Chefe? Chefe? – Sula gritava em meus ouvidos – Não pude ver o que havia no mausoléu por causa da névoa.
– Eu sei, eu sei. Quem te treinou fui eu. Merdas acontecem. A coisa é assim mesmo e, qualquer coisa é a mesma coisa. Este é o meu trabalho. Manda um helicóptero pra cá agora, com o Curtis e o Blow.
– Vinte e cinco minutos previstos para a chegada. Eles já estavam preparados. Posso ir também? – Pediu Sula, com brilho assassino no olhar.
– Nunca precisou Sula. Fica na creche aí e vai treinando, que um dia tua hora chega. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa e, isto aqui; é coisa de velho.

Lendo os olhos da Raposa Prateada, entendi que não podíamos esperar, o tempo urgia. Colocamo-nos em movimento, sob fogo cerrado. Minha parceira, possuía um tubo que aflorava de sua coluna cervical. Parecia vir da base do crânio e descia fundido às vértebras. O fim dele, no meio das costas, possuía abertura retangular de três dedos de largura por um de altura, já tinha notado isto no banho e, apesar de muito ter matutado a respeito da sua função durante o percurso até Jequitinhonha; não conseguia imaginar para quê servia. De seu manto, ela retirou algo parecido com um dominó comprido. Amassou o objeto no meio e, introduziu neste dito orifício no meio das costas. Começou a vibrar e brilhar. Segurou-me pela cintura e pôs-se a correr a uma velocidade vertiginosa. Rompia paredes de capelas, arrebentava túmulos, lápides e previa os tiros antes de serem disparados. Chegando perto do mausoléu ela gritou pra mim:
– Encolhe as pernas junta os cotovelos!
Obedeci, num medo cego e respeitoso, como uma criança reagiria a um comando materno urgente. Aí, ela lançou-me pelos ares. Vinte metros de altura e subindo. No ar, saquei o Eagle e comecei a atirar. Acertei dois snipers, um no ombro arrancando o braço, outro na cintura amputando uma perna. Depois, caí rolando pela cobertura do mausoléu, bati com a cabeça numa parede. Apaguei.

Acordei com a língua mordida, dores na cabeça e peito. Sentia cheiro de sangue, a laje do mausoléu era uma carnificina só. Quatorze soldados mortos. Despedaçados. Raposa Prateada dava tapinhas suaves no meu rosto. Seu corpo imaculado como no chuveiro. Soprava com seus lábios, flores silvestres em minha face.
– Levanta Trevanian, a brincadeira ainda nem começou.
Carreguei novamente o Eagle e o guardei. Peguei agora minha Uzi em uma mão e meu rifle cano duplo serrado na outra.
– Agora vamos entrar no mausoléu né? – perguntei.
– Quem dera, disse ela. Emitindo ruídos parecidos com conecção discada e vibrou. Com ela vibrou o mundo também. Aí, foi foda. O véu do mundo caiu eu acho. Ou dois mundos diferentes misturaram-se. O mausoléu era agora base de outra estrutura. Arquitetura feita por um Gaudí ensandecido. Era como a cripta da colônia Güell, mas feita sob encomenda para o capeta. Um prédio em formato ondulado. Uma distorção negra, cinza, roxa rodeada por árvores apodrecidas, sem um único ângulo reto. Uma larga porta de sua fachada escancarou-se. Dela, jorrou horda de demónios imundos; com olhos vermelhos e verdes. Velozes como beija-flores. Criaturas espinhudas, com navalhas nas mãos ao invés de dedos. Mas, não tão rápidos quanto minha Uzi. O pau comeu. Raposa de Prata, os abatia impiedosamente em ritmo constante, como se fosse uma ceifadeira. Uma máquina de morte. Sempre me dando tempo para recarregar. Protegendo minhas costas pra eu reload. Acabamos com eles rapidamente. Entramos na cripta. Como tudo era fácil ao lado dela. Ela foi desarmando armadilhas, explodindo sensores com a força da mente, destruindo enormes demónios de fogo do mesmo modo que abatia monstros pequenos e ardilosos. A frente de um trono, sentado nos degraus, nas profundezas da cripta, nos aguardava um ser extremamente velho. Em seus braços ele segurava uma caixa. A caixa estava entre aberta o que havia em seu interior, parecia ser uma estrela. Brilhava como se fosse uma estrela pelo menos. Tinha o formato tridimensional de uma estrela de cinco pontas, pelo que podia perceber.
Raposa Prateada olhou para mim. Olhei pro chão.
– Mata ele Trevanian – ordenou ela.
– Não.
– Por quê?
– Ele lembra meu avô. – Menti.
– E se ele não for o que você imagina?
– Não tô nem aí. Tem coisas que eu não faço. Procure um advogado.
Silver Fox deu um riso selvagem e, sacou sabres que brotaram lateralmente de suas longas coxas. Foi repelida voando longe pelos ares, ao entrar no perímetro de um metro ao redor do ser antigo. Praguejando como um marinheiro ralé, levantou-se desconjuntada. Caminhou ao redor do ancião, observando. Aproximou-se devagar. Ajoelhou-se à sua frente, empunhando os sabres. Mostrou-os ao velho. Apontou eles direto pro coração dele e, centímetro a centímetro; foi vencendo muito lentamente aquele campo de força. Olhava para a velha criatura, com malícia determinada. Leve sorriso irônico nos lábios. Quando a lâmina estava prestes a tocar a pele do ser, ele explodiu numa bola de energias e chamas. Atirada contra a parede novamente, Silver Fox fechou a guarda em xis, enquanto o ancião atacava com velocidade alucinante. Defendeu-se de socos frontais, jabs de direita, esquerda e socos cruzados, mas não conseguia evitar todos. Sangrava pelo nariz e boca. Raposa de Prata cometeu o erro de dar um chute lateral com a guarda muito alta, como recompensa; levou um gancho fortíssimo nas costelas. Ouvi som de osso quebrando. Enquanto o velhinho a enchia de pancada, ia mudando. Um rabo começou a brotar, escamas surgiram e, vi que Silver Fox estava lutando contra uma criatura parecida com um grande lagarto leão emplumado, bípede. As adagas de Raposa de Prata agora despontavam ameaçadoras de seus cotovelos e dos joelhos os sabres trabalhavam da mesma forma. A criatura deu um giro, querendo apanha-la com o rabo, Silver Fox o acompanhou neste giro rápido ficando em suas costas. Por esta mostra de excelência inegável, admirei Raposa Prateada. O mais astuto; não o mais forte venceu a parada. Nas costas do lagarto ela deu um mortal para trás, usando os sabres do joelho para rasgar profundamente couro, carne, artérias e osso das costas daquele réptil. Depois, caindo sobre os dois pés pulou nas costas rasgadas da criatura e com os cotovelos de adaga afundou dezenas de vezes as lâminas na base do pescoço do lagarto leão. Ele todo estourado, ajoelhou-se no chão irregular de aparência orgânica e sussurrou um mantra. Começou a rezar e assim, ia recompondo-se rapidamente. Eu que já não aguentava mais aquela parada; cheguei bem pertinho dele com a Uzi e, apontando ela pra cabeça do bichão; que arregalou os olhos e vidrou eles em mim abrindo em copas a juba de couro. Transformei, toda aquela feiura em papinha.
Silver Fox, ajoelhou-se recolhendo a caixa com a estrela dentro e disse:

– Vamos embora Trevanian, missão cumprida.

Em suas mãos, a caixa foi reduzindo-se de tamanho, até caber na metade da palma. Colocou a caixa na boca, engolindo-a sem mastigar.
O mundo mudou novamente, pude ver Curtis e Blow. Estavam no helicóptero bem acima de nós. Olhavam para mim embasbacados. Sula que se virasse pra pegar o blindado. Eu ia pra casa era voando.
Após um banho, alguns antidepressivos, algumas pílulas aceleradoras, muito analgésico, várias doses de escocês e alguns cigarros Continental; eu e Silver Fox estávamos prontos pra outra.

Novamente noite alta. Ela nua no sofá, enrolada em seu manto negro como ébano olhava-me calmamente. Tragou o cigarro com suavidade e disse:
– Levarei sua semente para mim Trevanian.
Dei de ombros. Tomei uma golada de escocês e disse:
– Tanto faz, fiz vasectomia anos atrás pra loucas não aproveitarem-se da minha pessoa.
Ela olhou-me nos olhos e sorriu sem nada dizer. Eu mentia e ela sabia disto de alguma forma.
– Vamos, leve-me ao ponto zero.
– Que ponto zero porra? Quero é dormir. Quero é um boquete. Sai pra lá.
Ele olhou-me novamente. Apontou o dedo indicador pra mim; depois passou ele pela própria garganta. De orelha à orelha. Apontou pro meio das minhas pernas, fechando a mão em punho cerrado que estralou devido à força de seus músculos. Estremecí por dentro.

– Peraê rapidinho, que vou por uma cueca e vestir qualquer coisa.

Estava novamente carregando-a nas costas embrulhada nua em seu manto madrugada afora. Era uma linda e profunda noite estrelada sem lua. Em frente à vitrine do brechó do terno Zoot, atrevi-me a olhar para cima desta vez quando, aquela garra bio-cibernética cravou-se fortemente no orifício das costas de Silver Fox, minha Raposa Prateada e, ela foi erguida violentamente pelo braço monstruoso. Recebeu um choque horroroso, seu corpo contorceu-se com a descarga. Ela de mim não tirava os olhos. Até que eles embaçaram e ela, parecendo um brinquedo sem baterias apagou. Abaixou à cabeça, seus olhos fecharam-se. Seus cabelos cobriram o rosto. Ela sumia no vórtex. Braços e pernas pendiam moles no ar. Sua mão abriu-se num espasmo e o manto negro, provavelmente seu único bem material, escorregando por entre os dedos foi flutuando no ar; até envolver-me num último abraço.